Módulo 5: Ascética e Mística 2 | Sinais de progresso


Indicaremos aqui, segundo nossa direção espiritual, cinco sinais de progresso. Se o estudante tiver ao menos um destes, tem razão para se animar; se tiver dois, tanto melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo! E se todos os cinco, pode se alegrar sumamente. Vejamos, então (nesta aula trataremos de dois destes sinais, deixando-os para a sua meditação profunda; os três seguintes virão explicados no módulo da sequência desta disciplina), quais são:


    1. Você está descontente com o seu estado atual, qualquer que seja, e realmente deseja, do fundo da sua alma, algo de melhor e de mais elevado para a sua vida? Sente-se frustrado e sonha com um tempo em que a sua espiritualidade progrida, elevando-o a um novo e melhor estágio?

    Se a resposta para essas primeiras perguntas for “sim”, então você tem razão para dar sinceras graças a Deus, porque esse descontentamento é um dos seus melhores dons, é um sinal do Céu evidente, de que realmente está progredindo na vida espiritual. Mas devemos nos lembrar que esse descontentamento deve ser de natureza a aumentar a humildade, e não a causar uma inquietação de espírito ou um desassossego que atrapalhe os seus exercícios espirituais. Deve consistir num desejo, uma santa impaciência de se adiantar na santidade, mas deve vir acompanhado de profunda gratidão pelas graças já recebidas e uma grande confiança nas futuras, e de um sentimento de viva indignação porque o número total das graças que você recebeu e tem recebido todos os dias é muito maior que aquelas às quais você corresponde com fidelidade e bons frutos.

    Mas, se você nem sequer para para pensar nessas coisas, se simplesmente não se preocupa com o seu estado de alma e vive sua vida despreocupadamente, empregando todas as suas energias simplesmente nos seus afazeres cotidianos, então há motivo para preocupação: se você acha que tudo está bem como está e se não pensa em progredir para achegar-se mais perto de Deus, algo está profundamente errado.


    2. É sinal de progresso estarmos sempre a tentar novos esforços, com ganhos reais em santidade.

    O grande Santo Antônio fazia a perfeição consistir nisso. Mas para as pessoas que confundem esses novos esforços na vida devota com o incessante levantar-se e tornar a recair dos pecadores habituais, vem o desânimo. Não devemos confundir esses esforços contínuos e sempre novos com a inconstância que tantas vezes leva à dissipação e nos retém no caminho do Céu.

    Esses esforços sempre novos visam coisa mais alta e, portanto, mais difícil, enquanto a inconstância está cansada do jugo e procura conforto e variedade. Nem tão pouco consistem esses esforços em mudar de livros espirituais, de penitências ou métodos de oração, muito menos de diretores espirituais. Consistem principalmente em duas coisas: primeiro, em renovar a intenção de querer a maior glória de Deus; e, segundo, em reanimar o próprio fervor. A seguir, na parte prática deste mesmo fascículo, trataremos com detalhes sobre estes pontos.

Módulo 5: Ascética e Mística 1 | Seu caminho e seus estágios (cont.)


Sobre a conversão — continuação


No fascículo anterior, começamos a tratar dos estágios iniciais da verdadeira conversão na vida interior do cristão, e mencionamos os primeiros fervores dessa senda, que costumam vir juntamente com consolações especiais. Depois disso, citamos como essa fase inicial de luzes e de alegrias, quando sentimos as nossas forças redobradas pelo auxílio da Graça, cessa. Depois daquele primeiro momento tão empolgante, vem essa fase da vida espiritual que é penosa e crítica. O desaparecimento do fervor (que era um favor temporário do Céu), deixa-nos submersos em um desagradável sentimento de tibieza: vem uma tendência para a frouxidão, uma fraqueza, uma certa debilidade de ânimo. Falta agora o primeiro ardor, o entusiasmo. Chegou então um momento que fará toda a diferença em nossa vida interior, já que é a partir desse ponto que tantos voltam atrás, sentindo-se enganosamente como se estivessem sendo rejeitados por Deus.


    As almas às quais dirigimos esta formação – ao menos a maioria delas –, já devem ter chegado a tal ponto do percurso espiritual, e talvez agora caminhe custosamente, como que queimada pelo sol e castigada pelo vento da frieza, das tentações do mundo, da ação de Satanás e de seus anjos, que é cada vez mais poderosa sobre o nosso mundo nestes dias de trevas, em que a maior parte dos nossos pastores desleixou do seu dever sagrado. Caminha essa alma sobre pedras e espinhos, desesperada pela escassez das nascentes de água viva, queixosa pela falta de um abrigo quieto e fresco; pensa em parar e desistir da vida de Fé a que se propôs um dia, porque já a julga impossível. Afinal, se agora até os padres dizem que o importante é ser bom e aceitar a cada um do jeito que é, e o Papa ensina que não devemos tentar converter os povos, mas respeitar a cultura de cada um, porque perder tempo com orações, jejuns, penitências e práticas espirituais? Não seria melhor simplesmente se entregar aos prazeres da vida sem receios, já que esta vida é mesmo tão curta?


    Pelo amor que Deus tem por nós, não se entregue ao desânimo, estudante, ou então tudo estará perdido. Ele tarda, sim, mas não falhará, e os seus sinais estão bem diante dos nossos olhos. Quando tudo parecer perdido, “olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima”, disse Ele (Lc 21,28)!


    “Se eu soubesse ao menos que estou avançando”, pensa a alma que sofre: “Se eu pudesse realmente crer que estou fazendo algum progresso, então me esforçaria mais e prosseguiria, vencendo os obstáculos…”. Dois valem mais que um, diz a Escritura; pois então vamos trabalhar juntos durante algum tempo, falando dos nossos obstáculos e dos meios que temos para superá-los.


    A primeira coisa é saber que, se por um lado escolhemos ser santos, isto é, separados do mundo, para Deus, por outro não estamos à altura dos santos canonizados, dos mártires ou dos grandes heróis da Fé. Disso, já sabemos. Não aspiremos à altura dos nossos maiores irmãos do Céu e, portanto, não queiramos tomar para nós as cruzes que eles assumiram, bem como também não dispomos de certos “poderes” especiais que eles tiveram. Apenas para citar alguns exemplos mais conhecidos, quem dentre nós poderia viver como um São Jerônimo, um São Bento de Núrsia, um São Francisco de Assis? Nossas lições e nossos passos, portanto, devem ser sóbrios, seguros e tão humildes quanto realistas.


Em qualquer caso, o mais importante é saber que não devemos, nunca, nem sequer pensar em parar no meio do caminho, e menos ainda em voltar atrás. Aliás, nem mesmo devemos querer olhar para trás, relembrando os maus costumes do nosso passado, se é que nossa conversão foi verdadeira, pois como disse “Alguém”: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62).


    Estamos progredindo? Infelizmente, no caminho para o Céu não há sinalização com placas ou postos de atendimento, ou delimitações claras ao longo do trajeto, pelos quais pudéssemos medir as distâncias; só há areia e o horizonte à nossa frente, o qual, por mais belo que seja, parece que nunca se aproxima.


    Coragem! Indicaremos aqui, segundo nossa direção espiritual, cinco sinais de progresso. Se o estudante tiver ao menos um destes, tem razão para se animar; se tiver dois, tanto melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo! E se todos os cinco, pode se alegrar sumamente.

Módulo 5: História da Igreja | Fundação e primeiros passos


Lançamos, no módulo anterior, um brevíssimo olhar inicial sobre o contexto histórico-político do lugar e do tempo os quais Deus escolheu para viver como homem. Continuaremos agora a apresentar o panorama geral deste cenário em que se deu a atuação do Cristo no mundo, logo após o seu Sacrifício na Cruz, quando seus Apóstolos incansáveis iniciavam a provocar uma agitação social – relativamente discreta, mas orgânica, incessante e crescente –, anunciando uma extraordinária mensagem.


    No princípio da era cristã, havia duas espécies de judeus: os palestinos ou hebreus, e os judeus da diáspora (ou da dispersão). Os primeiros eram os que nunca tinham deixado a Palestina ou a ela tinham regressado logo depois do cativeiro. Essa população, estimada em cerca de um milhão de pessoas (OLIVEIRA, p.14), abrangia três grupos: os judeus propriamente ditos, os galileus, em que havia infiltração de elementos estrangeiros, e os samaritanos, que eram considerados pelos outros como apóstatas e pagãos.


    Os judeus da diáspora, quatro ou cinco vezes mais numerosos, eram os que se tinham fixado no estrangeiro em consequência das diversas perseguições e cativeiros que sofreram ao longo de sua história: dedicavam-se especialmente ao comércio nos portos do Mediterrâneo e formavam colônias nas cidades mais importantes: em Alexandria, Corinto, Atenas, Éfeso e Roma, e até na Península Hispânica. Conservando as tradições nacionais e a fé religiosa, mantinham sinagogas em que se reuniam, e conservavam o costume de ir em peregrinação a Jerusalém, por ocasião das festas da Páscoa e do Pentecostes.


    Os povos da maior parte do mundo civilizado estavam incorporados no vasto Império Romano, que contava cerca de cem milhões de habitantes (OLIVEIRA, p.14). A cidade de Roma vivia em grande opulência, mas era notável a decadência da religião e da moral em todas as províncias do império.


