Módulo 3: Ascética e Mística 3 | Psicologia católica – conclusão

Por que nos dedicamos a esclarecer o significado da Psicologia fundamentada em Santo Tomás, o Doutor Comum da Igreja de Cristo, e que pode ser chamada, portanto, de “católica”? Porque, como visto, é recomendável e bastante útil a compreensão e aplicação das salutares técnicas que nos oferecem os estudos técnicos sobre a psique humana. Como disse o pedagogo Martin Buber, “a afirmação do humano não é objeto de análises objetivas, exatas e infalíveis, mas sim um projeto que envolve o risco supremo da própria situação humana da reflexão. (…) A fonte do seu pensamento é sua vida; sua existência é a manifestação concreta de suas convicções”[1].

A Psicologia da Religião implica, pois, imensos desafios e, no fim, é incapaz de chegar a uma definição totalizante para a questão “O que é Religião?”, mas pode oferecer ajuda a partir do entendimento da ciência da Psicologia, isto é, a partir da análise da pessoa humana. Pois a pessoa sempre foi a esfinge que desafiou e continua a desafiar os teóricos do comportamento humano a encontrar uma definição que, de fato, contemple toda a complexidade do que significa a vida humana.

Sistemas se sucedem na tentativa de definir o fenômeno humano, porque o que se vê, ao se ‘ver’ uma pessoa, é, infinitamente, menos do que o que ela contém.[2]


Assim, em Psicologia, quanto mais se observa, mais o observador se vê forçado a um lugar desconhecido onde o dado é apenas um: qual a natureza do objeto contemplado? E conclui-se forçosamente que estamos imersos em um impenetrável mistério. Sim, é verdade que o mistério não tem que, necessariamente, afastar as ciências de sua busca pela compreensão da realidade, mas é preciso reconhecê-lo e respeitá-lo, antes de tudo. Seja como for, nós somos assim como o horizonte: quanto mais o viajante se aproxima dele, mais ele se afasta do viajante. Exatamente por isso, não há e nunca haverá um sistema psicoterapêutico definitivo que eleve o ser humano de seus sofrimentos e, principalmente de sua busca eterna por algo que o antecede, supera e transcende em todos os níveis. Esse “algo”, a Religião chama Deus.

Concluímos este assunto pontuando que as ciências, nas suas múltiplas especificidades, procuram definir os seus diversos objetos de estudos, mas inexplicavelmente continuam negligenciando o fato inescapável de que, ao fim e ao cabo, todo o seu esforço em definir esses muitíssimos objetos é, no fundo, a esperança de chegar mais perto de apenas um deles: decifrar a essência de homem. E assim como não se pode chegar muito perto do fogo sem se queimar, também não se consegue chegar muito perto do Ser Humano sem se encantar por ele, por sua grandeza, por seu mistério, por sua complexidade, pela incomensurável distância que o separa dos animais irracionais, mesmo dos primatas, aqueles que lhe são biologicamente mais próximos.

Por isso mesmo, grandes homens como o Dr. Francis Sellers Collins, o diretor do Projeto Genoma e o principal responsável por um dos maiores feitos da ciência em todos os tempos, no ano 2001, com o mapeamento do DNA humano (o chamado código da vida), justamente por meio dos profundíssimos estudos, abandonou o ateísmo e tornou-se um fervoroso cristão[3].

Collins é reconhecidamente o cientista que mais rastreou o universo dos genes, com a finalidade de encontrar tratamento para diversas doenças. Mesmo apresentando-se como um homem de Fé, em momento algum perdeu a neutralidade acadêmica ou foi disso acusado. Sim, nos estudos científicos, é preciso manter certa distância de toda e qualquer opinião particular para poder enxergar melhor o panorama oculto das realidades físicas. Entretanto, não se pode negar que toda e qualquer ciência diz respeito, em última análise, ao Homem, e no fim será sempre disso que todas as ciências tratarão. Porque, nas séries evolutivas do Universo, tanto segundo a Religião quanto segundo toda ciência humana, primeiro fomos matéria, depois vida, depois mente, depois pessoa. Pois bem, são exatamente estes os objetos da ciência: é da mente humana que nascem todas as ciências, e é para ela que retornam.
A Psicologia da Religião, assim, configura-se afinal em uma débil tentativa de compreender a Pessoa Humana a partir destes dois referenciais: Psicologia e Religião, as quais, juntas, totalizam os mais profundos e misteriosos aspectos dos estudos humanos e continuam a desafiar toda ciência exata/empírica[4].

Diante da dificuldade em definir Psicologia, seja como a ciência que estuda e investiga os processos e estados conscientes, ou como a ciência que estuda os problemas da natureza da alma, da liberdade da vontade, das relações corpo e alma, ou a ciência que estuda pensamentos, sentimentos e a vontade, ou a ciência da alma, ou a ciência sem alma – como queria o materialista e socialista Lange[5], dando lugar assim ao estudo da Psicofísica, definiremos aqui a Psicologia da Religião como aquela que se utiliza de métodos experimentais, fenomenológicos e de natureza teológico-pastoral, juntamente com a expressão da experiência religiosa, no estudo das estruturas psíquicas da consciência religiosa, com seus modos de crer e em que crê, isto é, a questão da Fé em Deus, dos conceitos de salvação, da compreensão da relação mundo-Deus e sua expressão através do culto.

