Começando pelo começo
Em que consiste, propriamente falando, a Teologia, segundo a Tradição da Igreja de Cristo, conforme ela desde sempre a entendeu, ensinou e proclamou? Antes de contemplar a correta definição no seu contexto mais próprio, partiremos do mais óbvio, isto é, buscar a compreensão do significado etimológico na construção da própria palavra.
A palavra teologia tem origem na junção do elemento Theos (do grego θεός), que significa “Deus”, mais o sufixo Logia [λογια, que deriva do grego legein (λέγειν)] e que se traduz literalmente por “falar sobre”, significando o estudo de determinada matéria. Saber isto é o básico do mais básico; mas, sendo assim, então podemos dizer que “Teologia é o estudo sobre Deus”?
Sim e não; de imediato se vê que a definição da palavra de fato nada explica, e nem poderia se aplicar assim, de modo simplório, ao que nos interessa. Pois como é que poderia o finito estudar/conhecer o Infinito, o limitado estudar/conhecer o que é ilimitado? E como se poderia estudar aquilo que não se pode ver, nem tocar, nem se pode experimentar por meio de nenhum dos sentidos físicos? Como analisar aquilo que não se pode testar por meio dos métodos empíricos, que exigem testes de repetição e dependem da experiência sensorial?
Chegamos assim, forçosamente, a uma conclusão primordial: tudo o que autenticamente se pode aferir da Teologia depende da Fé. Sem a Fé, resta apenas a modalidade surgida recentemente e denominada nas faculdades como “ciências das religião”. Sabendo e compreendendo bem esse ponto de partida fundamental, então, podemos avançar para a definição cristã e católica de Teologia.
A Teologia, segundo a definição católica tradicional – e as definições tradicionais costumam ser as mais claras, excelentes e insofismáveis de que dispomos – é a Fé em busca de entendimento, ou, mais além, a Fé procurando a compreensão de si mesma, (do latim ‘Fides quaerens intellectum’), uma verdadeira iluminação com a qual nos brindou o gigante Santo Anselmo[1]. Esta definição consta em uma grande quantidade de documentos da Igreja, por sua excelência e completude.
Mais que isso, todo aspirante a teólogo(a) precisa compreender bem e profundamente aquilo que até mesmo o atual Catecismo da Igreja Católica (o popular 'amarelinho', que, sim, contém erros e graves problemas) reconhece e resumiu de modo preciso:
1. A Fé é necessária.
– É necessário, para obter a salvação, crer em Jesus Cristo e naqu’Ele que o enviou para a nossa salvação. Como, porém, ‘sem fé é impossível agradar a Deus’ (Hb 11,6) e chegar ao consórcio dos seus filhos, ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna, se nela não permanecer até o fim (Mt 10,22; 24,13).
(CIC, n. 161)
2. Antes disso, a Fé é um dom gratuito concedido por Deus à humanidade decaída, pela Graça:
– Quando São Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Filho do Deus vivo, Jesus lhe declara que esta revelação não lhe veio ‘da carne e do sangue’, mas de seu ‘Pai que está nos Céus’. A Fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. ‘Para que se preste esta fé, exigem-se a Graça prévia e adjuvante de Deus e os auxílios internos do Espírito Santo, que move o coração e o converte a Deus, abre os olhos da mente e dá a todos suavidade no consentir e crer na verdade.
(CIC n. 153)
3. Aqui chegamos à realidade que toca diretamente à Teologia, pois a Fé é também um ato humano, que se relaciona com a inteligência humana:
Crer só é possível pela Graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é também um ato autenticamente humano. Não contraria nem a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas. Já no campo das relações humanas, não é contrário à nossa própria dignidade crer no que outras pessoas nos dizem sobre si mesmas e sobre suas intenções e confiar nas suas promessas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para entrar assim em comunhão recíproca. Por isso, é ainda menos contrário à nossa dignidade “prestar, pela fé, à Revelação de Deus plena adesão do intelecto e da vontade” e entrar, assim, em comunhão íntima com Ele.
Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a Graça divina: ‘Credere est actus intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis a Deo motae per gratiam' – Crer é um ato da inteligência que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da Graça.
(CIC n. 154s)
A Fé e a Inteligentia
– O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Cremos ‘por causa da Autoridade de Deus que revela, e que não pode nem enganar-se nem enganar-nos’. ‘Todavia, para que o obséquio de nossa fé fosse conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados de provas exteriores de sua Revelação. Por isso, os milagres de Cristo e dos santos, as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, sua fecundidade e estabilidade ‘constituem sinais certíssimos da Revelação, adaptados à inteligência de todos’, ‘motivos de credibilidade’ que mostram que o assentimento da fé não é ‘de modo algum um movimento cego do espírito’.
A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas, mas ‘a certeza dada pela Luz divina é maior do que a que é dada pela luz da razão natural. ‘Dez mil dificuldades não fazem uma única dúvida.
‘A fé procura compreender’: é característico da fé o crente desejar conhecer melhor aqu’Ele em quem pôs sua fé e compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais penetrante despertará por sua vez uma fé maior, cada vez mais ardente de amor. A Graça da Fé abre ‘os olhos do coração’ (Ef. 1,18) para uma compreensão viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do conjunto do projeto de Deus e dos mistérios da fé, do nexo deles entre si e com Cristo, centro do Mistério revelado. Ora, para ‘tomar cada vez mais profunda a compreensão da Revelação, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de seus dons. Assim, segundo o adágio de San- to Agostinho, ‘eu creio para compreender, e compreendo para melhor crer’.
Fé e ciência. ‘Porém, ainda que a fé esteja acima da razão, não poderá jamais haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a Fé dotou o espírito humano da luz da razão; e Deus não poderia negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer a verdade. Portanto, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira verdadeiramente científica, segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus. Mais ainda: quem tenta perscrutar com humildade e perseverança os segredos das coisas, ainda que disso não tome consciência, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo com que elas sejam o que são.
(CIC n.154-159)
* * *
Dada esta brevíssima introdução, que de fato pertence à disciplina Teologia sistemática, à qual retornaremos com profundidade no momento oportuno, e tendo como premissa que a Teologia é assim interdependente da Fé, estamos aptos a partir para o estudo das disciplinas teológicas fundamentais, em ordem que facilite a sua compreensão, iniciando justamente pela compreensão da Fé.
Deus Todo-Poderoso vos ilumine e guarde!
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Notas
[1] Santo Anselmo de Cantuária (Aosta, 1033/1034 – Cantuária, 21 de abril de 1109), foi um dos mais influentes teólogos e filósofos do período dito medieval e de toda a História. Foi Arcebispo de Cantuária entre 1093 e 1109, por nomeação de Henrique I de Inglaterra, de quem foi amigo e confessor. É considerado o Pai da Escolástica/fundador do escolasticismo; é o célebre criador do argumento ontológico a favor da existência de Deus (que será abordado neste curso). É um dos mais importantes Doutores da Igreja, título que lhe foi dado no ano 1720 pelo Papa Clemente XI, e um dos maiores influenciadores do pensamento teológico em todos os tempos.
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