    Os Apóstolos e seus seguidores podiam então ser encontrados nos espaços sagrados dos judeus e/ou pelas ruas estreitas de Jerusalém, a falar da salvação e da consumação das antigas profecias em Jesus, sem grande espalhafato e sem nada neles que os distinguisse das pessoas comuns. Mas o observador mais atento certamente notaria que havia algo de diferente naqueles homens dotados de uma Fé extraordinária, uma Fé viva que se refletia em seus costumes e obras; eram pessoas e cidadãos, homens e mulheres exemplares. Frequentavam o Templo e se reuniam sob o Pórtico de Salomão[1], orando ao nascer do sol e à hora nona, guardando as prescrições rituais e jejuando até duas vezes por semana[2]. Não eram pessoas de relevo social destacado, não pertenciam às classes dirigentes nem aos príncipes dos sacerdotes ou aos anciãos do povo. Apenas algumas poucas personalidades de destaque, como Nicodemos, mantinham relações com estes. Na sua maior parte, eram gente humilde, da plebe, ou seja, eram am ha’aretz[3], daqueles que os escribas instruídos e os ricos saduceus evitavam, com suspeita e desprezo. Muitos destes tinham origem galileia, o que se notava pelo sotaque . Mas vinham também de outras regiões da Palestina, assim como das mais longínquas colônias judaicas em terras de infiéis, do Ponto, do Egito, da Líbia, da Capadócia (cf. At 2 ,9); encontravam-se até entre eles romanos e árabes: uma curiosa diversidade que aparentava desde o início a vocação universalista da Igreja.


    Ainda que nestes primeiros inícios continuassem a participar na sinagoga e em suas cerimônias, tudo tinha para eles um novo significado, na medida em que já não esperavam mais pela vinda do Mashiach (Messias), porque sabiam que Ele já tinha vindo, e já tinha cumprido a Promessa, e já tinha realizado a Nova e Eterna Aliança. Isso, como se pode supor, fazia toda a diferença.


    Reinava entre eles uma grande harmonia. Inicialmente , haviam-se denominado Discípulos, porque tinham tido um Mestre, um Fundador; depois de algum tempo, porém, pareceu-lhes que precisavam de uma expressão mais conveniente para se designarem e à misteriosa comunhão que os mantinha unidos-irmanados; daí em diante, passaram a chamar-se irmãos. Mas não formavam uma seita como tantas outras que havia em Israel. Não exibiam a austeridade exterior dos fariseus, que se mostravam constantemente com seus filactérios enrolados nos braços e atados às frontes, vestidos de luto e aparentando importância, nem perdiam tempo discutindo os muitos preceitos que regulamentavam o descanso do sábado.


    Também não se retiravam do mundo para passar os dias inteiros a rezar, meditar e jejuar, como faziam os essênios que, na solidão do Mar Morto, haviam instalado grupamentos conventuais, renunciando às esposas e, vestidos de linho branco, optavam por um caminho ascético radical.


    Por outro lado, não tinham constituído qualquer sinagoga independente, algo que poderiam fazer segundo a antiga Lei (havendo um mínimo de dez fiéis), como tinham feito muitos grupos judaicos oriundos de colônias distantes. Não procuravam se isolar ou viver uma vida de reclusão; ao contrário, eram acessíveis a todos, e seus líderes eram abertos. Qualquer um podia se unir a este pequeno grupo, bastando demonstrar boa vontade e o humilde desejo de saber sobre a vida e a obra do seu divino Fundador, para aderir à sua Boa Nova.


    Seria impossível enquadrar as pessoas dessa comunidade tão original em alguma das correntes religiosas estabelecidas no mesmo cenário. Mas que laço tão forte seria esse, que mantinha unido e coeso tal grupo, sem aparentemente precisar delimitar barreiras rígidas ao seu redor? A resposta resumia-se numa breve afirmativa que resumia a Fé e, logo, o seu modo de vida todo: “O Messias prometido já veio para o meio de nós; encarnou-se e se deu em Sacrifício pela nossa salvação, vencendo o Pecado e a morte”.

    Hoje é muito difícil captar o sentido impactante que essa Revelação trazia, e os seus efeitos naqueles que eram alcançados por ela. Ora todo judeu estivera esperando pela notícia da vinda do Messias desde que se conhecera por gente. Tal consumação das Escrituras estivera ligada ao dogma nacional da eleição divina, e só fizera ganhar força e importância com o passar dos tempos, com a fé na antiga Promessa feita ao Patriarca Abraão por Deus, e depois reafirmada muitas vezes: a Jacó no sonho de Betel, a Moisés no Sinai, aos Reis pelos Profetas. Até mesmo – e talvez especialmente –, quando a desgraça se abateu sobre o povo eleito, essa viva esperança enchia os corações de consolação e de um poderoso ânimo para enfrentar os sofrimentos cujo sentido não podiam encontrar por suas próprias forças.


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[1] Cf. Jo 10,23 e At 5,12; 3,11.

[2] Enquanto o Senhor Jesus vivia neste mundo, seus discípulos foram censurados por não jejuarem, ao que o Mestre respondeu: “ “Podem porventura jejuar os convidados das núpcias, enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não lhes é possível jejuar. Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão” (Mc 2,19-20). A Igreja primitiva mantinha o costume do jejum bissemanal introduzido pelos fariseus, como se vê pelo monólogo do fariseu no Templo, na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,12).

[3] Este termo tem origem talmúdica. Significa literalmente “povo da terra” e originalmente poderia aludir ao povo de Israel, mas o seu significado mais usual a partir do Talmud denota pessoas que trabalham a terra, ou seja, “camponeses”. A partir daí, tornou-se sinônimo de “gente da terra” com sentido de pessoa vulgar, sem educação; ignorante, inculto, grosseiro. Nos últimos anos, foi reapropriado por alguns eco-judeus para enfatizar a conexão dos judeus com a terra.

(Jewish English Lexicon, verbete Am Ha’aretz. Disp. em: https://jel.jewish-languages.org/words/1467 | acesso em 30/8/2022)

A Semana Santa

Celebrando os últimos dias de Nosso Salvador na terra...


A primeira Semana Santa foi a semana mais importante da vida de Jesus, e é o tempo mais importante da vida cristã: deve ser uma semana de oração e meditação nos eventos da Paixão de Nosso Senhor, e termina coroada com a grande alegria da festa da Ressurreição, a Páscoa.

Toda a paixão de Cristo ocorre em Jerusalém e arredores (aprox. ano 30), durante a semana da Páscoa Judaica (março/abril). Jerusalém estava lotada de peregrinos. Israel se encontrava dominada por Roma. Seu governador era Pôncio Pilatos, e o legislador/sumo-sacerdote era Caifás, com o Conselho dos 70 Anciãos. Na Galiléia, o rei era Herodes. Jesus de Nazaré, que por três anos pregou o Reino de Deus, operou milagres e foi proclamado Filho de Deus, crescia em popularidade, de tal forma que os sacerdotes judaicos viram nele uma ameaça à sua autoridade. A ressurreição de Lázaro fez com que muitas pessoas acreditassem em Jesus: os líderes judeus planejavam matar Lázaro e também Jesus: assim acabariam com o surgimento de uma possível revolta. Mas como estavam sujeitos aos romanos, apenas o imperador de Roma possuía autoridade para condenar alguém à morte. Com a páscoa judaica, surgia a oportunidade. Nessas circunstâncias começava a Semana Santa...



O Domingo de Ramos
Jesus sabe do perigo, mas não se esconde. Manhã de domingo , com os peregrinos chegando a Jerusalém, saiu de Betânia pela estrada principal. Enviou discípulos a buscarem um jumento, para com ele entrar em Jerusalém, como se preparasse uma celebração. Seus seguidores, entusiasmados, mobilizaram uma procissão triunfal! Vitorioso, Nosso Senhor entrou na cidade Santa. Hosana! Grande momento: nosso Cristo proclamou seu Reino! Uma grande exaltação tomou conta da cidade! No fim do dia, Jesus avisou sobre a sua morte: “Ainda um pouco a Luz está entre vocês. Andem enquanto ainda possuem a Luz, pois a escuridão não os alcançará”. Era o crepúsculo da Luz do Mundo.



Quinta-Feira Santa
Dia de preparação para a páscoa judaica. Jesus está em Betânia para a ceia pascal. Se encontra com os discípulos ao anoitecer. Durante a celebração, lava os pés de seus discípulos, numa demonstração de humildade sem igual. Próximo ao final da ceia, Judas, o traidor, se retira. Nosso Senhor, então, instituiu o Santo Sacrifício da Eucaristia em sua memória eterna. Em sua última pregação, deixou seu Mandamento maior: amor incondicional. Indo ao Getsêmani, nos jardins começou a sua agonia.



Sexta-Feira da Paixão
Passava da meia-noite quando Nosso Senhor acordou os três discípulos que o acompanharam ao jardim. Judas e os soldados se aproximavam para prendê-lo: era “a hora das trevas”. Na madrugada foi levado à casa de Anás, para um interrogatório preliminar, onde foi humilhado e agredido. Depois foi levado ao sumo-sacerdote Caifás. Este, com membros do Conselho (Sanhedrin ou Sinédrio), pressionaram Jesus antes do julgamento que estava por vir. Já amanhecia quando todo o Conselho se reuniu em seção extraordinária. Houveram testemunhos falsos e contraditórios.

O sumo-sacerdote então perguntou a Jesus se ele era o Messias, o Filho de Deus. Nosso Senhor respondeu: “Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do céu...” - Todos gritaram que isto era blasfêmia, e que por isso ele merecia a morte. Terminou o julgamento religioso. Durante todas essas audiências, e no intervalo entre elas, Nosso Senhor foi insultado e agredido pelos guardas. Pedro o negou e se arrependeu. Judas, após ouvir a sentença de morte, suicidou-se. Por volta das 7 da manhã, Pôncio Pilatos ouviu as acusações políticas contra Jesus.


