Módulo 1: Ascética e Mística 4 (prática) | Viver e crescer interiormente

 Conhecer-se a si mesmo. Com base na direção espiritual do Padre F. W. Faber, C.O.


A vida interior de cada pessoa humana nesta Terra é toda cheia de contradições. Muito se sofre sem haver para tanto uma real necessidade, eis a miséria mais comum da experiência humana, e isso apenas faz confirmar, no cotidiano de todos, que a natureza humana é decaída.

Uma das maiores aparentes contradições, e talvez uma das mais difíceis de lidar, é a seguinte: na espiritualidade, por um lado é importantíssimo termos um profundo conhecimento de nós mesmos e, ao mesmo tempo, ocuparmo-nos o mínimo com a nossa própria pessoa. Eis aí algo que não é fácil de se conciliar.

Entende o que foi dito aqui? Por um lado, nenhum conhecimento nos pode ser mais útil do que o da situação em que nos encontramos, tanto em relação às dificuldades, aos obstáculos que nos impedem de atingir os nossos objetivos, quanto em relação aos pontos fortes com os quais fomos agraciados por Deus, e que devemos (é uma obrigação) saber usar bem.

Precisamos nos conhecer bem, e aprender a conhecer-se é uma grande arte. Conhecendo bem a nós mesmos, sabendo do que somos e do que não somos capazes, conhecendo nossa inteligência e nossas limitações, nossas habilidades e nossas inépcias, conheceremos – e isso nos fará pasmos –, a nossa insignificância e a nossa indignidade perante Deus: eis o mais útil de todos os conhecimentos que poderemos adquirir; e, de fato, para o nosso crescimento espiritual acontecer, tudo depende disso. Esta é, para nós, a arte das artes, a ciência das ciências, bem mais importante do que a ciência do bem e do mal, que tão violentamente tentou Adão e Eva.

Saber que somos pequenos, e o quão pequenos somos, e sabê-lo não apenas intelectualmente, não como algo que se aceita e se reconhece como verdade apenas externamente, por um confissão mecânica, como quem recita o Credo sem pensar naquilo que está professando que crê; pois qualquer um poderia apenas dizer, de modo artificial: “Sou nada diante de Deus; sou indigno; tenho sido infiel e pecador; sem Deus nada posso fazer…”, etc., e essa pessoa estaria dizendo coisas verdadeiras, cujo reconhecimento é de importância fundamental para o crescimento interior.

Ora que uma pessoa diga algo de bom e de justo, algo necessário para a salvação da sua alma, por adesão ao Evangelho, por obediência, por desejo de cumprir a Vontade de Deus e de lhe prestar obediência, isso é sempre uma coisa boa, que fará bem de todo modo: tal gesto poderá até significar a diferença entre a perdição e a vida eterna para alguém. Mas não é disso que estamos tratando aqui. Estamos tratando de realmente compreender, de verdadeiramente saber o quão insignificantes somos diante de Deus. O quanto e em que medida somos dependentes da sua Graça, da sua Misericórdia, do seu Amor gratuito e do seu perdão sem limites, para que possamos viver uma vida digna, uma vida que valha a pena ser vivida. Uma vida plena ou “abundante”, como disse Nosso Senhor e Salvador[1].

A esse respeito falou Santa Teresa de Jesus com maestria:

– Oh, e como é absolutamente necessário o conhecimento de si mesmo! Vejam se me entendem. Por mais que a alma tenha se elevado (…), não lhe cumpre fazer outra coisa senão buscar conhecer-se a si mesma. Nem poderia deixar de fazê-lo, se quisesse, porque a humildade sempre fabrica o seu mel, como a abelha na colmeia. Sem isso, está tudo perdido. Tal é a abelha, que não deixa de sair para colher o néctar das flores, assim é a alma, no que se refere ao conhecimento de si mesma. Creiam-me que ela deve voar algumas vezes para refletir sobre a glória e majestade de Deus. Desse modo, reconhecerá a sua pequenez mais facilmente do que se ficasse o tempo todo olhando para si mesma.
(…) É grande misericórdia de Deus que a alma comece a se exercitar nisso, pois tanto se peca por falta como por excesso. E creiam-me que, com a virtude de Deus, poderemos adquirir virtudes maiores do que se ficarmos muito presas a esta Terra. Não sei se expliquei bem. O conhecimento de si mesmo é tão importante que não queria que vocês se descuidassem dele, por mais adiantadas que estejam no caminho dos Céus. Enquanto permanecemos neste mundo, nada importa mais que a humildade.[2]


Humildade. Conhecer-se a si mesmo confere humildade. Este é o grande fruto da contemplação da alma sobre si mesma. E a humildade, dentre todas as virtudes, figura entre as maiores.

