Módulo 5: Bíblia 3 | Os Doutores escolásticos


        * Continuação do estudo sobre a Inspiração das Sagradas Escrituras

Os da Escola Franciscana de São Boaventura[1] ensinam que Deus é o Autor das Sagradas Escrituras, dotando-as de infalibilidade. Quanto à natureza da Inspiração, é uma instigação e uma orientação divinas, por meio de carismas especiais. Deus agiu como causa imperante nessas pessoas. Por conseguinte, o hagiógrafo, orientado e ajudado por Deus, é a causa exequente do Livro Sagrado; em palavras mais simples, coube a ele a execução da coisa, mas não a sua autoria, ainda que, segundo a Doutrina da Igreja, no cumprimento da tarefa dessa execução, terminou por imprimir à obra, em algum nível, os seus modos próprios, sua cultura e suas capacidades humanas.


    Da Escola Dominicana, Santo Tomás de Aquino não tratou ex professo[2] do problema da Inspiração. Somente quando fala da profecia é que toca na questão. Com efeito, na Suma Teológica (IIa-2ae, questão 171), podemos ler o seguinte sobre a essência da profecia:


A profecia pertence ao conhecimento, isto é, ilustra a inteligência. Não é um hábito, mas sim moção transitória. É um conhecimento obtido pela luz divina e que se pode estender a tudo o que está sob essa mesma luz.

Essa luz divina é essencial no conhecimento profético; todavia o conhecimento do hagiógrafo permanece imperfeito quanto ao âmbito, isto é, o hagiógrafo conhece perfeitamente tais verdades que Deus se dignou revelar, porém não todas as verdades que em Deus existem.[3]


    Na questão 172, Santo Tomás, falando das causas da profecia, diz: “O conhecimento profético não é natural, não exige faculdades ou qualidades naturais e morais, mas somente requer a Revelação divina”[4].


    No problema da inspiração (questão 173), o principal é a luz divina, a qual é necessária para que o homem possa discernir, pela Graça de Deus, as divinas verdades das reveladas coisas que ele naturalmente aprende. Portanto, é preciso distinguir entre a concepção das coisas e o juízo acerca das coisas concebidas. Deste modo a visão profética não tira o uso dos sentidos humanos.


    Deus age como causa principal; o hagiógrafo, porém, como causa instrumental (questão 174).


    Depois de Santo Tomás[5], quanto ao influxo do hagiógrafo no Livro Sagrado, merece especial menção Henrique Gandavense (ou de Gand)[6]. Este influxo não é meramente mecânico, mas instrumental. Em outras palavras, o hagiógrafo não serve como uma espécie de “cavalo de incorporação” usado como mera ferramenta para o cumprimento da Vontade divina, e sim é um instrumento delicado, valorizado e de utilidade mais fina, que em um nível sutil vai participar no processo da produção dos sagrados conteúdos. É, por assim dizer, o agente do efeito daquelas verdades que lhe foram infundidas, as quais deve escrever; por amor e por obediência, assim fará. Outro modo de dizer é que os hagiógrafos são os autores secundários das Escrituras santas, os quais cooperaram na sua produção com sua própria habilidade literária.


_________
[1] São Boaventura, Opera ed. Ad. Claras Aquas V (1891). 201 e seg.


[2] Isto é, não se debruçou sobre a questão, dedicando-lhe total atenção e energias para bem defini-la.


[3] Apud CHARBEL (2022), p. 33.


[4] Ibidem.


[5] Santo Tomás não tratou de questões que pertencem ao papel da vontade. Eis a razão por que, formalmente, nada disse acerca das relações entre a inspiração e essa faculdade. Todas as interrogações e dúvidas que, ainda hoje, se agitam neste assunto, são precisamente aquelas sobre as quais Santo Tomás não se pronunciou explicitamente.


[6] O leitor interessado poderá inteirar-se da bibliografia sobre Henrique de Gand, em português, consultando a edição de Mediaevalia. Textos e Estudos, n.3 (1993), disponível para download (inglês) neste link: https://ojs.letras.up.pt/index.php/mediaevalia/issue/view/52 [acesso 23/11/2023]

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