Não vendo culpa nele, enviou-o a Herodes, que o mandou de volta vestido num manto de escárnio. Pilatos tentou libertar Jesus, mas foi forçado a libertar Barrabás. Ainda tentou salvar Jesus, enviando-o para ser açoitado, e apresentou-o ao povo, numa tentativa de aplacar sua sede de sangue. Mas eles ainda queriam condenar o Cristo, pedindo a crucifixão. Pilatos então lavou suas mãos, e o entregou para que fosse crucificado. Espancado, massacrado e flagelado, Jesus carregou a sua própria cruz pelo caminho até o Gólgota, e lá, foi pregado a ela, com grossos cravos, e levantado entre dois criminosos. Ainda pedia perdão para seus carrascos. Por volta das três da tarde, entregou seu espírito ao Pai. O corpo foi retirado e colocado num sepulcro cavado na rocha, pertencente a José de Arimatéia.



A Crucificação
Os romanos executavam os criminosos por crucificação (ou crucifixão), um método oriental, muito cruel. A ideia era humilhar e assassinar o condenado em público, da forma mais terrível possível: deveria ser um macabro espetáculo. O condenado era açoitado para aparentar seu sofrimento; atravessava a cidade com o motivo de sua condenação escrito, para todos verem. O local da execução era público: próximo aos portões da cidade ou no monte, como lição para todos. Quando fixado à cruz por pregos e/ou cordas, o condenado era elevado. Os pés deveriam ficar ao nível das cabeças dos transeuntes. Nessas condições aguardava a morte, ouvindo insultos e escárnios. Foi dessa maneira que Jesus foi preso, condenado e executado; - por nossos pecados.
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Módulo 5: Bíblia 5 | Sobre a seleção dos Livros Canônicos

Papiro Crosby-Schøyen Codex, de 1.700 anos de idade, uma das mais antigas cópias manuscritas da Bíblia

Antes de entrar nos esclarecimentos sobre a Inspiração quanto à Doutrina católica, imutável desde sempre e formalizada desde o Concílio Tridentino, cabe esclarecer completamente certos pontos centrais da heresia protestante que muitas vezes lançam dúvidas nas mentes de leigos católicos despreparados quanto ao assunto. Tratam-se das ideias completamente absurdas, as quais defendem que:

Módulo 5: Bíblia 4 | Doutrinas protestantes sobre a Inspiração


Por que entrar neste assunto?
Do que nos interessam e para que nos servem as teorias daqueles que não pertencem à Comunhão da santa Igreja instituída por Cristo? Ora a resposta para essas perguntas é, de fato, muito simples: é que importa saber, ao menos no nível mais essencial, o que eles pensam, para que saibamos responder com precisão quando formos atacados com os seus falsos argumentos – algo que ocorre tão frequentemente. Os protestantes – se é que ainda podemos assim nos referir a todos eles com um único título, como se fosse um só grupo coeso, já que hoje essa denominação abarca uma imensidão de comunidades e seitas, muitas das quais pouca relação ou semelhança mantém entre si, e menos ainda com as ideias iniciais de Lutero –, não têm um sistema propriamente doutrinário, nem se apegam a tal coisa. Historicamente, os princípios que hoje aceitam, amanhã, se for preciso e conveniente, desprezam e rejeitam. Trataremos das divisões mais relevantes para o assunto em pauta neste tópico.


Os Tradicionais, ortodoxos ou históricos — Identificam a Revelação com a Inspiração: toda a Revelação estaria contida nos Livros Sagrados, sua única fonte. A Sagrada Escritura teria sido “ditada” pelo Espírito Santo, sendo que tal ditado se estenderia até às pontuações dos massoretas. O modo de saber se um livro é inspirado se daria pelo testemunho do mesmo Espírito Santo (durante a leitura!) da Sagrada Escritura mesma.


Pietistas e racionalistas — O papel do hagiógrafo não seria meramente passivo. Seriam inspirados os livros que simplesmente suscitam elevação e ajudam nos bons costumes. O elemento humano, que unicamente excita pios sentimentos, deve ser eliminado. Numa sentença: para eles, não é Deus que fala nos livros, mas são os livros que levam a Deus. Aqui, portanto, a razão humana vai servir como árbitra da Fé.


Deístas — Negam qualquer influxo providencial de Deus sobre os homens. Assim a Revelação não passaria de um fenômeno natural. Tal ideologia influi sobremaneira na doutrina dos racionalistas.

Semirracionalistas — Negam a ideia de Inspiração e invertem o sentido das palavras, ensinando que o Espírito Santo seria apenas o “sentir da comunidade cristã”, fonte de toda ideia religiosa. Portanto, todo o livro que exprime tal sentir pode ser considerado “inspirado”. A autoridade da Escritura residiria simplesmente na sua relação com o sentimento religioso.


Protestantismo hodierno — Abandonando quase toda a teoria mais tradicional, estes consideram como mais importante que tudo a Revelação, de tal sorte que esta tomaria o lugar da Inspiração (que também atua nos rumos da Igreja). Inspirados são os livros que atestam o fato da Revelação divina. Creem em uma “autoridade” própria da Bíblia sobre qualquer outro elemento, como a Tradição apostólica e a Doutrina do sagrado Magistério, porque para eles a Fé não se relaciona com o intelecto, transparecendo apenas no modo prático de se viver, moral e religiosamente. Tal modo de viver seria auxiliado direta e exclusivamente pelo uso das Escrituras.


As Escrituras, de algum modo, inspirariam por elas mesmas no leitor o Espírito de Deus(!).


Modernismo — Os modernistas ensinam que a Inspiração não passa de uma agitação, um fervor como o entusiasmo do poeta ao escrever belas letras. Este é o grande mal dos nossos tempos, que desgraçadamente assola também (e mais intensamente) a Igreja Católica. Usando do termo católico, adulteram-no, negando a verdadeira Inspiração. Foram condenados no decreto Lamentabili, do gigante e santo Papa Pio X (de 3 de julho de 1907), no qual sentenciou dogmaticamente:


É para se lamentar profundamente que também entre os católicos se encontrem não poucos escritos que, ultrapassando os limites demarcados pelos santos Padres e pela própria Santa Igreja, a pretexto de mais elevados conhecimentos e em nome de considerações históricas, procuram esse progresso dos dogmas, o que, na realidade, não é senão a sua corruptela. (Introdução)

Módulo 5: Bíblia 3 | Os Doutores escolásticos


        * Continuação do estudo sobre a Inspiração das Sagradas Escrituras

Os da Escola Franciscana de São Boaventura[1] ensinam que Deus é o Autor das Sagradas Escrituras, dotando-as de infalibilidade. Quanto à natureza da Inspiração, é uma instigação e uma orientação divinas, por meio de carismas especiais. Deus agiu como causa imperante nessas pessoas. Por conseguinte, o hagiógrafo, orientado e ajudado por Deus, é a causa exequente do Livro Sagrado; em palavras mais simples, coube a ele a execução da coisa, mas não a sua autoria, ainda que, segundo a Doutrina da Igreja, no cumprimento da tarefa dessa execução, terminou por imprimir à obra, em algum nível, os seus modos próprios, sua cultura e suas capacidades humanas.


    Da Escola Dominicana, Santo Tomás de Aquino não tratou ex professo[2] do problema da Inspiração. Somente quando fala da profecia é que toca na questão. Com efeito, na Suma Teológica (IIa-2ae, questão 171), podemos ler o seguinte sobre a essência da profecia:


A profecia pertence ao conhecimento, isto é, ilustra a inteligência. Não é um hábito, mas sim moção transitória. É um conhecimento obtido pela luz divina e que se pode estender a tudo o que está sob essa mesma luz.

Essa luz divina é essencial no conhecimento profético; todavia o conhecimento do hagiógrafo permanece imperfeito quanto ao âmbito, isto é, o hagiógrafo conhece perfeitamente tais verdades que Deus se dignou revelar, porém não todas as verdades que em Deus existem.[3]


    Na questão 172, Santo Tomás, falando das causas da profecia, diz: “O conhecimento profético não é natural, não exige faculdades ou qualidades naturais e morais, mas somente requer a Revelação divina”[4].


    No problema da inspiração (questão 173), o principal é a luz divina, a qual é necessária para que o homem possa discernir, pela Graça de Deus, as divinas verdades das reveladas coisas que ele naturalmente aprende. Portanto, é preciso distinguir entre a concepção das coisas e o juízo acerca das coisas concebidas. Deste modo a visão profética não tira o uso dos sentidos humanos.


    Deus age como causa principal; o hagiógrafo, porém, como causa instrumental (questão 174).


    Depois de Santo Tomás[5], quanto ao influxo do hagiógrafo no Livro Sagrado, merece especial menção Henrique Gandavense (ou de Gand)[6]. Este influxo não é meramente mecânico, mas instrumental. Em outras palavras, o hagiógrafo não serve como uma espécie de “cavalo de incorporação” usado como mera ferramenta para o cumprimento da Vontade divina, e sim é um instrumento delicado, valorizado e de utilidade mais fina, que em um nível sutil vai participar no processo da produção dos sagrados conteúdos. É, por assim dizer, o agente do efeito daquelas verdades que lhe foram infundidas, as quais deve escrever; por amor e por obediência, assim fará. Outro modo de dizer é que os hagiógrafos são os autores secundários das Escrituras santas, os quais cooperaram na sua produção com sua própria habilidade literária.


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[1] São Boaventura, Opera ed. Ad. Claras Aquas V (1891). 201 e seg.


[2] Isto é, não se debruçou sobre a questão, dedicando-lhe total atenção e energias para bem defini-la.


[3] Apud CHARBEL (2022), p. 33.


[4] Ibidem.


[5] Santo Tomás não tratou de questões que pertencem ao papel da vontade. Eis a razão por que, formalmente, nada disse acerca das relações entre a inspiração e essa faculdade. Todas as interrogações e dúvidas que, ainda hoje, se agitam neste assunto, são precisamente aquelas sobre as quais Santo Tomás não se pronunciou explicitamente.


