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Vimos no módulo anterior sobre as grandes dificuldades que envolvem o ato de Fé, que é um ato de aceitação incondicional da Verdade que Deus, por amor de nós, revela-nos para o nosso bem e para a nossa salvação.
É coisa realmente muito simples dizer que somos obrigados a aceitar o conjunto das revelações – como um todo e no todo – porque Quem o revela é Deus, que não se engana e que nunca nos engana. E isso é a mais pura verdade católica. Mas ainda assim, por outro lado, não nos iludamos: penetrar aquelas fórmulas do Credo para assimilar a cada uma delas profundamente na carne e no sangue é sempre um grande desafio para cada alma. Um desafio ao mesmo tempo excitante e, humanamente falando, aparentemente impossível. Sua realização, muitas vezes, ao invés de transformar o “eu” de quem busca a conversão, acaba sendo transformada em algum subterfúgio ou esquema particular, pela razão daquele que hesita em simplesmente aceitar.
Pois há muitos que encontram imensas dificuldades para crer nesta ou naquela parte da confissão de Fé essencial dos cristãos, mas que por boa vontade ou por medo de perder suas almas, ainda querem crer e, portanto, tentam modificar, adaptar, transformar, esquematizar algum ponto para que se torne apetecível à sua razão.
E se os crentes do nosso tempo talvez reflitam com alguma inveja sobre o que havia na Idade Média, quando todos, praticamente sem exceção, eram fiéis católicos em toda a Europa, assim como também em todo continente latino-americano há poucas décadas, seria bom lançar um olhar para detrás dos bastidores, um olhar que só se torna possível com o auxílio da pesquisa histórica recente, a qual nos ensina que, também nessas outras épocas certamente mais felizes, havia também uma grande massa dos que simplesmente se deixavam levar pelos usos e costumes de seu tempo, sem jamais se aprofundar em qualquer questão religiosa, e um número relativamente restrito daqueles que, de fato, avançavam até alturas mais profundas da Fé.
A História pode mostrar que, para muitos, a Fé não passava de um sistema preexistente de vida, pelo qual toda a imensa e fascinante aventura escondida nessa palavra misteriosa – “Creio” – estava realmente oculta. Isso realmente parece ter sido sempre assim, porque entre Deus e homem se abre um abismo infinito; porque a feitura do ser humano é tal que seus olhos só podem ver aquilo que não é Deus, permanecendo Deus sempre essencialmente invisível, fora do nosso campo visual.
Deus é essencialmente invisível; essa declaração fundamental da Fé, que é bíblica, em oposição à visibilidade dos deuses pagãos, é simultaneamente e talvez sobretudo uma declaração sobre o homem. O homem é o ser para o qual o espaço da vida parece demarcado pelo espaço de sua visão e percepções. Mas Deus jamais aparece e nunca se manifesta nesse espaço de sua visão e percepção, as quais determinam a localização existencial do homem, por mais que esse espaço seja ampliado.
Quando Deus se identifica a Moisés, em sua grande Revelação na sarça ardente, o que faz é realmente não se identificar, porque isso simplesmente não é possível. Não há como um homem identificar-se, apresentar-se e explicar quem ele é, para uma formiga, e menos ainda é possível que Deus, eterno e infinito, faça-se entender a um ser humano. Eu sou Quem Sou ou Eu Sou o Eu Sou é como dizer: “Sou o que sou, mas não podes me compreender, nem me alcançar ou sequer me ver”. Deus não é apenas Aquele que, agora e de fato, encontra-se fora do campo dos sentidos físicos do ser humano, mas que poderia ser compreendido se o homem pudesse avançar ao ponto de vê-lo ou tocá-lo. Não. Ele é Aquele que se encontra e que permanecerá essencialmente fora deste campo, por mais que as capacidades humanas se alargassem.
Com isso, porém, só se revela um primeiro esboço da atitude expressa pela singela palavra “Creio”. Ela conota um ser humano que não considera como o máximo a totalidade das suas capacidades (o ver, ouvir, tocar, sentir pelo olfato ou paladar, e o perceber por meio do seu intelecto), que não considera o espaço do seu universo com base no que se encerra no campo de suas capacidades humanas, mas procura uma outra (santa) forma de acesso à realidade, uma Realidade mais alta, forma essa que chega a definir a sua concepção de si mesmo, da própria vida e do mundo.
Sendo assim, a simples palavra “Credo” encerra uma opção fundamental face à realidade como tal, não conotando apenas a constatação disso ou daquilo, mas apresentando-se como a forma mais fundamental do seu comportamento para consigo mesmo, para com o próximo, com o ser, para com a existência como um todo, para com o que é próprio da realidade de modo global, enfim. Trata-se de uma opção que considera o invisível, aquilo que ele é absolutamente incapaz de alcançar de um modo ou de outro, não como coisa irreal, mas, pelo contrário, como o real propriamente dito, o que representa o fundamento e a possibilidade de todo o restante da realidade.
Trata-se da opção de aceitar que essa Realidade invisível, impalpável e inalcançável, que é a Realidade mais alta e mais verdadeira em todos os sentidos, possibilite à realidade restante, que é observável e que o ser humano pode alcançar por meio dos seus sentidos/capacidades naturais, proporcionar uma existência que verdadeiramente valha a pena, a tornar possível e suportável a vida humana, a impregnar de sentido o existir de todas as coisas.
Diz de si para si mesmo o crente, isto é, aquele que recebeu do Alto o dom da Fé:
Nada do que eu vejo faz sentido ou justifica a minha existência ou a existência de tudo, mas ainda assim, de algum modo, eu trago dentro de mim a certeza inflexível de que algo há que faz tudo valer a pena e ter sentido, algo que é maior, algo que a tudo justifica, e como? Não sei explicar nem a mim mesmo, mas apenas sei que é assim, que esse algo maior e perfeito verdadeiramente existe. Sendo assim, esse algo que eu não alcanço só pode estar em um “lugar” além de mim mesmo e das minhas próprias forças. E eu só tenho que aceitar que isso é assim – até porque, em todo caso, é só o que eu posso fazer.
Dito ainda em outros termos: Fé significa o decidir-se por uma realidade situada no âmago da existência humana, a qual não pode ser alimentada/sustentada pelo que é visível e tangível, mas que toca a limite do invisível, de modo a quase torná-lo tangível, e a revelar-se como uma necessidade para a existência humana.
Tal atitude de aceitação completa certamente só se conseguirá através daquilo que a linguagem cristã chama de “conversão”. A tendência natural do homem leva-o ao visível, ao que se pode pegar e reter como propriedade. Cumpre-lhe voltar-se, internamente, para ver até que ponto abre mão do que lhe é próprio, ao deixar-se arrastar assim para fora da sua gravidade natural. Deve converter-se, voltar-se para conhecer quão cego está ao confiar apenas no que os olhos enxergam. A Fé é impossível sem essa conversão da existência, sem essa ruptura com a tendência natural. A Fé é impossível sem essa santa loucura.
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