Vimos na primeira metade desta seção sobre Ascética e Mística que este ramo da Teologia menciona a importância da Psicologia. Mas a que se refere, exatamente? Estará tratando da psicologia moderna, com seus desdobramentos e as evoluções das últimas décadas? Na realidade o autor aponta para a importância de se considerar as particularidades da psique humana no processo do crescimento espiritual. Ocorre, porém, que a obra que serve de base para estes nossos estudos foi escrita na década de 1950, e de lá para cá muita coisa mudou, até radicalmente: muito se perdeu e muito se descobriu também. Ultimamente, há uma loucura materialista generalizada que parece tomar conta do mundo, inclusive das ciências, e a Psicologia não ficou de fora desse lamentável processo. Existirá, então, uma “psicologia católica” ou “psicologia cristã” em que possamos nos apoiar, se possível, em nossa busca pela verdadeira ascese e mística?
Haverá hoje algum tipo, escola ou ramo da psicologia que se coadune, que combine ou harmonize suas práticas e princípios com a Sã Doutrina?
A esse respeito, antes de qualquer coisa é preciso saber que Mons. Tanquerey estava se referindo à Psicologia como ciência pura, isto é, aos estudos da mente humana descomprometidos das ideologias nefandas que tomaram conta até da medicina em nossos dias (haja vista as recentes polêmicas envolvendo a aplicação da vacina contra o surto de Covid-19, com uma grande quantidade de “especialistas” que deixaram de lado a racionalidade para aderir a esta ou aquela corrente política-ideológica). Convidamos então, para compartilhar de sua expertise com nossos alunos, o Dr. José Hamilton Ferreira[1], psicólogo (que não abre mão de sua confissão católica) há 29 anos, pós-graduado em Desenvolvimento do Potencial Humano e também um teólogo em formação. As considerações (destacadas em fonte própria) a seguir são de sua autoria.
Quem é o Pai da Psicologia?
Existe a ideia de que a Psicologia teria nascido com Freud, que ele seria o fundador da Psicologia. Isso não é verdade. Sem desmerecer a valor do fundador da psicanálise, este é o seu lugar: o criador de uma abordagem, de um modo de entender a psique humana, que é o sistema psicanalítico.
A forma freudiana de entender o ser humano nasceu em uma época na qual já existiam a psicologia experimental, a psicologia fenomenológica, a Psicologia proclamada pela Filosofia (que é a que está citada neste fascículo por Mons. Tanquerey), entre outras.
Aristóteles
Quem ofereceu uma primeira resposta respeitável acerca da psique humana foi o filósofo grego Aristóteles, no século quarto antes de Cristo. Ele foi aluno de Platão e foi o preceptor, isto é, o formador de Alexandre, o Grande.
Aristóteles publicou seus estudos sobre as emoções humanas na obra Peri Psique, traduzida para o latim como De Anima, que em português significa “Sobre a Alma”. Vemos aqui que o termo psique corresponde ao termo alma no nosso idioma.
Pois bem, a produção intelectual aristotélica foi perdida no mundo latino, tendo subsistido no mundo intelectual árabe. As obras de Aristóteles chegaram no que hoje chamamos de Europa apenas no século XIII d.C. Essa grande “novidade” movimentou a intelectualidade medieval e despertou o interesse de Santo Tomás de Aquino.
Santo Tomás de Aquino
Santo Tomás é um gênio da Filosofia e da Teologia; sua obra monumental é um dos ápices da inteligência humana. Há autores que o consideram uma “máquina de pensar”. Com apenas dezoito anos de idade, ele escreveu sua primeira obra.
Em sua Summa Teologica, ele sintetizou o conhecimento psicológico apresentado por Aristóteles e integrou-o ao conhecimento então atual. Uniu a sabedoria que Aristóteles havia atingido, pelo uso dos recursos da razão, integrando-a à Sabedoria que nos foi dada pela Revelação Cristã. Deixou-nos como herança um muito amplo e completo tratado sobre a alma humana, que modernamente chamamos de emoções ou de psicologia.
Emoções
Não é possível, em um pequeno artigo, apresentar esta psicologia aristotélico-tomista, porque é muito ampla. Ela contextualiza as emoções no grande esquema das potências humanas. Estabelece comparações entre a capacidade de elaboração mental dos homens e dos animais, os ditos “brutos”, pois não possuem a razão, capacidade que distingue o ser humano dos outros animais. Podemos apenas tecer alguns comentários sobre essa psicologia.
Os termos precisos
É um sistema de grande precisão terminológica, que supera certas confusões da psicologia moderna, que é imprecisa quando fala, por exemplo, de sentimentos e emoções. A psicologia tomista classifica as paixões humanas em onze. “Paixões” é um termo equivalente ao que hoje chamamos de emoção.
Doenças emocionais
A desordem dos atos humanos relacionados às paixões são as doenças emocionais, que na época eram chamadas de “enfermidades da alma”. Do entendimento e identificação dos atos desordenados e dos meios de ordená-los, para o restabelecimento da saúde, resulta a Psicoterapia Tomista, isto é, uma forma de estabelecer uma relação de ajuda com a pessoa que está doente emocionalmente.
A psicoterapia tomista
A utilização da base de conhecimentos da psicologia tomista e a sua transformação em um sistema de psicoterapia nos moldes de nossa psicoterapia contemporânea foi realizada desde os anos 1940 até os nossos dias. Os dois maiores expoentes nessa tarefa são o canadense Robert Brennan e o argentino Martin Echavarria, que atualmente dirige uma universidade em Barcelona.
Atualidade do Tomismo
Esse sistema que chamamos Psicologia Tomista tem atualidade nos dias de hoje. Se a doutrina de Santo Tomás como um todo – abarcando a Filosofia, a Teologia e a Psicologia –, tem alguns pontos que foram abandonados com a evolução das ciências, o que é natural, a sua psicologia, pelo contrário, mostra grande atualidade em nossos dias.
A alma humana, suas paixões e emoções, ainda é a mesma, é aquela que foi sabiamente descrita por Aristóteles e por Santo Tomás. Essa psicologia é totalmente aderente aos valores da fé cristã e perfeitamente conciliável com a ciência. É uma psicologia científica, no sentido amplo do termo ciência.
É interessante observar que os psicólogos tomistas utilizam toda a grandiosidade do sistema aristotélico-tomista, que abarca o ser humano em sua totalidade existencial e não apenas a sua vida cotidiana, ou seja, o seu aspecto imanente. Eles conciliam esse conhecimento mais antigo com as recentes conquistas da ciência moderna.
Atualmente, temos recursos para estudar o cérebro humano e também os fenômenos psicofisiológicos e as nuances do comportamento humano e do aparelho psíquico. Tais novos conhecimentos são integrados aos conhecimentos já existentes, ampliando-os e atualizando-os.
Essa possibilidade e abertura para integrar um conhecimento preexistente às recentes descobertas, enriquece a Psicologia Tomista, pois sendo ciência, esta evolui e se amplia através de novos conhecimentos.
Estamos vendo renascer um grande sistema, que trará benefícios às pessoas e à ciência da Psicologia.
[1] Por José Hamilton Ferreira, Psicólogo (CRP SP 36.505-8), currículo disponível em: https://opsicologocatolico.com.br/o-profissional
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