[6] O leitor interessado poderá inteirar-se da bibliografia sobre Henrique de Gand, em português, consultando a edição de Mediaevalia. Textos e Estudos, n.3 (1993), disponível para download (inglês) neste link: https://ojs.letras.up.pt/index.php/mediaevalia/issue/view/52 [acesso 23/11/2023]

Módulo 5: Bíblia 2 | A Inspiração das Sagradas Escrituras – Histórico


Os Santos Padres


Os Santos Padres sempre distinguiram entre toda obra de estudo e edificação dos cristãos, dentre os diversos livros piedosos extrabíblicos – alguns dos quais chegaram a ser utilizados na Liturgia –, separando os de origem humana daqueles de origem divina. A estes últimos, atribuíam autoridade infalível com relação à Revelação e às verdades sagradas. Deus é o Autor de tais livros[1] e, ainda, os homens que os escreveram -(hagiógrafos), ainda que possam ser chamados “autores sagrados”, foram apenas instrumentos do Espírito Santo[2].


    De fato, os Santos Padres e os autores eclesiásticos clássicos afirmam que os hagiógrafos foram a causa instrumental no que diz respeito à Inspiração, mas isso não significa que o hagiógrafo seja entendido como um objeto meramente mecânico, isto é, que agindo sob o influxo da Inspiração divina, perca o pleno uso das suas faculdades. Este é um falso conceito, proclamado pelos hereges montanistas e já refutado pelos Doutores da Igreja.


    Não há, por outro lado, um sistema estruturado que a Igreja tenha formalmente apresentado como certo aos teólogos quanto aos modos da Inspiração. Ainda assim, podemos encontrar o germe da explicação teórica reconhecida junto dos Santos Padres, onde já se encontram certos elementos fundamentais. Como bons exemplos destas noções, poderíamos citar:


        Orígenes (165-166/254-256) definiu com traços nítidos a obra do Espírito Santo e o papel do hagiógrafo:


O Espírito Santo habita nos hagiógrafos; investe-os, sobremaneira, impele-os a escrever e fala pela boca deles. Por sua vez, os hagiógrafos, ainda que instrumentos nas mãos do Espírito Santo, conservam o pleno uso das suas faculdades (humanas) tão manifesta e claramente iluminadas que os induz a escrever aquilo que compreenderam. A consciência de si mesmos neste ato (de escrever o que compreendem sob o auxílio do Céu) é o critério da verdadeira Inspiração.[3]


    Santo Agostinho (354-430), falando de passagem sobre a questão da cooperação entre Deus, Autor principal, e o hagiógrafo, autor secundário, diz: “Deus usa do hagiógrafo como seu membro ou como seu instrumento, sem excluir, porém, a sua atividade pessoal”[4].


    São Jerônimo adverte sempre, sobretudo nas observações preliminares dos Livros sacros, o trabalho individual e pessoal dos hagiógrafos na sua confecção.


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[1] Santo Agostinho (354-430), Contra Faustum, 15, 1; ML. 42, 301-303.

[2] São Justino (100-10 – 163-7), Apologia Prima (150-155), 36; MG. 6, 386 — Atenágoras, Legatio pro Christianis, 7, MG. 6, 904.

[3] Apud CHARBEL (2022), p. 32.

[4] Ibidem.

Módulo 5: Bíblia 1 | Para ler as Sagradas Escrituras


Encerramos o módulo anterior apreciando a necessidade de termos um método prático para a leitura da Bíblia, e propusemos um plano de leitura sistemática dos Livros sagrados. Agora complementaremos a questão sobre os métodos de leitura com alguns pré-requisitos e observações importantes:


        Constância — a leitura corrente e sem interrupções ante possíveis dificuldades é importante para o estudante que deseja adquirir bons conhecimentos escriturísticos e – tão ou mais importante –, que esses conhecimentos se afixem em sua memória para que possam ser utilizados e citados quando surgirem ocasiões convenientes.


    Meditação — Mais proveitosa será toda leitura se o estudante se propuser a anotar, após cada seção de estudos, a(s) parte(s) que lhe parecer(em) mais importante(s) e, após a leitura, sempre que possível, observar uma pausa de alguns poucos minutos para remoê-la(s), meditando o seu significado.


    Predisposição de ânimo — Quem busca penetrar um livro – qualquer livro, inclusive as obras profanas –, antes de manuseá-lo deve dispor-se convenientemente para tanto. Que se dirá então dos Livros sagrados? É preciso amá-los e colocar-se em silêncio atencioso para lê-los proveitosamente. Isso porque “toda sabedoria vem de Deus”[1]. Como já vimos, uma breve oração ou jaculatória antes e depois da leitura é sumamente desejável.


    Precauções — Aqui entramos num ponto pouco compreendido por pessoas de outras religiões e, ultimamente, até pelos próprios fiéis católicos; algo que o Revmo. Padre Antônio Charbel, autor da obra que nos serve de base nesta disciplina, esclarece com grande propriedade: é que, embora utilíssima, a leitura da Bíblia não é absolutamente necessária para todos os leigos sem exceção. Acrescente-se que ela pode até ser prejudicial em alguns casos, conforme as circunstâncias e a situação da pessoa individualmente considerada. Sempre foi, pois, muito justo que a Igreja definisse e apresentasse restrições a respeito das versões que o leigo comum poderia ler, um cuidado que foi perigosamente abandonado após o catastrófico evento do Vaticano II. Antes disso, as versões autorizadas deviam apresentar a aprovação dos senhores bispos, bem como notas elucidativas das passagens mais difíceis ou obscuras ao fiel.


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[1] Conf. Eclo 1,1.

Módulo 5: Dogmática 2 | A verdadeira Fé é intransigente!


O motivo da Fé nos dá também a chave para entender a intransigência dos verdadeiros crentes sobre as questões de Fé; intransigência que sempre escandalizou os incrédulos e os indiferentes. Se é lícito transigir em matérias opinativas, mas ninguém transige, por exemplo, em relação às verdades matemáticas, com muito mais razão é impossível transigir sobre a Verdade divina. Acusar a Igreja de intransigência é confundir Fé religiosa com opinião religiosa. Uma opinião é, por natureza, sujeita à dúvida e à revisão; só deve mesmo ser aceita sob verificação. Ao contrário, no caso da Fé, sendo certíssima e fundada como está sobre a Palavra de Deus, transigir dela seria pôr em dúvida essa Palavra, logo conceder que Deus pode errar ou mentir.


    Em matemática, vê-se o porquê da verdade, sem dúvida; aqui, não vemos, porém, sabemos que Deus a atesta, e isso tem que bastar. Entre a minha inteligência que não vê, e a Inteligência divina que vê, prefiro esta segunda.


    O dever de lealdade para com a Revelação exige que a recebamos toda, inteira, sem escolhas e sem negociações: é a integridade da Fé. São Jerônimo já apelava para a etimologia a fim de lembrar que heresia significa exatamente “escolha” ou opção (um termo com origem no grego haíresis). O herege escolhe e peneira, do Testemunho integral de Cristo, algumas verdades, e repudia outras; escolhe segundo os devaneios de sua própria mente, dando preferência às suas impressões particulares do que às afirmações de Cristo.


    Como é comum que, quando se discuta sobre Religião, reine, talvez inconscientemente, esse espírito herético da escolha particular. “Eu penso desta forma”… “Com isso eu concordo, mas daquilo eu discordo”… “Eu acho que…”…


    É incontestável que sobre inúmeros pontos da Teologia e da moral, a Igreja deixa aberta aos seus filhos a plena liberdade de reflexão, discussão e decisão. E temos também, por abuso, a posição de muitos fanáticos que procuram impor a todo custo, como dogmas, as suas opiniões religiosas particulares. Já quando uma verdade nos é apresentada pelo Magistério supremo como revelada, não é lícito rejeitá-la ou mesmo pô-la em dúvida, sem fazer injúria à Palavra de Deus.


    Essa aceitação incondicional supõe, é claro, um movimento de confiança total em Deus, pois é por nos fiarmos em sua Verdade e lhe aceitarmos o Testemunho que somos cristãos. Não há motivo, entretanto, para fazer como fez Lutero, isto é, confundir Fé e confiança; muito menos para reduzir, como o mesmo heresiarca, a Fé teologal à esperança de que a Bondade divina não nos imputará os nossos pecados. Crer em Deus implica certamente que temos confiança em sua Palavra, mas a Fé é antes de tudo a aceitação intelectual de uma verdade revelada. Assim, por exemplo, diz São Paulo que “pela Fé reconhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível” (Hb 11,3) e, uns poucos versos após, lemos o texto já citado: “para se achegar a Ele é necessário que se creia primeiro que Ele existe, e que recompensa os que o procuram” (Hb 11,6). Crer na existência de Deus, portanto, não é apenas um ato de confiança, é pura adesão do intelecto.

Módulo 5: Dogmática 1 | Fé pressupõe confiança



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Não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a Palavra de Deus, que de nós ouvistes, e a acolhestes, não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, como Palavra de Deus, que age eficazmente em vós, os fiéis.
(1Ts 2,13)


Essa frase de São Paulo Apóstolo nos ensina da maneira mais simples, objetiva e direta possível, qual é a razão essencial da nossa Fé. Não se fundamenta sobre as infinitas reflexões, argumentações e elucubrações às quais, para justificá-la, poderia o cristão se entregar, por toda a sua vida, sem obter o resultado definitivo de uma certeza empírica. Todas as buscas, investigações e teorias, algumas das quais estivemos analisando até este ponto, apenas auxiliam extrinsecamente a nossa adesão de Fé; se avançarmos mais nesse caminho racional, tais investigações farão com que essa mesma Fé fundamente-se também na razão, mas de modo algum descobrirão evidências “científicas” dos grandes Mistérios divinos; as “provas” que seremos capazes de alcançar serão sempre lógicas[1]; mostram que é razoável crer sem ver, nada mais. Não se tratam de provas no sentido empírico-matemático, como quando provamos a existência da gravidade soltando, de determinada altura, um objeto mais pesado que o ar, ou quando determinamos o resultado de um teorema pelo uso dos cálculos exatos. São provas no sentido de argumentos convincentes e, sim, racionais, que nos permitem chegar a suficiente certeza quanto aos pontos mais fundamentais da Fé.


