Conhecer-se a si mesmo. Com base na direção espiritual do Padre F. W. Faber, C.O.
Vimos na aula anterior que o conhecimento do nosso próprio estado espiritual pode ser árduo e até arriscado. Isso porque, por um lado, pode causar sofrimento e desânimo saber o quanto estamos atrasados, e por outro pode provocar uma espécie de orgulho espiritual o saber que estamos indo razoavelmente bem. Por outro lado, é importante que tenhamos uma noção no tocante à condição da vida espiritual em que atualmente nos encontramos, porque essa consciência nos levará a adquirir a verdadeira humildade cristã. Sendo assim, o menor conhecimento que nos possa acalmar e edificar já será o bastante, porque é muito difícil procurar esse saber com retidão, e usá-lo com moderação. Não podemos, porém, dispensá-lo de todo, ainda que sua importância varie segundo a condição de cada indivíduo.
– Manual prático para a vida interior, Lição I –
Desenvolver e cultivar a virtude da Humildade
A humildade para nós se constitui exatamente nessa mais perfeita consciência – que evolui conforme nossas capacidades vão se aprimorando pela prática diária e constante –, da nossa condição decaída, das nossas capacidades limitadas e das nossas inclinações para o pecado e para os vícios. Sim, somos fracos; sim, somos todos escravos[1] de muitas grandes e pequenas coisas e também, muitas vezes, de outras pessoas, e somos escravos do dinheiro e de um sistema social que não escolhemos; sim, somos dependentes de muitas coisas alheias a nós mesmos; sim, somos incapazes, pelas nossas próprias forças, de alcançar uma evolução espiritual realmente importante. Mas aqui cabe abrir parênteses para esclarecer que a consciência de toda essa miséria não nos deve entristecer ou fazer surgir o desânimo. Ao contrário, devemos nos animar por saber que – justamente quando aceitarmos profundamente a nossa condição miserável –, teremos então encontrado e tomado o precioso antídoto que fará mudar tudo. Que nos levará da condição de vermes rastejantes para a glória luminosa de homens e mulheres dignos, belos e fortes, cheios de esperança e de uma alegria que nunca cessa. Não é esta a descrição dos nossos grandes Santos? E como foi que eles chegaram onde chegaram, a não ser começando pela mais extrema humildade?
Há também aqueles que querem fazer da humildade necessária aos cristãos um caminho de radicalismo que em muitos casos não convém e que não é para todos. Ora nem a todos nós cabe uma opção radical como aquelas que foram feitas por almas imensas como São Francisco de Assis ou São Bento de Núrsia.
Assumir o caminho da santidade e dedicar-se ao crescimento interior/espiritual não significa que teremos que abrir mão de uma carreira, vestir trapos e dormir sobre o chão duro. Nem que será preciso viver uma vida só de abstinências e renúncias. Cada um de nós recebe do Alto uma missão, e com essa missão vem junto um dom ou um carisma, com as capacidades que nos serão necessárias para realizá-la. Só precisamos de vontade e de coragem. Isso não está necessariamente ligado à pobreza extrema ou a uma vida só de dores e sofrimentos. Tivemos muitos grandes santos que foram pessoas financeiramente ricas, a começar por São José de Arimateia, homem abastado e ilustre, bem posicionado socialmente, membro do Sinédrio, a mais elevada magistratura do povo hebraico na época. Pois foi este um destacado seguidor e amigo intimo do próprio Jesus Cristo. Por seu poder e influência, o Corpo Santo de Nosso Senhor foi dignamente sepultado, e não lançado em cova rasa como se fazia com os criminosos naquele tempo e lugar. Vemos então que Deus sabe usar de cada um que se coloque docilmente à disposição dos seus desígnios e que o ame sobre todas as coisas, e aqui está a resposta: aquele que ama mais ao dinheiro e àquilo que ele pode comprar do que a Deus, este é culpado de idolatria. Mas aquele que ama a Deus e é rico não peca. Antes, usará de sua condição para fazer o bem e saberá mortificar-se, abstendo-se das tentações que certamente sofrerá em maior medida do que as pessoas mais pobres.
Conhecer assim profundamente a verdade inescapável da nossa miséria e da nossa pequenez, sabendo que isso vem junto com a nossa própria finitude e a brevidade de nossas vidas, e manter essa consciência constantemente em mente, é o melhor caminho para a verdadeira humildade cristã, que nos fará lucrar muito espiritualmente e será a solução para muitos males da alma. Existem técnicas de meditação perfeitamente cristãs que nos levam ao autoconhecimento e consequentemente à humildade, mas isto será assunto para um estudo futuro. Todavia, já a partir deste módulo/fascículo, começaremos a realmente praticar o que estudamos, através de técnicas ortodoxas e seguras.
O pecado capital do orgulho
Assim, quando sei o quão pequeno, incapaz e recorrentemente infiel a Deus eu sou ou sempre tendo a ser, tanto mais humilde me torno. Quanto mais me conscientizo da minha total dependência do poder de Deus e da divina Providência para atingir qualquer resultado e, bem antes disso, até para continuar existindo saudável e capaz de apreender qualquer coisa, mais e mais aumenta a minha humildade. Pois é difícil imaginar pecado que não tenha a sua origem no maldito orgulho. O orgulho ou soberba é um pecado capital universal, também por ser natural para todos nós, herdeiros do Pecado original, e que cresce em nossos corações como a erva daninha que insiste em crescer num jardim, por mais bem cuidado que seja.