O autoconhecimento não é importante para nós pelas razões que nos apresentam essas centenas de autores de tantos bestsellers relacionados ao tema que temos agora, e os terapeutas, psicólogos, celebridades e coachings de toda espécie que nos apresentam a necessidade do homem atual de conhecer-se, para obter domínio sobre suas emoções e sentimentos – o que é uma tolice, pois o mero conhecimento de si não trará o equilíbrio interior que tanto se busca. Para que serve, então, o autoconhecimento? O que realmente buscamos quando nos movemos em direção a nós mesmos, pelo uso dos exercícios respiratórios que são a última descoberta da neurociência ou a técnica de meditação da moda?

O homem quer conhecer-se, quer dominar-se a si mesmo em busca da harmonia interior. Mas não consegue. Só o que vê são falsos gurus que se dizem “iluminados” e aptos a ensinar ao restante da humanidade os grandes segredos que só a eles foram revelados. E nós, cristãos? Por que devemos nos ocupar com essa questão?

Como vimos, Santa Teresa de Jesus (ou de Ávila), esta imensa Doutora e Mística da Igreja, lançou para nós uma luz definitiva sobre a importância de conhecer-se. Ensinou que conhecer-nos só é tão importante porque, quando realmente nos conhecemos, vemos quão pequenos e incapazes somos, e quanto dependemos de Deus para tudo. E se estamos bem com Deus, então tudo está bem conosco, ainda que as mais pavorosas adversidades nos cerquem. Se não estamos bem com Ele, nada está bem conosco, ainda que esteja aos nossos pés e à nossa disposição tudo o que o mundo pode oferecer de melhor: os maiores luxos, os mais deleitosos prazeres, as mais vistosas pompas e honras possíveis nesta vida. Porque Ele, e somente Ele, pode nos dar a verdadeira paz.

Humildade. Conhecer-se a si mesmo confere humildade. Este é o grande fruto da contemplação da alma sobre si mesma. E a humildade, dentre todas as virtudes, figura entre as maiores.

São João Crisóstomo, explanando sobre a passagem do Evangelho que fala do orgulho do fariseu e da humildade do publicano, disse:

– Se a humildade, mesmo que misturada com o pecado, tem tanta força que sobrepuja a justiça, se estiver acompanhada do orgulho, até onde não iria, junta com a justiça? Iria assentar–se no Tribunal de Deus, no meio dos Anjos.[3]



Santo Agostinho disse: “Planejas construir um edifício de grande altura? Pensa primeiro em alicerçá-lo na humildade”[4]. A humildade faz merecer o maior dos prêmios, pois assim disse Nosso Senhor: “Quem se humilha, será exaltado” (Lc 18,14). Toda a vida do Cristo na Terra, desde o fato de, sendo Deus, ter-se revestido da fraca carne humana, foi uma escola de humildade impossível de ser igualada. E o próprio Salvador nos exortou a imitá-lo em humildade: “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).

Santo Tomás de Aquino disse:

– Ora, as virtudes são verdadeiramente infundidas por Deus. Por onde, o que é primário na aquisição delas, pode ser entendido em duplo sentido. – Primeiro como o que remove os obstáculos. E então o primeiro lugar é o da humildade, pois expulsa a soberba, a que Deus resiste, e nos torna submissos e sempre dispostos a receber o auxilio da graça, por eliminar a inflação da soberba. Por isso, diz a Escritura: Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes.[5]


Sabendo, assim, da importância fundamental da humildade para a vida interior, resta saber também – e muitíssimo bem –, o que é ou em que consiste a virtude da humildade, e, mais além, como ser verdadeiramente humilde. É o que veremos na sequência.

Notas:

[1] “Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a Porta das ovelhas. Todos quantos vieram [antes de Mim] foram ladrões e salteadores, mas as [minhas] ovelhas não os ouviram. Eu sou a Porta. Se alguém entrar por Mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagens. O ladrão não vem senão para furtar, matar e destruir. Eu vim para que as ovelhas tenham vida, e para que a tenham em abundância.” (Jo 10,7-10)

[2] ÁVILA. Teresa de. O Castelo Interior, tradução de de Antônio Carlos de Souza, Curitiba: VSFortes, 2016, pp. 22s.

[3] Eclogae ex Diversis Homiliis, hom.7: MG 63, 615 A.

[4] Serm. 69, al.10, Sermonis de Verbis Domini, c.1, n.2: ML 38, 441.

[5] Santo Tomás conclui o Art. 5 da Questão 161 da Secunda Secundae de sua Suma Teológica fazendo coro com São Paulo Apóstolo, dizendo que a Caridade tem preferência sobre todas as virtudes, mas ressalta: “Assim que a humildade é uma como disposição que nos aproxima dos bens espirituais e divinos. Como, pois, a perfeição se fortifica pela disposição, assim também a caridade e as outras virtudes, que nos movem diretamente para Deus, tornam–se mais fortes pela humildade”.

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