    Como já vimos, porém, a firme adesão de nossa mente e de nossa vontade à Verdade revelada funda-se intrinsecamente sobre a atestação divina, ou seja, a Autoridade de Deus, que a revela. É a verdade incriada que se nos manifesta. Cremos porque Deus falou, dando-nos a conhecer a realidade supranatural e o nosso destino sobrenatural. Deus é a veracidade mesma, e isso vem antes de tudo, por dom do mesmo Deus.


A Fé é a prova das coisas que se não veem.
(Hb 11, 1)


    Aí está o testemunho das Sagradas Escrituras provando uma vez mais a sua origem divina, pois com um frase resume páginas de tentativas de explicação meramente humanas. Sim, o que está provado não se discute. Mas que prova temos aqui? A Palavra de Deus, cujo valor é definitivo. Por mais sábio que seja, um homem pode enganar-se; por mais verdadeiro, pode em algum momento sucumbir à tentação da mentira. Deus não é assim, e a sua Palavra é sempre firme. Mas como provar que diante da Doutrina da Igreja estamos diante de uma Revelação realmente divina? É a Fé que recebemos como dom do Céu que o atesta. Eis aqui um grande mistério que só se pode aceitar.


    Daí deriva também a infalibilidade da Fé. Se é impossível que Deus se engane e/ou nos engane, estamos – e não podemos deixar de estar –, com a verdade quando aceitamos o Testemunho de Deus. Por mais obscuro que seja para nós o mistério, estamos absolutamente garantidos contra qualquer erro aderindo a essas verdades, tal a Autoridade da Palavra que no-las revela.


    Para uma alma de Fé viva e ardente, torna-se o mundo invisível tão real quanto o visível; mais até! E ao incréu que se espanta com isso, responde essa alma: “Se Nosso Senhor assim afirma, como poderia ser falso?”. Inútil qualquer prova, desnecessária qualquer argumentação além da aceitação.


    Explica-se assim a inabalável certeza com a qual a Igreja prosseguiu desde sempre na pregação da mensagem evangélica; não a abalaram as perseguições dos tiranos, nem os sarcasmos dos sábios deste mundo, nem as grandes crises internas que atravessou no correr dos tempos; ela bem conhece que o seu ensinamento não se funda apenas em autoridades humanas, mas está firmado sobre as palavras de seu Esposo, e que são palavras da vida eterna.


‘Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus’ (disseram os discípulos). E Jesus respondeu: ‘Não vos escolhi Eu a todos?’”
(Jo 6,69-70)


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[1] Já que a Lógica é o ramo da Filosofia que se ocupa das formas do pensamento, como a dedução, a indução, as hipóteses, inferências, etc., e justamente das operações intelectuais que visam à determinação do que é verdadeiro e do que é falso. A palavra significa propriamente o modo coerente de se raciocinar, pelo qual se estabelecem as relações de causa e efeito; refere-se à coerência desse raciocínio, e também o estudo das leis do pensamento que expõe as regras que devem ser observadas na exposição da verdade.

Bibliografia do Módulo 4

 

BIBLIOGRAFIA utilizada neste volume e recomendada*

PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação teológica, vol I: o Mistério da Igreja, 11ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1956.

TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 6ª ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961.

FABER, Frederick William. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2019**.


CHARBEL, Antônio. Introdução Geral e Especial ao Antigo Testamento; Pentateuco e Livros Históricos, São Paulo: Realeza, 2022.

DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.



RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Loyola, 2012, pp. 31-36.

BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro Editora, 2003.

DORSCH, F., HACKER, H. & STAPF, K-H. Dicionário de Psicologia, Petrópolis: Vozes, 2001.

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Módulo 4: Ascética e Mística 2 | Manual prático para a vida interior, Lição II


O poder do silêncio: uma parábola para a prática da vida interior


Apresentaremos agora uma pequena parábola, talvez já sua conhecida, dileto leitor, a qual gostaria de propor que fosse profundamente meditada, porque traz em seu sentido um princípio da vida espiritual que é fundamental para o crescimento interior. Entendido este princípio, todas as práticas de oração, meditação e contemplação serão imensamente facilitadas, ganhando novo sentido e sua direção correta. Segue.


— Há muitos anos, no tempo de nossos avós, certo fazendeiro descobriu que tinha perdido seu relógio de bolso – uma herança de família e um objeto valioso, do tipo que era muito valorizado na época –, no celeiro de sua fazenda, que era um lugar bem grande. Ficou aflito e, depois de muito procurar em vão, resolveu recorrer à ajuda de um grupo de crianças, amiguinhos de seu neto que um dia brincavam pela casa, prometendo uma boa recompensa para quem encontrasse o objeto.


    Por horas a fio, as crianças passaram em revista o celeiro, que além de grande era repleto de velhos objetos por todos os cantos, com muitas frestas pelas paredes e piso, e montes de feno e palha. Nada encontraram, porém.


    Desanimado e já descrente de que sua ideia pudesse dar certo, o fazendeiro estava prestes a desistir, dispensando as crianças, quando um certo menino muito educado e meio diferente dos outros por ser mais quieto, e que até então não participara da busca, pediu-lhe uma chance para tentar achar o relógio, já que todos os outros não haviam conseguido.


    “Por que não?”, raciocinou o fazendeiro; seria uma tentativa a mais, que se não obtivesse êxito, mal não faria. Então, mesmo sem acreditar, autorizou o menino a entrar no celeiro e fazer a sua tentativa.


    As outras crianças ficaram do lado de fora, e riam dele, duvidando que poderia encontrar o relógio, já que todas elas juntas, em maior número, não tinham conseguido.


    O menino fechou-se no celeiro, sozinho. Algum tempo se passou e eis que, de súbito, surge ele de volta, sorrindo, com o relógio em mãos! Todos ficaram espantados, e logo o fazendeiro perguntou-lhe, sem conseguir entender o que tinha acontecido: “Como conseguiu encontrar, se eu que sou adulto já tinha tentado muitas vezes e não consegui, e todas as outras crianças, juntas, também falharam?”. E o menino respondeu: “Eu não fiz nada a não ser ficar sozinho e bem quieto, e me sentei no chão. No meio do silêncio, escutei bem baixinho o tique-taque do relógio, e assim pude me orientar”.


O santo silêncio! Não é preciso complicar a vida interior. Simplesmente colocar-se a sós e em silêncio, humildemente, aos Pés de Nosso Senhor – como Ele mesmo nos ensinou a fazer –, pondo-se em companhia de nossa Mãe do Céu e dos santos Anjos (especialmente o nosso guardião), esta é uma das maiores e mais eficientes práticas de ascese e uma condição indispensável para a vida mística.


    O silêncio, a solidão e a atenção são também condições indispensáveis para a prática de vida interior proposta nesta formação em seu módulo n.2. A alma em paz crê melhor, porque quando em serenidade vê o que os olhos físicos não podem ver. Uma mente em paz é capaz de pensar melhor do que uma mente confusa e agitada. Não deixe de conceder ao menos alguns minutos de silêncio à sua mente, todos os dias, pois somente assim é que se pode ouvir a Voz de Deus, que nos ama e quer salvar, o auxílio poderoso de nossa Mãe do Céu e aquilo que nos sugere o Anjo de nossa guarda, para nos conduzir na direção certa.


    Que você, diletíssimo(a) estudante, por cujas intenções e alma eu rezo constantemente, possa pausar as agitações da sua mente, de tempos em tempos, e apenas silenciar de vez em quando, para ouvir o santo “tique-taque” que vêm do Céu.

Módulo 4: Ascética e Mística 1 | Seu caminho e seus estágios


Sobre a conversão


Quem se converte, quem retorna a Deus e começa uma vida nova, deve assumir como práticas diárias e como parte integrante da sua rotina (tanto quanto o alimentar-se e o vestir-se):


    1) Fazer penitência pelos seus pecados. Há muitas formas de fazê-lo, e muitos católicos ainda se assustam ao ouvir essa palavra. Não se trata aqui, necessariamente, de usar o cilício ou submeter-se a pesados jejuns de dia inteiro, nem sequer de privar-se dos poucos e pequenos prazeres que, muitas vezes, tornam suportável uma vida já difícil. Fazer penitência implica, essencialmente, duas atitudes:


        a) um gesto que se apresenta diante de Deus como “prova” do arrependimento pelas infidelidades e pecados cometidos e do desejo sincero de mudança de vida. Há muitas maneiras válidas e frutuosas de se fazer penitência; apenas rezar o Terço ou uma Ladainha, para alguns, pode servir muito bem; reservar um dia da semana para privar-se do consumo da carne (além das sextas-feiras, em que isso já e obrigatório[1]), ou do café, ou dos doces, ou de uma das refeições do dia, ou ainda empreender uma pequena peregrinação, indo a pé até uma igreja que se localize a alguns quilômetros de distância, para prostrar-se diante do Sacrário, são bons exemplos;


        b) um meio pelo qual se busca o crescimento na vida de Fé, a purificação e o fortalecimento da alma pela mortificação dos sentidos físicos, os quais muitas vezes nos prendem aos velhos vícios que nos afastam de Deus.


