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Lançamos, no módulo anterior, um brevíssimo olhar inicial sobre o contexto histórico-político do lugar e do tempo os quais Deus escolheu para viver como homem. Continuaremos agora a apresentar o panorama geral deste cenário em que se deu a atuação do Cristo no mundo, logo após o seu Sacrifício na Cruz, quando seus Apóstolos incansáveis iniciavam a provocar uma agitação social – relativamente discreta, mas orgânica, incessante e crescente –, anunciando uma extraordinária mensagem.
No princípio da era cristã, havia duas espécies de judeus: os palestinos ou hebreus, e os judeus da diáspora (ou da dispersão). Os primeiros eram os que nunca tinham deixado a Palestina ou a ela tinham regressado logo depois do cativeiro. Essa população, estimada em cerca de um milhão de pessoas (OLIVEIRA, p.14), abrangia três grupos: os judeus propriamente ditos, os galileus, em que havia infiltração de elementos estrangeiros, e os samaritanos, que eram considerados pelos outros como apóstatas e pagãos.
Os judeus da diáspora, quatro ou cinco vezes mais numerosos, eram os que se tinham fixado no estrangeiro em consequência das diversas perseguições e cativeiros que sofreram ao longo de sua história: dedicavam-se especialmente ao comércio nos portos do Mediterrâneo e formavam colônias nas cidades mais importantes: em Alexandria, Corinto, Atenas, Éfeso e Roma, e até na Península Hispânica. Conservando as tradições nacionais e a fé religiosa, mantinham sinagogas em que se reuniam, e conservavam o costume de ir em peregrinação a Jerusalém, por ocasião das festas da Páscoa e do Pentecostes.
Os povos da maior parte do mundo civilizado estavam incorporados no vasto Império Romano, que contava cerca de cem milhões de habitantes (OLIVEIRA, p.14). A cidade de Roma vivia em grande opulência, mas era notável a decadência da religião e da moral em todas as províncias do império.
Os Apóstolos e seus seguidores podiam então ser encontrados nos espaços sagrados dos judeus e/ou pelas ruas estreitas de Jerusalém, a falar da salvação e da consumação das antigas profecias em Jesus, sem grande espalhafato e sem nada neles que os distinguisse das pessoas comuns. Mas o observador mais atento certamente notaria que havia algo de diferente naqueles homens dotados de uma Fé extraordinária, uma Fé viva que se refletia em seus costumes e obras; eram pessoas e cidadãos, homens e mulheres exemplares. Frequentavam o Templo e se reuniam sob o Pórtico de Salomão[1], orando ao nascer do sol e à hora nona, guardando as prescrições rituais e jejuando até duas vezes por semana[2]. Não eram pessoas de relevo social destacado, não pertenciam às classes dirigentes nem aos príncipes dos sacerdotes ou aos anciãos do povo. Apenas algumas poucas personalidades de destaque, como Nicodemos, mantinham relações com estes. Na sua maior parte, eram gente humilde, da plebe, ou seja, eram am ha’aretz[3], daqueles que os escribas instruídos e os ricos saduceus evitavam, com suspeita e desprezo. Muitos destes tinham origem galileia, o que se notava pelo sotaque . Mas vinham também de outras regiões da Palestina, assim como das mais longínquas colônias judaicas em terras de infiéis, do Ponto, do Egito, da Líbia, da Capadócia (cf. At 2 ,9); encontravam-se até entre eles romanos e árabes: uma curiosa diversidade que aparentava desde o início a vocação universalista da Igreja.
Ainda que nestes primeiros inícios continuassem a participar na sinagoga e em suas cerimônias, tudo tinha para eles um novo significado, na medida em que já não esperavam mais pela vinda do Mashiach (Messias), porque sabiam que Ele já tinha vindo, e já tinha cumprido a Promessa, e já tinha realizado a Nova e Eterna Aliança. Isso, como se pode supor, fazia toda a diferença.