Resumindo e concluindo a finalidade deste tópico: a aplicação da Psicologia poderá ser útil em casos específicos, como no tratamento de vícios (destaque para o vício na pornografia e na masturbação), os medos patológicos, os estados avançados de consciência escrupulosa (com o temor excessivo de não ser bom o bastante e/ou a tendência a ver influência sobrenatural ou demoníaca em todo tropeço e dificuldade da vida) e que estão, ao que parece, na maioria das vezes ligados às desordens causadas por Transtorno Obsessivo Compulsivo, que pode requerer até o uso de auxiliares medicamentosos (psiquiátricos)[6].

Os bons diretores espirituais sempre souberam dessa realidade e da consequente importância dos auxílios que as ciências humanas nos podem oferecer, e é por essa razão que Mons. Tanquerey as destaca em sua obra. Ora toda ciência busca ancorar-se na razão, assim como também as ciências teológicas (pois não nos esquecemos de que a Teologia é a Fé em busca de razão/compreensão). Será sempre necessário e totalmente imprescindível, todavia, que o fiel católico, em caso de necessidade, saiba encontrar um profissional que respeite a sua Fé e não tente em nenhuma hipótese demovê-lo de suas convicções sadiamente religiosas. Por isso mesmo, o acompanhamento psicológico não deve prescindir de uma boa direção espiritual, da prática da oração constante e da frequência assídua (tanto quanto possível) aos Sacramentos.

O fiel católico mais consciente dessas questões e realidades estará mais apto a fazer uso de suas práticas devocionais – como a meditação para a contemplação, vista no fascículo anterior –, de modo aprimorado e mais perfeito. Nosso Senhor nos ilumine para melhor servi-lo e para que sejamos como que espelhos a refletir a sua glória e suas virtudes neste mundo!


Notas:

[1] BUBER (2003), p. 67.

[2] RIBEIRO, Jorge Ponciano. artigo ‘Reflexões sobre o lugar de uma Psicologia da Religião’, em Revista da Abordagem Gestáltica v.14, Goiânia: ITGT-GO, 2008.

[3] Por sua competência como cientista, Collins tem sido reconhecido com numerosos prêmios e honrarias, incluindo a eleição para o Institute of Medicine e a National Academy of Sciences norte-americana. Em 2007, recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade, e em 2008 a Medalha Nacional de Ciências. Foi nomeado como membro da Pontifícia Academia das Ciências em 2009, pelo Papa Bento XVI. Em 2020, Collins foi contemplado com o Prêmio Templeton. É autor de “A Linguagem de Deus, um cientista apresenta evidências de que Ele existe” (Gente, 2006). “A linguagem da vida, O DNA e a Revolução na Saúde” (Gente, 2010), “Belief: Readings on the Reason for Faith” (HarperCollins, 2010) e “The Language of Science and Faith: Straight Answers to Genuine Questions” (em parceria com outro destacado cientista, o físico Karl Giberson, IVP Books, 2011).

[4] O Dicionário de Psicologia DORSCH dedica 63 páginas ao verbete “Psicologia”, apresentando e definindo nada menos que 129 tipos de psicologias, divididas em três categorias: 1) psicologias filosófico-metafisicas, 2) psicologias como ciências experimentais autônomas (empíricas), e 3) setores de ensino e pesquisa, divididos em “aplicação cultural e aplicação prática” (Dorsch, Hacker & Stapf, 2001, p. 720). Dentre esses 129 tipos, encontra-se o verbete “Psicologia da Religião”, mas, curiosamente, o Dicionário não tem o verbete “Homem”. Dedica 63 páginas a definir “Psicologia” e nenhuma para definir “Homem”, embora o homem seja o objeto central do estudo da psicologia. Isso nos mostra a que nível de atomização epistemológica a ciência chegou.

[5] Friedrich Albert Lange (1828 — 1875). Filósofo e sociólogo alemão, fundador da Escola de Marburgo de neokantismo, juntamente com Hermann Cohen. Líder socialista crítico do materialismo marxista, propositor dede um socialismo ético e reformista, principalmente por meio de sua influência sobre líderes da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, de Ferdinand Lassalle, sobre Eduard Bernstein e os autores da Escola de Marburgo.

[6] HAGEN. Annabella, diretora clínica do centro Mindset Family Therapy em Utah, nos Estados Unidos. “Escrupulosidade: o temor excessivo de não ser bom o suficiente”, para BBC Mundo, disp. em:
bbc.com/portuguese/geral-60525984 | acesso em 23/9/2023.

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