    2) Abjurar real, concreta e totalmente das falsidades em que até então acreditava, e abandonar de vez todas as más práticas às quais um dia se entregou. O verdadeiro convertido se reconhece e sente-se realmente como uma outra pessoa para com Deus; essa realidade de vida, que é indissociável da vida cristã, foi divinamente descrita nas belíssimas palavras da Epístola aos Efésios:


Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. Por isso, renunciai à mentira. Fale cada um a seu próximo a verdade, pois somos membros uns dos outros. Mesmo quando estiverdes furiosos, não pequeis. Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento. Não deis lugar ao demônio. Quem era ladrão não torne a roubar, antes, trabalhe seriamente por realizar o bem com as suas próprias mãos, para ter com que socorrer os necessitados. Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que for útil para a edificação, sempre que for possível, e benfazeja aos que ouvem. Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados para o dia da Redenção. Toda amargura, ira, indigna­ção, gritaria e calúnia sejam desterradas do meio de vós, bem como toda malícia. Antes, sede uns com os outros bondosos e compassivos. Perdoai-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou, em Cristo.
(Ef 4 22,32)


    3) Observâncias das boas práticas religiosas, como o tempo diário de oração e as pausas regulares para meditação/contemplação.


    4) Se possível – e isso é algo altamente desejável, mas que pode ser muito difícil em nossos tempos, em muitos casos – pôr-se sob a obediência de um bom diretor espiritual.


    É muito comum que o convertido – e há recém-convertidos também entre aqueles que há anos já “frequentavam” a Igreja, apresentando-se como católicos – experimente intensamente os primeiros fervores de sua conversão, seja amparado sobrenaturalmente em tudo o que se refere ao serviço de Deus, com consolações sensíveis na oração, com uma grande alegria na recepção dos Sacramentos e até com um novo gosto pelas penitências e pela humildade, com uma facilidade para a meditação, e às vezes também por uma cessação – que infelizmente, na maioria dos casos, é parcial –, das tentações. Esses primeiros fervores podem durar semanas ou meses, ou um ano ou mesmo dois, mas, depois disso, essa etapa estará concluída[2].


    Um corresponderá mais fielmente a esses auxílios, outro corresponderá menos, mas importa saber que tais fervores têm suas características próprias, suas peculiaridades: têm um feitio particular e necessitam de uma direção especial. Mas, então, cessam e se colocam fora do nosso alcance, para o desespero de muitos. Iremos encontrá-los de novo no grande dia do Juízo, e não antes. Mas onde nos deixaram eles? No começo de uma fase da vida espiritual, uma época muito penosa e crítica. O mero desaparecimento do fervor, que não foi senão um favor temporário, deixa-nos submersos em um desagradável sentimento de tibieza.


    As características trevosas desse estado nos levam a crer que estamos mais abandonados a nós mesmos do que antes. A Graça parece que nos ajuda menos. O natural volta, quando o fervor que o dominava nos deixa, e vibra com força espantosa. Sentimos que o nosso apoio agora está no brio e na honestidade dos propósitos da vontade; sentimo-nos menos protegidos pelos vários recursos da vida sobrenatural.


    As orações tornam-se mais áridas. O terreno que cavamos é mais duro e pedregoso. O trabalho perde o encanto à medida em que se torna mais penoso. A perfeição nos parece menos fácil e, a penitência, quase insuportável.


    É chegado, então, o momento da coragem; essa é a hora da prova do nosso valor real. Começamos a viajar, por assim dizer, nas regiões centrais da vida espiritual, e estas são, na sua maior parte, regiões áridas, como de deserto. É aqui que tantos voltam atrás, sentindo-se equivocadamente rejeitados por Deus, como Santos em potencial mas que não deram certo, almas de vocações inutilizadas.


    Esteja claro, todavia, que o fazer conhecer essas dificuldades não tem por finalidade desanimar alguém; ao contrário, o que se procura em uma formação como esta é preparar bem as almas as quais, sabendo de antemão as dificuldades que a aguardam, estarão mais prontas e mais aptas a lidar com elas para superá-las. Continuaremos a aprofundar a jornada da vida interior, essa grande aventura da alma que crê, cada vez mais detalhadamente e visando as suas resoluções práticas. Continuemos, pois, juntos.


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[1] O cânon 1251 do Código de Direito Canônico de 1983 dispõe que é obrigatória a “abstinência de carne ou de outro alimento (…) em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades”. Antes disso, o Papa Inocente III (séc. XIII), decretara que é pecado grave consumir carne às sextas e, no século XVII, o Papa Alexandre VII decretou anátema quem dissesse que isso não é pecado grave.

[2] Um rapaz ainda jovem, meu dirigido, confessou-me em certa ocasião que antes de sua conversão havia adquirido um fortíssimo vício no pecaminoso consumo de pornografia e na masturbação. Converteu-se e, logo depois, esse vício que lhe parecia invencível, contra o qual muitas vezes tentara inutilmente lutar, esvaiu-se dele, perdeu sua força, deixou-o, como que por milagre. Ele se viu então desfrutando de uma maravilhosa liberdade, tendo poder sobre seu próprio corpo e seus apetites, de tal modo que teria, antes, considerado impossível. Esse estado privilegiado durou para ele um longo tempo, mais de ano. Depois disso, porém, as velhas tentações retornaram, e a partir daí ele precisou voltar a lutar com todas as suas forças, suplicando constantemente pelo amparo divino, para que não voltasse a se tornar novamente escravo dos mesmos vícios. A partir daí, só com oração e penitência é que podia se manter em estado de graça (N. do E.).

Módulo 4: História da Igreja 2 | Origens judaicas


Entre as classes preponderantes do povo judaico, tinha-se pouco a pouco deformado o conceito messiânico. Para a maioria, o Messias deveria ser um grande líder político-militar e um guerreiro que expulsasse da Terra Santa os gentios impuros, estabelecendo no mundo a hegemonia de Israel, o Povo escolhido.


    Esse nacionalismo estreito e a repugnância em aceitar uma doutrina que contrariava todos esses vícios profundamente enraizados, não tardaram a suscitar contra Jesus e seus seguidores um ódio apaixonado. Recusavam-se a reconhecê-lo por Messias e se declararam seus inimigos. Haviam julgado que já tinham alcançado a vitória completa com a condenação, a humilhação total e a morte desonrosa na Cruz; mas…


    Mas eis que, ao terceiro dia, deu-se o Milagre. A Ressurreição. Jesus reergueu-se do túmulo, glorioso como nunca fora visto no mundo. Ressuscitou vitorioso, venceu a própria morte por sua virtude, e durante quarenta dias mostrou-se – muitas vezes –, aos seus discípulos. Falou com eles sobre o Reino de Deus e a Santa Igreja, e encarregou-os de levar a todos os povos a Doutrina que lhes tinha ensinado. Depois subiu ao Céu, onde será, por toda a eternidade, a alegria da Igreja triunfante.


    Nossos estudos se concentrarão nos dias que vieram logo depois desse Evento que transformou de uma vez para sempre a História da humanidade. Iniciaremos focalizando os nossos olhares sobre o mundo mediterrâneo de meados do século IV, pelo ano 36 ou 37 d.C., quando reinava Tibério, já no final de sua vida[1]. Nesse tempo, ganhava notoriedade uma certa “seita” que se alastrava e crescia entre as colônias judaicas espalhadas pelo Império, atraindo as atenções de cada vez mais pessoas – para o bem e para o mal.


    Era o tempo da pax romana: havia ordem, paz e certa estabilidade social nesse mundo, e essas coisas sempre bem-vindas eram especialmente valorizadas por esses povos que, antes do domínio romano, precisavam constantemente lidar com os horrores de uma sucessão de guerras e conflitos sem fim. Roma havia remodelado as sociedades que conquistara segundo os seus princípios, com mão de ferro, mas com bons resultados; tudo no grande Império parecia sólido e estável.


    Já idoso e próximo do fim de sua vida, Tibério havia-se retirado para a belíssima ilha de Capri, onde vivia seus dias a desfrutar dos prazeres e divertimentos (de banquetes a orgias) que a sua posição lhe permitia, usufruindo das luxuosas residências ali edificadas exclusivamente para o seu conforto. Dali, o devasso Imperador expedia ao Senado suas sentenças de morte para os que considerava inimigos de Roma. E assim a vida parecia transcorrer tranquila, tanto na capital quanto nas províncias, que se mantinham submissas, e havia prosperidade no Império.


    Na Palestina, que era a menor região do Império, também parecia reinar a ordem: aparentemente, nada de extraordinário acontecia aí. Sob a mão pesada de um certo procurador chamado Pôncio Pilatos, a comunidade judaica havia por fim aceitado a tutela romana, prosseguindo sua vida religiosa de ritos rígidos e observâncias formais aos preceitos da Torá, debaixo do rigoroso Sinédrio (Sanhedrim)[2].


    Seria totalmente descabido imaginar que, dentro de tal contexto, uma novidade obscura e humanamente absurda, imediatamente contestada e combatida por romanos e judeus, pudesse abalar estruturalmente os alicerces desse mundo. Que tal novidade haveria de crescer até se erguer aos olhos de todo o Império como a Revelação da Verdade, superior a tudo em que eles criam e tinham como sagrado até então?


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[1] A atividade pública de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo o Evangelho de S. Lucas, iniciou-se no décimo quinto ano do reinado de Tibério, o que corresponde ao ano 28. Sob esse mesmo soberano ocorreu a crucificação. Tibério Cláudio Nero nasceu em Roma aos 16 de novembro de 42 a.C., filho do magistrado Tibério Cláudio Nero e de Lívia Drusila. Com quatro anos de idade, passou a integrar a família imperial, quando sua mãe, grávida de seu irmão, Nero Cláudio Druso, separou-se de seu pai e casou-se com o imperador Augusto. Educado para a carreira militar, fez brilhantes campanhas na Germânia, na Gália e na Armênia, que lhe garantiram apoio popular.