Reinava entre eles uma grande harmonia. Inicialmente , haviam-se denominado Discípulos, porque tinham tido um Mestre, um Fundador; depois de algum tempo, porém, pareceu-lhes que precisavam de uma expressão mais conveniente para se designarem e à misteriosa comunhão que os mantinha unidos-irmanados; daí em diante, passaram a chamar-se irmãos. Mas não formavam uma seita como tantas outras que havia em Israel. Não exibiam a austeridade exterior dos fariseus, que se mostravam constantemente com seus filactérios enrolados nos braços e atados às frontes, vestidos de luto e aparentando importância, nem perdiam tempo discutindo os muitos preceitos que regulamentavam o descanso do sábado.
Também não se retiravam do mundo para passar os dias inteiros a rezar, meditar e jejuar, como faziam os essênios que, na solidão do Mar Morto, haviam instalado grupamentos conventuais, renunciando às esposas e, vestidos de linho branco, optavam por um caminho ascético radical.
Por outro lado, não tinham constituído qualquer sinagoga independente, algo que poderiam fazer segundo a antiga Lei (havendo um mínimo de dez fiéis), como tinham feito muitos grupos judaicos oriundos de colônias distantes. Não procuravam se isolar ou viver uma vida de reclusão; ao contrário, eram acessíveis a todos, e seus líderes eram abertos. Qualquer um podia se unir a este pequeno grupo, bastando demonstrar boa vontade e o humilde desejo de saber sobre a vida e a obra do seu divino Fundador, para aderir à sua Boa Nova.
Seria impossível enquadrar as pessoas dessa comunidade tão original em alguma das correntes religiosas estabelecidas no mesmo cenário. Mas que laço tão forte seria esse, que mantinha unido e coeso tal grupo, sem aparentemente precisar delimitar barreiras rígidas ao seu redor? A resposta resumia-se numa breve afirmativa que resumia a Fé e, logo, o seu modo de vida todo: “O Messias prometido já veio para o meio de nós; encarnou-se e se deu em Sacrifício pela nossa salvação, vencendo o Pecado e a morte”.
Hoje é muito difícil captar o sentido impactante que essa Revelação trazia, e os seus efeitos naqueles que eram alcançados por ela. Ora todo judeu estivera esperando pela notícia da vinda do Messias desde que se conhecera por gente. Tal consumação das Escrituras estivera ligada ao dogma nacional da eleição divina, e só fizera ganhar força e importância com o passar dos tempos, com a fé na antiga Promessa feita ao Patriarca Abraão por Deus, e depois reafirmada muitas vezes: a Jacó no sonho de Betel, a Moisés no Sinai, aos Reis pelos Profetas. Até mesmo – e talvez especialmente –, quando a desgraça se abateu sobre o povo eleito, essa viva esperança enchia os corações de consolação e de um poderoso ânimo para enfrentar os sofrimentos cujo sentido não podiam encontrar por suas próprias forças.
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[1] Cf. Jo 10,23 e At 5,12; 3,11.
[2] Enquanto o Senhor Jesus vivia neste mundo, seus discípulos foram censurados por não jejuarem, ao que o Mestre respondeu: “ “Podem porventura jejuar os convidados das núpcias, enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não lhes é possível jejuar. Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então jejuarão” (Mc 2,19-20). A Igreja primitiva mantinha o costume do jejum bissemanal introduzido pelos fariseus, como se vê pelo monólogo do fariseu no Templo, na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,12).
[3] Este termo tem origem talmúdica. Significa literalmente “povo da terra” e originalmente poderia aludir ao povo de Israel, mas o seu significado mais usual a partir do Talmud denota pessoas que trabalham a terra, ou seja, “camponeses”. A partir daí, tornou-se sinônimo de “gente da terra” com sentido de pessoa vulgar, sem educação; ignorante, inculto, grosseiro. Nos últimos anos, foi reapropriado por alguns eco-judeus para enfatizar a conexão dos judeus com a terra.
(Jewish English Lexicon, verbete Am Ha’aretz. Disp. em: https://jel.jewish-languages.org/words/1467 | acesso em 30/8/2022)
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