Módulo 4: História da Igreja 2 | Origens judaicas


Entre as classes preponderantes do povo judaico, tinha-se pouco a pouco deformado o conceito messiânico. Para a maioria, o Messias deveria ser um grande líder político-militar e um guerreiro que expulsasse da Terra Santa os gentios impuros, estabelecendo no mundo a hegemonia de Israel, o Povo escolhido.


    Esse nacionalismo estreito e a repugnância em aceitar uma doutrina que contrariava todos esses vícios profundamente enraizados, não tardaram a suscitar contra Jesus e seus seguidores um ódio apaixonado. Recusavam-se a reconhecê-lo por Messias e se declararam seus inimigos. Haviam julgado que já tinham alcançado a vitória completa com a condenação, a humilhação total e a morte desonrosa na Cruz; mas…


    Mas eis que, ao terceiro dia, deu-se o Milagre. A Ressurreição. Jesus reergueu-se do túmulo, glorioso como nunca fora visto no mundo. Ressuscitou vitorioso, venceu a própria morte por sua virtude, e durante quarenta dias mostrou-se – muitas vezes –, aos seus discípulos. Falou com eles sobre o Reino de Deus e a Santa Igreja, e encarregou-os de levar a todos os povos a Doutrina que lhes tinha ensinado. Depois subiu ao Céu, onde será, por toda a eternidade, a alegria da Igreja triunfante.


    Nossos estudos se concentrarão nos dias que vieram logo depois desse Evento que transformou de uma vez para sempre a História da humanidade. Iniciaremos focalizando os nossos olhares sobre o mundo mediterrâneo de meados do século IV, pelo ano 36 ou 37 d.C., quando reinava Tibério, já no final de sua vida[1]. Nesse tempo, ganhava notoriedade uma certa “seita” que se alastrava e crescia entre as colônias judaicas espalhadas pelo Império, atraindo as atenções de cada vez mais pessoas – para o bem e para o mal.


    Era o tempo da pax romana: havia ordem, paz e certa estabilidade social nesse mundo, e essas coisas sempre bem-vindas eram especialmente valorizadas por esses povos que, antes do domínio romano, precisavam constantemente lidar com os horrores de uma sucessão de guerras e conflitos sem fim. Roma havia remodelado as sociedades que conquistara segundo os seus princípios, com mão de ferro, mas com bons resultados; tudo no grande Império parecia sólido e estável.


    Já idoso e próximo do fim de sua vida, Tibério havia-se retirado para a belíssima ilha de Capri, onde vivia seus dias a desfrutar dos prazeres e divertimentos (de banquetes a orgias) que a sua posição lhe permitia, usufruindo das luxuosas residências ali edificadas exclusivamente para o seu conforto. Dali, o devasso Imperador expedia ao Senado suas sentenças de morte para os que considerava inimigos de Roma. E assim a vida parecia transcorrer tranquila, tanto na capital quanto nas províncias, que se mantinham submissas, e havia prosperidade no Império.


    Na Palestina, que era a menor região do Império, também parecia reinar a ordem: aparentemente, nada de extraordinário acontecia aí. Sob a mão pesada de um certo procurador chamado Pôncio Pilatos, a comunidade judaica havia por fim aceitado a tutela romana, prosseguindo sua vida religiosa de ritos rígidos e observâncias formais aos preceitos da Torá, debaixo do rigoroso Sinédrio (Sanhedrim)[2].


    Seria totalmente descabido imaginar que, dentro de tal contexto, uma novidade obscura e humanamente absurda, imediatamente contestada e combatida por romanos e judeus, pudesse abalar estruturalmente os alicerces desse mundo. Que tal novidade haveria de crescer até se erguer aos olhos de todo o Império como a Revelação da Verdade, superior a tudo em que eles criam e tinham como sagrado até então?


__________
[1] A atividade pública de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo o Evangelho de S. Lucas, iniciou-se no décimo quinto ano do reinado de Tibério, o que corresponde ao ano 28. Sob esse mesmo soberano ocorreu a crucificação. Tibério Cláudio Nero nasceu em Roma aos 16 de novembro de 42 a.C., filho do magistrado Tibério Cláudio Nero e de Lívia Drusila. Com quatro anos de idade, passou a integrar a família imperial, quando sua mãe, grávida de seu irmão, Nero Cláudio Druso, separou-se de seu pai e casou-se com o imperador Augusto. Educado para a carreira militar, fez brilhantes campanhas na Germânia, na Gália e na Armênia, que lhe garantiram apoio popular.

Após regressar a Roma, Tibério casou-se com Vipsânia Agripina, filha do célebre general Marco Agripa, amigo de Augusto. Nessa mesma época, foi nomeado pretor e designado para o comando de campanhas no Ocidente, ao lado de seu irmão Druso. Na volta, em 13 a. C, Tíbério foi designado Cônsul.

Em 12 a.C., após a morte de Marco Agripa, Tibério separa-se de Vipsânia, por ordem do imperador Augusto, e casa-se com a filha deste, Júlia, viúva de Agripa, em seu terceiro casamento. Seis anos depois, Tibério foi designado tribuno, mas diante da vida libertina de sua mulher, e temeroso em denunciá-la a seu pai, decidiu deixar Júlia em Roma e se exilar em Rodes (a ilha-cidade do famoso ‘Colosso de Rodes’).

