Módulo 3: Dogmática 1 | A aceitação da Fé



Vimos no módulo anterior que Deus falou à humanidade por meio da Revelação, curvando-se à nossa baixeza por amor de nós e oferecendo-nos, assim, um caminho seguro para a salvação. Diante dessa fala de Deus ao homem, qual será a nossa resposta? Recusar? Protelar? Tais seriam atitudes de suma injúria (porque injúria contra Deus) e suma loucura. Ou deveríamos buscar o discurso lógico, arquitetar raciocínios, tentar “provar” o que foi dito, assim como se faz nas ciências exatas? Também não. Cabe-nos apenas ouvir, pois “a Fé provém d[o ouvir]a pregação, e a pregação pela Palavra de Cristo” (Rm 10, 17). E, tendo ouvido, aceitar filialmente, dizer “sim” ao Deus que se digna comunicar a nós a sua Verdade.

    A Fé, enquanto tal, não discorre nem argumenta: é um ato simples e direto de aceitação, de aquiescência. Nem basta aceitar como mera opinião, como conjectura; é necessário aceitar como afirmação da Verdade, com certeza absoluta. Ter Fé não consiste, por exemplo, em conceber somente a Trindade, ou exclusivamente a Encarnação, mas antes em afirmar categoricamente, na dimensão objetiva, nesse caso, que Deus é Uno e Trino e que o Verbo de fato se fez carne. Tudo isso é certo como em matemática é certo que 2+2=4 ou como a própria existência, aqui e agora mesmo, destas letras escritas. A diferença consiste em que, no caso dos fatos matemáticos, estes são frutos da evidência racional; no caso da constatação das palavras escritas, pela visão, trata-se de evidência experimental – ambas são conquistas nossas – enquanto no caso da Fé, a evidência é substituída pela palavra de uma Testemunha – e essa Testemunha é Deus. Logo, não podemos inventar “verdades” religiosas, senão apenas aceitá-las.

    Por isso, em vez de uma ciência filha da observação e da demonstração, temos a Fé: o assentimento firme a uma afirmação em virtude da absoluta idoneidade de Quem afirma. Assim como a criança crê na palavra dos pais e o bom discípulo no ensinamento do mestre, de modo semelhante temos a Fé no que Deus nos ensina. Sem dúvida, o testemunho humano é em si falível, mas a verdadeira Religião funda-se sobre o testemunho da mesma infalibilidade: a Verdade absoluta.

    Ao cientista e ao filósofo que estranham a nossa docilidade de crentes, a nossa aceitação incondicional de realidades que não vemos nem demonstramos empiricamente, respondemos que nada há mais razoável, porque, sobre qualquer outra, a Palavra de Deus é digna de ser crida: “Se aceitamos o testemunho de homens, o Testemunho de Deus é maior” (1Jo 5, 9).

    Padre Penido, autor da obra sobre a qual se baseia esta etapa inicial de nossa formação, com essas simples conclusões encerra a questão sobre a justificação primordial da Fé. Todavia, sabemos bem que sete décadas se passaram desde a sua escrita, e embora a Sã Doutrina seja imutável, o pensamento do homem transformou-se radicalmente desde então. Dificilmente bastará dizer ao cristão de hoje que as sagradas Escrituras, a santa Tradição e o sagrado Magistério devem ser cridos e obedecidos, simplesmente, porque provém de Deus, ou porque Quem os autentica é Deus.

    A Fé continua sendo um dom do Alto, isso jamais mudará. Para quem a possui, nenhuma prova é necessária, e para quem não a tem, nenhuma prova será possível ou suficiente, como tão inspiradamente sentenciou Chase[1], sintetizando o pensamento de Santo Tomás de Aquino. Chegamos aqui a um grande mistério da Religião, sobre o qual, em um curso de Teologia que contemporaneamente se justifique, será preciso aprofundar mais e melhor.

    Gratuitamente é que fostes salvos mediante a Fé”, ensinou o Apóstolo: “Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus” (Ef 2,8).

    Sim, os racionalistas/materialistas estranham, como sempre estranharam e continuarão estranhando, enquanto houver mundo, o fato de crermos e aceitarmos os dados da Revelação sem questionamento, aderindo ao chamado de Deus como se no interior de nossas caixas cranianas não houvessem cérebros. Ora acabamos de ver que o cristão não crê porque as verdades reveladas lhe apareçam inteligíveis à luz natural de sua razão, mas pela Autoridade do próprio Deus que a revela – pois Deus não se engana e nem poderia nos enganar[2]. Todavia essa explicação não aplaca a questão às mentes dos não cristãos, já que não podemos ver nem ouvir Deus a nos atestar as coisas verdadeiras e a diferenciá-las das falsidades.

    Assim, para que o nosso passo de Fé fosse conforme a razão, Deus concedeu-nos “que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados de provas exteriores da sua Revelação”[3]. Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo fez milagres, e n’Ele também muitos dos seus Santos, e por isso tivemos e temos as profecias, os místicos, os sinais, a propagação e a preservação da Igreja pelos séculos, bem como a sua fecundidade e estabilidade, superando todos os obstáculos – humanamente intransponíveis – que foram se colocando no seu caminho no correr da História, como a perseguição de grandes impérios e tiranos poderosos. Estes e outros “são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos”.

    As aparições de Nossa Senhora e de grandes Santos confirmadas pela Igreja, os Milagres Eucarísticos, a Fé dos simples que não esmorece e nem se apaga mesmo contra todas as tentativas de tantas heresias e ideologias contrárias, isso desde a sua origem: temos aí sólidos motivos e confirmações de credibilidade, os quais demonstram que o assentimento da Fé não é, “de modo algum, um movimento cego do espírito”.


_________
[1] CHASE, Stuart. Economista, autor e pensador norte-americano (1888 – 1985): “For those who believe, no proof is necessary. For those who don’t believe, no proof is possible”, apud LEATHERS, Helen; CAMPKIN, Diane. Help! I Think I Might Be Psychic, London: Spreading the Magic, 2008, p.68.
[2] Concílio Vaticano I, Const. dogm. Dei Filius. c.3: DS 3008.
[3] Ibidem, DS 3009.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem, DS 3010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, identifique-se com seu nome ou um apelido (nickname) ao deixar sua mensagem. Na caixa "Comentar como", logo abaixo da caixa de comentários, você pode usar a opção "Nome/URL".

** Seu comentário poderá ser publicado em forma de post, a critério dos autores do blog Fiel Católico.

*** Comentários que contenham ataques e/ou ofensas pessoais não serão publicados.

Subir