Na imaginação popular, os gatos têm sete (ou nove) vidas. Mas o pecado capital do orgulho tem milhões de vidas, ou vidas infinitas. Parece impossível matá-lo, exterminá-lo, acabar de uma vez com ele. Mesmo quando tentamos muito vencê-lo, sermos humildes e cultivar a modéstia em nossas vidas, ele volta a brotar, às vezes até mesmo daquilo que deveria destruí-lo, pois a grande contradição é esta: muitos sentem orgulho ou se ensoberbecem pela própria simplicidade(!). Gloriam-se por não ter vaidade ou por viver de um jeito simples, mas acusam àqueles que possuem valores diferentes dos seus de serem orgulhosos. O orgulho é geralmente um pecado inconsciente. Assim é que, muitas vezes, os mais orgulhosos são aqueles que pensam que não têm orgulho nenhum: gloriar-se da própria humildade é tomar um banho de orgulho.
Por instalar-se sem ser notado, é tão perigoso. Insistentemente, Nosso Senhor nos adverte nos Evangelhos: não devemos julgar o outro; ainda que este conselho divino tenha sido muitíssimo deturpado e usado como desculpa para a licenciosidade, não há dúvida de que esta é, sim, uma grande demonstração da verdadeira humildade. A simplicidade leva as pessoas a se respeitarem umas às outras, pois quem é realmente simples e humilde não julga seu próximo, sabendo que é também ele próprio pecador, logo não procura controlá-lo e nem presta atenção demasiada aos detalhes que não dizem respeito à sua própria vida. O orgulho foi o primeiro pecado cometido pelos seres humanos; tem sua origem na antiga Serpente, representação do mal e da mentira, que o transmitiu à Eva, mãe da raça humana pecadora.
“Bem aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.(…) Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus.” (Mt 5, 5.11.18)
São muitíssimas as passagens das Sagradas Escrituras que enfatizam a importância e santidade da humildade e da simplicidade, mas também há abundantes indicações de como evitá-lo, como veremos agora.
A maneira de vencer o orgulho, evidentemente, é cultivar a humildade (ao falar das virtudes, voltamos sempre a ela). Vimos que cultivar a humildade é uma prática espiritual de vital importância, a qual conduzirá a uma imensa evolução no crescimento interior de todo cristão. Conhecer o sentido da humildade já é o primeiro passo para começar a adquiri-la verdadeiramente e vencer o orgulho. Humildade é a qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre o outro. É saber que, para que um seja feliz, o outro não precisa sucumbir, ao contrário – e viver segundo esta convicção. A plenitude nunca será possível enquanto houver um irmão sofrendo, seja logo ao lado ou num país distante. Portanto, não será possível antes do retorno de Nosso Senhor e a restauração total que Ele trará.
O vocábulo “humildade” vem do Latim “humus”, que significa “terra, solo; chão”. Sendo humildade a virtude que nos dá a consciência exata de nossa pequenez, fraqueza e modéstia diante de Deus Todo-Bom e Todo-Poderoso, vem daí o costume antigo de prostrar-se por terra diante da Glória e da Perfeição divinas. O ser humilde nos concede um sentimento de reverência e de imenso respeito por Deus, e isso necessariamente se estende ao mundo que nos cerca, à natureza e principalmente ao nosso próximo, pois também são obras do mesmo Deus.
Ser humilde é ser também mais humano, pois é ser consciente da própria condição humana, por um lado privilegiada e especialíssima, por outro frágil e pequenina, se comparada à enormidade da Criação e ao Infinito da Majestade divina.
Ser humilde é, por fim, ser parecido com o Bem Amado Jesus, que além de Deus e Salvador, foi o maior Mestre que pisou a face da Terra. Mesmo assim, sua vida neste mundo refletiu humildade infinita do começo ao fim, em cada atitude sua. O Rei dos reis viveu uma vida simplérrima desde o nascimento, pôs-se de joelhos para lavar os pés aos discípulos (você faria algo parecido?) e se entregou à tortura e à horrenda morte de cruz, o mais humilhante castigo daquele tempo.
Você consegue imaginar o Rei da Glória, o Príncipe da Paz, o Leão de Judá, o Filho de Deus eterno e Todo-Poderoso, sendo Deus Ele mesmo, submetendo-se aos soldados romanos, levando cusparadas, apanhando, recebendo chutes, socos, sem reclamar? Sendo chicoteado e coroado com espinhos, depois exposto ao público, para ser escarnecido, blasfemado… E suportando tudo isso, mudo como um cordeiro?
Eis é a maior das maiores provas de humildade que já existiu, e só poderia ter partido de Jesus, o maior de todos os exemplos que temos para entender que o orgulho, além de pecado gravíssimo, é enorme estupidez. Lembre-se, porém: a prática da humildade, que vence o pecado capital do orgulho, se dá de si para si mesmo, na observância da própria insignificância e no reconhecimento das próprias incapacidades e imperfeições. Não é você que deve julgar o orgulho ou a humildade do seu próximo, e sim somente Deus. Conscientizar-se disso já é um começo.
Nota:
[1] Pois “cada um é escravo daquilo que o domina”, conforme ensinam as Escrituras (2Pedro 2,19s). Sejamos, então, servos d’Aquele que é o único que pode nos dar a perfeita liberdade e a vida eterna, e que por amor se doa pelo nosso bem.
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