Após regressar a Roma, Tibério casou-se com Vipsânia Agripina, filha do célebre general Marco Agripa, amigo de Augusto. Nessa mesma época, foi nomeado pretor e designado para o comando de campanhas no Ocidente, ao lado de seu irmão Druso. Na volta, em 13 a. C, Tíbério foi designado Cônsul.

Em 12 a.C., após a morte de Marco Agripa, Tibério separa-se de Vipsânia, por ordem do imperador Augusto, e casa-se com a filha deste, Júlia, viúva de Agripa, em seu terceiro casamento. Seis anos depois, Tibério foi designado tribuno, mas diante da vida libertina de sua mulher, e temeroso em denunciá-la a seu pai, decidiu deixar Júlia em Roma e se exilar em Rodes (a ilha-cidade do famoso ‘Colosso de Rodes’).

Enquanto Tibério esteve em Rodes, os filhos de Júlia e netos de Augusto estavam sendo preparados para sucedê-lo. No entanto, a morte de Caio César e Lúcio César, candidatos à sucessão ao trono, obrigou Augusto a reconhecer Tibério como seu único sucessor. Após seu regresso a Roma, Tibério obteve novas vitórias na Germânia e, ao ser adotado por Augusto no ano 4 da era cristã, tornou-se um de seus principais colaboradores e o segundo homem no poder em Roma.

Com a morte de Augusto sem deixar filhos, no ano 14 Tibério foi aprovado pelo Senado, sem escolhas, tornando-se imperador com o nome de “Tibério Júlio César Augusto”. Em seus primeiros anos de governo, regularizou a economia com medidas severas, reduzindo os gastos públicos e uma administração eficiente. Assegurou as fronteiras por meio de uma política conservadora que prescindiu das invasões, consolidou as instituições e reduziu o poder do Senado. Tibério exilou a comunidade judaica e determinou o fim dos duelos de gladiadores. Seu governo foi prejudicado pelo aumento da corrupção e pelo grande número de julgamentos por traição.

No ano 27, temendo ser assassinado, Tibério retirou-se na ilha de Capri, de onde governava por intermédio de Sejano (o terrível ‘Calígula’, filho de Germânico César e Agripina, da dinastia Júlio-Claudiana, foi adotado como filho e sucessor de Tibério). Até o fim de sua vida, Tibério submeteu Roma a um regime de terror, malgrado sua competência política. Faleceu em Miseno, Itália, aos 16 de março de 37, durante uma de suas raras viagens ao continente. (Ref.: FRAZÃO, Dilva. Biografia de Tibério, disp. em: https://tinyurl.com/29w4pc5p | acesse 24/10/2023)


[2] Pôncio Pilatos poderia ter protegido e libertado Nosso Senhor, mas não o fez. Preferiu lavar as mãos e dizer à multidão furiosa: “Sou inocente do sangue deste homem. Isto é lá convosco!” (Mt 27). Ainda assim, é venerado como Santo na igreja ortodoxa (sua festa é no dia 25 de junho). De acordo com a Sociedade de Arqueologia Bíblica, “os primeiros cristãos viam Pilatos de uma maneira muito diferente. Santo Agostinho o saudava como um convertido. Certas igrejas, incluindo as religiões gregas ortodoxas e os coptas, consideravam santos a Pilatos e à sua esposa. Quando ele aparece pela primeira vez na arte cristã, em meados do século IV, é justaposto com Abraão, Daniel e outros grandes crentes”. Eusébio apoia essa afirmação, dizendo que Pilatos se converteu depois de testemunhar muitas maravilhas após a morte de Jesus, inclusive reportando isso a Tibério: segundo o costume dos governantes das províncias de relatar ao Imperador tudo o que de importante acontecia, Pilatos teria informado a Tibério que a Ressurreição de Nosso Senhor fora divulgada por toda a Palestina. Ele também explicou outras maravilhas sobre Jesus, e como depois de sua morte ressuscitou dos mortos, tido por muitos como Deus.

A respeito desse tema – secundário para esta formação, mas interessante –, foram produzidos diversos relatos contraditórios ao longo da História, mas é fato que igrejas orientais (como a copta e a etíope) continuam venerando Pôncio Pilatos e sua esposa. Pilatos não é um Santo canonizado da Igreja Católica, mas importa lembrar que as canonizações oficiais reservadas ao Papa só começaram no século XIII, sendo que até o Grande Cisma de 1054 havia uma única Igreja, e esta era a Igreja Católica de sempre. A esposa de Pilatos teria se convertido logo após a morte de Cristo e até colaborado com São Paulo Apóstolo: a cristã “Cláudia” citada na Epístola a Timóteo seria a própria Cláudia Prócula (algo mais fácil de se crer, já que segundo a Bíblia ela fora avisada em sonhos do terrível erro que o marido estava prestes a cometer, e o advertiu [cf. Mt 27, 19]). Muitos Padres e autores eclesiásticos (Orígenes, Sto. Hilário, S. Jerônimo, Sto. Agostinho, Sto. Ambrósio, S. João Crisóstomo, Eutímio e outros), além de intérpretes como Teofilacto e Maldonado, opinam que o sonho de Cláudia foi enviado por Deus pela mediação de um Anjo: primeiro, para que Cristo tivesse testemunho de inocência por voz de homem e de mulher, isto é, tanto por Pilatos (cf. Lc 23, 14: ‘Não o achei culpado’) quanto por sua esposa (cf. Mt 27, 19: ‘Nada faças a esse justo’), assim como os elementos haveriam de testemunhar mais tarde, quando tremeu a Terra com a sua Morte; segundo, para manifestar que Cláudia era honesta, compassiva e piedosa, de modo que o sonho seria um sinal de que ela acreditava em Jesus como Messias e Salvador do mundo. Além disso, como escreve Sto. Agostinho, “na origem do mundo, uma esposa provocou o homem à morte”, isto é, Eva a Adão; “na Paixão de Cristo, uma esposa provocou-o à salvação”, isto é, Cláudia a Pilatos (Serm. CXXI, de Temp.). Autores como Rábano Mauro, contudo, interpretam o sonho como uma tentação, para que Cristo fosse liberto e, assim, não resgatasse o homem do Pecado: “Sabendo o diabo que, por Cristo, perderia seus despojos, pretendeu libertá-lo por uma mulher”, assim como, no princípio, levara por outra mulher o homem a tornar-se escravo (cf. Pe. Cornélio a Lapide, SJ, Commentarii, vol. 8, p. 521B).

Módulo 4: História da Igreja 1 | Apresentação


O Advento – a vinda do Filho de Deus ao mundo – foi a Plenitude dos Tempos, isto é, o Acontecimento central da História humana, o fato mais importante e o que mais influenciou os destinos da humanidade, desde a Criação. Milênios haviam transcorrido de espera pelo cumprimento dessa Promessa divina, da qual o povo eleito fora o inicial e especial depositário. ‘’Quando chegou a plenitude do tempo”, escreveu o Apóstolo, sob inspiração do Espírito Santo, “Deus enviou o seu próprio Filho…” (Gl 4, 4).


    E eis que nasceu Jesus, o Salvador, milagrosamente, da Virgem Maria, na cidade de Belém, segundo a cronologia mais provável no século VIII após a fundação de Roma. A Palestina havia, então, perdido a sua soberania. Governava a Judeia, com o título de rei, Herodes Magno, mas em dependência do poderoso imperador de Roma, César Augusto.


    O Natal do Senhor Jesus assinala o cumprimento do Antigo Testamento, ou a antiga Aliança entre Deus e o povo eleito, e marca o início de uma gloriosa nova era – a Era Cristã.


    Conhecemos a vida de Jesus pelos Evangelhos, e os primeiros atos dos Apóstolos pelo Livro bíblico que recebeu esse nome, mas nada ficou registrado na Bíblia sobre o que houve depois do naufrágio de São Paulo e sua chegada a Roma, onde viveu em uma espécie de prisão domiciliar, mas transformando seus aposentos em um centro de evangelização, conclamando a comunidade judaica romana a reconsiderar tudo o que pensavam que sabiam sobre Jesus e sobre a nova “seita” – o Cristianismo –, além de explicar como Deus tinha estendido a salvação a todos os povos e nações.


“Paulo viveu assim dois anos inteiros, às próprias custas, e recebia todos os que vinham ter com ele, proclamando o Reinado de Deus e ensinando o que concerne ao Senhor Jesus Cristo com inteira firmeza e sem proibição.”
(At 28,30s)


    Assim terminam os relatos bíblicos da História da Igreja. E a partir daí, temos a evidente necessidade de recorrer aos registros históricos extrabíblicos para conhecer os acontecimentos antigos e saber de que modos se desenvolveu a mesma Igreja no correr dos tempos, chegando ao que temos hoje. Trata-se de uma disciplina de grande importância, tanto assim que, por meio do seu estudo, uma grande quantidade de ministros e pastores protestantes termina por se converter ao catolicismo e retornar à Casa do Pai.


    Nestes nossos estudos, contemplaremos a História da Igreja partir da documentação de que dispomos, desde as fontes primárias e os registros mais importantes em nível acadêmico até as descobertas mais recentes, confrontando regularmente tudo com o olhar que a Igreja lançou a esse desenvolvimento histórico e de que modos o entende, interpreta e ensina.

