Sobre a conversão
Quem se converte, quem retorna a Deus e começa uma vida nova, deve assumir como práticas diárias e como parte integrante da sua rotina (tanto quanto o alimentar-se e o vestir-se):
1) Fazer penitência pelos seus pecados. Há muitas formas de fazê-lo, e muitos católicos ainda se assustam ao ouvir essa palavra. Não se trata aqui, necessariamente, de usar o cilício ou submeter-se a pesados jejuns de dia inteiro, nem sequer de privar-se dos poucos e pequenos prazeres que, muitas vezes, tornam suportável uma vida já difícil. Fazer penitência implica, essencialmente, duas atitudes:
a) um gesto que se apresenta diante de Deus como “prova” do arrependimento pelas infidelidades e pecados cometidos e do desejo sincero de mudança de vida. Há muitas maneiras válidas e frutuosas de se fazer penitência; apenas rezar o Terço ou uma Ladainha, para alguns, pode servir muito bem; reservar um dia da semana para privar-se do consumo da carne (além das sextas-feiras, em que isso já e obrigatório[1]), ou do café, ou dos doces, ou de uma das refeições do dia, ou ainda empreender uma pequena peregrinação, indo a pé até uma igreja que se localize a alguns quilômetros de distância, para prostrar-se diante do Sacrário, são bons exemplos;
b) um meio pelo qual se busca o crescimento na vida de Fé, a purificação e o fortalecimento da alma pela mortificação dos sentidos físicos, os quais muitas vezes nos prendem aos velhos vícios que nos afastam de Deus.
2) Abjurar real, concreta e totalmente das falsidades em que até então acreditava, e abandonar de vez todas as más práticas às quais um dia se entregou. O verdadeiro convertido se reconhece e sente-se realmente como uma outra pessoa para com Deus; essa realidade de vida, que é indissociável da vida cristã, foi divinamente descrita nas belíssimas palavras da Epístola aos Efésios:
Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. Por isso, renunciai à mentira. Fale cada um a seu próximo a verdade, pois somos membros uns dos outros. Mesmo quando estiverdes furiosos, não pequeis. Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento. Não deis lugar ao demônio. Quem era ladrão não torne a roubar, antes, trabalhe seriamente por realizar o bem com as suas próprias mãos, para ter com que socorrer os necessitados. Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que for útil para a edificação, sempre que for possível, e benfazeja aos que ouvem. Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados para o dia da Redenção. Toda amargura, ira, indignação, gritaria e calúnia sejam desterradas do meio de vós, bem como toda malícia. Antes, sede uns com os outros bondosos e compassivos. Perdoai-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou, em Cristo.
(Ef 4 22,32)
3) Observâncias das boas práticas religiosas, como o tempo diário de oração e as pausas regulares para meditação/contemplação.
4) Se possível – e isso é algo altamente desejável, mas que pode ser muito difícil em nossos tempos, em muitos casos – pôr-se sob a obediência de um bom diretor espiritual.
É muito comum que o convertido – e há recém-convertidos também entre aqueles que há anos já “frequentavam” a Igreja, apresentando-se como católicos – experimente intensamente os primeiros fervores de sua conversão, seja amparado sobrenaturalmente em tudo o que se refere ao serviço de Deus, com consolações sensíveis na oração, com uma grande alegria na recepção dos Sacramentos e até com um novo gosto pelas penitências e pela humildade, com uma facilidade para a meditação, e às vezes também por uma cessação – que infelizmente, na maioria dos casos, é parcial –, das tentações. Esses primeiros fervores podem durar semanas ou meses, ou um ano ou mesmo dois, mas, depois disso, essa etapa estará concluída[2].
Um corresponderá mais fielmente a esses auxílios, outro corresponderá menos, mas importa saber que tais fervores têm suas características próprias, suas peculiaridades: têm um feitio particular e necessitam de uma direção especial. Mas, então, cessam e se colocam fora do nosso alcance, para o desespero de muitos. Iremos encontrá-los de novo no grande dia do Juízo, e não antes. Mas onde nos deixaram eles? No começo de uma fase da vida espiritual, uma época muito penosa e crítica. O mero desaparecimento do fervor, que não foi senão um favor temporário, deixa-nos submersos em um desagradável sentimento de tibieza.
As características trevosas desse estado nos levam a crer que estamos mais abandonados a nós mesmos do que antes. A Graça parece que nos ajuda menos. O natural volta, quando o fervor que o dominava nos deixa, e vibra com força espantosa. Sentimos que o nosso apoio agora está no brio e na honestidade dos propósitos da vontade; sentimo-nos menos protegidos pelos vários recursos da vida sobrenatural.
As orações tornam-se mais áridas. O terreno que cavamos é mais duro e pedregoso. O trabalho perde o encanto à medida em que se torna mais penoso. A perfeição nos parece menos fácil e, a penitência, quase insuportável.
É chegado, então, o momento da coragem; essa é a hora da prova do nosso valor real. Começamos a viajar, por assim dizer, nas regiões centrais da vida espiritual, e estas são, na sua maior parte, regiões áridas, como de deserto. É aqui que tantos voltam atrás, sentindo-se equivocadamente rejeitados por Deus, como Santos em potencial mas que não deram certo, almas de vocações inutilizadas.
Esteja claro, todavia, que o fazer conhecer essas dificuldades não tem por finalidade desanimar alguém; ao contrário, o que se procura em uma formação como esta é preparar bem as almas as quais, sabendo de antemão as dificuldades que a aguardam, estarão mais prontas e mais aptas a lidar com elas para superá-las. Continuaremos a aprofundar a jornada da vida interior, essa grande aventura da alma que crê, cada vez mais detalhadamente e visando as suas resoluções práticas. Continuemos, pois, juntos.
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[1] O cânon 1251 do Código de Direito Canônico de 1983 dispõe que é obrigatória a “abstinência de carne ou de outro alimento (…) em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades”. Antes disso, o Papa Inocente III (séc. XIII), decretara que é pecado grave consumir carne às sextas e, no século XVII, o Papa Alexandre VII decretou anátema quem dissesse que isso não é pecado grave.
[2] Um rapaz ainda jovem, meu dirigido, confessou-me em certa ocasião que antes de sua conversão havia adquirido um fortíssimo vício no pecaminoso consumo de pornografia e na masturbação. Converteu-se e, logo depois, esse vício que lhe parecia invencível, contra o qual muitas vezes tentara inutilmente lutar, esvaiu-se dele, perdeu sua força, deixou-o, como que por milagre. Ele se viu então desfrutando de uma maravilhosa liberdade, tendo poder sobre seu próprio corpo e seus apetites, de tal modo que teria, antes, considerado impossível. Esse estado privilegiado durou para ele um longo tempo, mais de ano. Depois disso, porém, as velhas tentações retornaram, e a partir daí ele precisou voltar a lutar com todas as suas forças, suplicando constantemente pelo amparo divino, para que não voltasse a se tornar novamente escravo dos mesmos vícios. A partir daí, só com oração e penitência é que podia se manter em estado de graça (N. do E.).
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