Enquanto Tibério esteve em Rodes, os filhos de Júlia e netos de Augusto estavam sendo preparados para sucedê-lo. No entanto, a morte de Caio César e Lúcio César, candidatos à sucessão ao trono, obrigou Augusto a reconhecer Tibério como seu único sucessor. Após seu regresso a Roma, Tibério obteve novas vitórias na Germânia e, ao ser adotado por Augusto no ano 4 da era cristã, tornou-se um de seus principais colaboradores e o segundo homem no poder em Roma.

Com a morte de Augusto sem deixar filhos, no ano 14 Tibério foi aprovado pelo Senado, sem escolhas, tornando-se imperador com o nome de “Tibério Júlio César Augusto”. Em seus primeiros anos de governo, regularizou a economia com medidas severas, reduzindo os gastos públicos e uma administração eficiente. Assegurou as fronteiras por meio de uma política conservadora que prescindiu das invasões, consolidou as instituições e reduziu o poder do Senado. Tibério exilou a comunidade judaica e determinou o fim dos duelos de gladiadores. Seu governo foi prejudicado pelo aumento da corrupção e pelo grande número de julgamentos por traição.

No ano 27, temendo ser assassinado, Tibério retirou-se na ilha de Capri, de onde governava por intermédio de Sejano (o terrível ‘Calígula’, filho de Germânico César e Agripina, da dinastia Júlio-Claudiana, foi adotado como filho e sucessor de Tibério). Até o fim de sua vida, Tibério submeteu Roma a um regime de terror, malgrado sua competência política. Faleceu em Miseno, Itália, aos 16 de março de 37, durante uma de suas raras viagens ao continente. (Ref.: FRAZÃO, Dilva. Biografia de Tibério, disp. em: https://tinyurl.com/29w4pc5p | acesse 24/10/2023)


[2] Pôncio Pilatos poderia ter protegido e libertado Nosso Senhor, mas não o fez. Preferiu lavar as mãos e dizer à multidão furiosa: “Sou inocente do sangue deste homem. Isto é lá convosco!” (Mt 27). Ainda assim, é venerado como Santo na igreja ortodoxa (sua festa é no dia 25 de junho). De acordo com a Sociedade de Arqueologia Bíblica, “os primeiros cristãos viam Pilatos de uma maneira muito diferente. Santo Agostinho o saudava como um convertido. Certas igrejas, incluindo as religiões gregas ortodoxas e os coptas, consideravam santos a Pilatos e à sua esposa. Quando ele aparece pela primeira vez na arte cristã, em meados do século IV, é justaposto com Abraão, Daniel e outros grandes crentes”. Eusébio apoia essa afirmação, dizendo que Pilatos se converteu depois de testemunhar muitas maravilhas após a morte de Jesus, inclusive reportando isso a Tibério: segundo o costume dos governantes das províncias de relatar ao Imperador tudo o que de importante acontecia, Pilatos teria informado a Tibério que a Ressurreição de Nosso Senhor fora divulgada por toda a Palestina. Ele também explicou outras maravilhas sobre Jesus, e como depois de sua morte ressuscitou dos mortos, tido por muitos como Deus.

A respeito desse tema – secundário para esta formação, mas interessante –, foram produzidos diversos relatos contraditórios ao longo da História, mas é fato que igrejas orientais (como a copta e a etíope) continuam venerando Pôncio Pilatos e sua esposa. Pilatos não é um Santo canonizado da Igreja Católica, mas importa lembrar que as canonizações oficiais reservadas ao Papa só começaram no século XIII, sendo que até o Grande Cisma de 1054 havia uma única Igreja, e esta era a Igreja Católica de sempre. A esposa de Pilatos teria se convertido logo após a morte de Cristo e até colaborado com São Paulo Apóstolo: a cristã “Cláudia” citada na Epístola a Timóteo seria a própria Cláudia Prócula (algo mais fácil de se crer, já que segundo a Bíblia ela fora avisada em sonhos do terrível erro que o marido estava prestes a cometer, e o advertiu [cf. Mt 27, 19]). Muitos Padres e autores eclesiásticos (Orígenes, Sto. Hilário, S. Jerônimo, Sto. Agostinho, Sto. Ambrósio, S. João Crisóstomo, Eutímio e outros), além de intérpretes como Teofilacto e Maldonado, opinam que o sonho de Cláudia foi enviado por Deus pela mediação de um Anjo: primeiro, para que Cristo tivesse testemunho de inocência por voz de homem e de mulher, isto é, tanto por Pilatos (cf. Lc 23, 14: ‘Não o achei culpado’) quanto por sua esposa (cf. Mt 27, 19: ‘Nada faças a esse justo’), assim como os elementos haveriam de testemunhar mais tarde, quando tremeu a Terra com a sua Morte; segundo, para manifestar que Cláudia era honesta, compassiva e piedosa, de modo que o sonho seria um sinal de que ela acreditava em Jesus como Messias e Salvador do mundo. Além disso, como escreve Sto. Agostinho, “na origem do mundo, uma esposa provocou o homem à morte”, isto é, Eva a Adão; “na Paixão de Cristo, uma esposa provocou-o à salvação”, isto é, Cláudia a Pilatos (Serm. CXXI, de Temp.). Autores como Rábano Mauro, contudo, interpretam o sonho como uma tentação, para que Cristo fosse liberto e, assim, não resgatasse o homem do Pecado: “Sabendo o diabo que, por Cristo, perderia seus despojos, pretendeu libertá-lo por uma mulher”, assim como, no princípio, levara por outra mulher o homem a tornar-se escravo (cf. Pe. Cornélio a Lapide, SJ, Commentarii, vol. 8, p. 521B).

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