Módulo 4: Bíblia 5 | Plano de leitura bíblica AT/NT


Novo Testamento


Ordem para a leitura dos Livros


        1ª Epístola (Carta) de São João;

        Evangelho segundo São João;

        Evangelho segundo São Marcos;

        Epístolas menores de São Paulo:

        Gálatas;

        Efésios;

        Filipenses;

        Colossenses;

        1ª e 2ª Tessalonicenses;

        1ª e 2ª Timóteo;

        Tito;

        Filêmom;

        Evangelho segundo São Lucas;

        Atos dos Apóstolos;

        Epístola aos Romanos;

        Evangelho segundo São Mateus;

        1ª e 2ª Epístola aos Coríntios;

        Hebreus;

        Epístola de São Tiago;

        1ª e 2ª Epístola de São Pedro;

        2ª e 3ª Epístola de São João;

        Epístola de São Judas;

        Apocalipse;

        1ª Epístola de São João (2ª vez);

        Evangelho segundo São João (2ª vez).

    Com uma consciência pastoral aguda, Mons. Abib [goste-se dele ou não, entenda-se ou não que tenha sido um pastor modelar] entendeu bem que a primeira necessidade de todo cristão – ou, antes disso, a primeira necessidade de todo ser humano –, é ter uma sólida esperança na sua salvação. Importa primeiro crer e saber que Deus o ama e o acolhe, que Deus o deseja e que ele é especial para o Criador. Ocorre que, dos 73 livros da Bíblia, só a pequena Epístola de São João – o Discípulo Amado –, foi escrita com o especial propósito de nos dar esperança em nossa salvação. Na conclusão de sua carta, João diz: “Isto vos escrevi para que saibais que tendes a vida eterna, vós que credes no Nome do Filho de Deus!” (1 Jo 5, 13). Por isso, com felicidade este método indica que se inicie a leitura pela Primeira Epístola de São João (1 Jo), e que se a repita depois. É uma boa dica.



Antigo Testamento


Ordem para a leitura dos Livros


Comece-se a leitura pelos três Livros Sapienciais: Sabedoria, Eclesiástico e Provérbios (são textos mais próximos ao NT e fontes de ricos ensinamentos). Leia-se, a seguir, o Livro dos Salmos, que podem ser considerados a “porta de entrada” do Antigo Testamento, e podem ser usados pelos cristãos à parte da própria Bíblia, como magno Livro de orações e devoções de cabeceira. A partir daí, siga-se a seguinte ordem:


        Gênesis

        Êxodo

        Números

        Josué

        Juízes

        1º Samuel

        2º Samuel

        1º Reis

        2º Reis

        Amós

        Oseias

        Isaías (1-39)

        Miqueias

        Naum

        Sofonias

        Habacuc

        Jeremias

        Lamentações

        Ezequiel

        Abdias

        Isaías (40-55)

        1º Crônicas

        2º Crônicas

        Esdras

        Neemias

        Ageu

        Zacarias

        Isaías (56-66)

        Malaquias

        Joel

        Jonas

        Rute

        Tobias

        Judite

        Ester

        Eclesiástico (2ª vez)

        Cânticos dos Cânticos

        

        Eclesiastes

        1º Macabeus

        2º Macabeus

        Baruc

        Daniel

        Sabedoria (2ª vez)

        Levítico

        Deuteronômio

Módulo 4: Bíblia 4 | Estabelecer um plano ou roteiro de leitura


Existem diversos roteiros de estudos bíblicos, recomendados por biblistas, sacerdotes, teólogos, humanistas, etc. Todos têm lados bons e nenhum deles pode ser considerado ideal para todos indistintamente, porque há sempre uma gama de variáveis que farão diferença no aproveitamento de um ou outro método, a depender do grau de conhecimentos prévios do estudante, da sua disponibilidade, disposição interior, tipo de consciência, etc. Daremos aqui um rápido direcionamento, querendo especialmente salientar a importância de se seguir um plano de estudos, como um mapa ou como um “GPS” que auxilie no percurso e que dará certa segurança para impulsionar e motivar, para que não se desista no meio dessa grande jornada – a qual será, sim, desafiadora. Essa biblioteca de 73 Livros sagrados é variada, sendo que, entre estes, uns são muito diferentes dos outros; encontram-se nessa coleção os mais diversos estilos de escrita e obras produzidas em épocas muito distantes e nascidas de situações e contextos realmente muito distintos entre si.


    Propomos, agora, um exercício de imaginação: imagine-se o estudante chegando a uma biblioteca tão rica quanto complexa. Sabendo de antemão que a coleção inteira desses livros tem uma mensagem para lhe transmitir, e uma mensagem importantíssima, que poderá transformar radicalmente a sua vida.


    O que você vai aprender com a leitura desses livros poderá, literalmente, salvar a sua vida, conduzindo-o à vida eterna. Mas é preciso saber a ordem correta para a leitura desses livros, para que a compreensão da sua mensagem seja possível, pois é preciso considerar o conjunto completo dessa grande obra.


    Que fazer, então? Escolher, aleatoriamente, um primeiro livro para ler? Claro que, por uma mera questão de organização espacial, os livros estão dispostos em estantes segundo uma determinada ordem. Essa ordem segue, ainda que não muito precisamente, uma sequência segundo as datas de produção de cada livro. A ordem se apresenta, portanto, do livro mais antigo para o mais recente, conforme dispostos nas prateleiras – mas, como já dito, essa disposição não é muito precisa. Que fazer? Como saber qual a melhor sequência para a leitura? Qual livro ler primeiro? E depois deste? E depois?


    Talvez o primeiro e mais básico instinto natural humano diga para optar simplesmente pelo primeiro livro que encontrar na estante – seja começando pela direita ou pela esquerda, por cima ou por baixo da estante –, passando para o segundo, e assim prosseguir na sequência, chegando até o último.


    Bem, se o leitor adotar esse sistema e conseguir persistir, mantendo-se firme em sua determinação até o final, terá conseguido ler todos os 73 Livros. Mas podemos dizer que, no caso da Bíblia, esse sistema é altamente desaconselhável. Sim, muitas pessoas abrem a Bíblia no início e começam a ler a partir do Livro do Gênesis. E há dados indicativos de que, fazendo assim, geralmente não passam do quarto ou quinto livro. Então desanimam e não retomam mais a leitura, ao menos por um longo tempo. Ainda pior, acabam concluindo que tal tarefa é muito difícil para elas, ou mesmo que não é possível entender a Bíblia. Assim, vemos que é mesmo desejável um plano, um roteiro para a leitura do Livro Sagrado.


    O plano de leitura apresentado aqui é defendido, entre outros, pelo Mons. Jonas Abib, o fundador e diretor da conhecida comunidade católica Canção Nova – um padre de linha dita “carismática” que pouco tem a ver com os trabalhos do nosso apostolado e a nossa linha teológica –, mas cujo roteiro é sem dúvida coeso, racional e funcional. Destina-se especialmente àqueles que desejam começar a ler a Bíblia procurando entendê-la através dela mesma. Isso é possível desde que se evite a cilada do fundamentalismo e que se procure orientar essa leitura em conjunto com materiais complementares aos estudos, como este nosso. Indicaremos a seguir um plano de leitura com uma sequência que consideramos interessante.

Módulo 4: Bíblia 3 | A leitura das Sagradas Escrituras


Excelência


A excelência de todo e qualquer livro necessariamente vai depender, essencialmente, 1) do seu autor, 2) do tema ou assunto de que trata e 3) da forma ou modo como foi escrito. Por todos esses três motivos, as Sagradas Escrituras superam todos os livros que já se escreveram, em todos os tempos, desde a Antiguidade, e que jamais se poderão escrever: seu Autor é Deus; seu assunto é nobilíssimo e tem o fim mais nobre e mais importante que se possa imaginar, que é a nossa felicidade sobrenatural e a nossa salvação eterna; sua forma é riquíssima, devido à variedade dos seus autores humanos e das formas literárias de que Deus se serviu para nos entregar a sua Revelação.



Utilidade


Já foi dito que um dos motivos da primazia dos Livros Sagrados é a sua finalidade, isto é, o Céu. Entretanto, já para esta vida a Bíblia é uma grande mestra dos que acorrem a ela para aprender e crescer. Muitos fazem das Escrituras alvo de curiosidade científica, sem buscar-lhe o cerne, o Amor de Cristo, que segundo o Papa Bento XV “é o principal e mais suave fruto da ciência escriturística”.



Motivos


A leitura e o estudo atento das Sagradas Escrituras – se fundamentado sempre na direção do Magistério da Igreja e em consonância com a sagrada Tradição –, poderá nos capacitar a utilizar dos tesouros que nela Deus encerrou para nós, e os que têm esse hábito terminam por redescobrir sempre o mesmo: a quantidade dos aprendizados que nos vêm da santa Bíblia são como que milagrosamente inesgotáveis.


    Assim é que aconselha São Paulo a seu discípulo e bom amigo: “Aplica-te à leitura” das Sagradas Letras (1Tm 4,13), e insiste São Jerônimo: “Lê frequentemente as Sagradas Escrituras; mais ainda, nunca se afaste ela das tuas mãos”.



Métodos de leitura


Há quem organize suas leituras conforme a liturgia da Igreja, algo que é sempre recomendável. Entretanto, melhor é a leitura corrente e sistematizada, se possível diária, sem interrupções. Mais proveitoso ainda será o conhecimento prévio dos assuntos e das divisões gerais do Livro Sagrado: exatamente a isso é que se propõe esta seção de nossa formação. Quem desejar aproveitar ao máximo, busque ainda anotar as partes que lhe parecem mais importantes, para depois pesquisar, confrontar com o que dizem a respeito os autores clássicos, etc. Antes e após a leitura dessa grande Carta de Deus para nós, é indispensável uma prece breve, tal como o oferecimento dos estudos, cujo modelo clássico é como este:


Meu Senhor e meu Deus, adoro-vos com profunda reverência; peço-vos perdão dos meus pecados e graça para fazer com fruto este tempo de leitura e estudo. Minha Mãe Imaculada, São José, meu Pai, Anjo da minha Guarda, intercedei por mim a Deus. Amém.

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