Módulo 8: Dogmática 1 | Mistério da Igreja e lógica humana


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Depois de nos debruçarmos
sobre o problema da liberdade cristã e o livre arbítrio, precisamos entender que o influxo desse mesmo livre arbítrio não é peculiar exclusivamente à Fé religiosa; verifica-se também em relação a todas as verdades que repercutem sobre a nossa vida moral. Já Leibniz (imagem)[1] observou, com sabedoria, que se as matemáticas tivessem consequências éticas, o homem logo tentaria pô-las em dúvida. Não é tão paradoxal, como parece, o dito de Pascal: “Ao que não ama a Deus é impossível ser convencido da verdade da Igreja”[2].

    Queria ele significar que, para aceitar o Mistério da Igreja, devemos antes retificar a nossa vontade em relação ao fim supremo, porque, se esse fim nós o colocamos fora de Deus, é claro que essa disposição vai influir sobre nossa inteligência, levantando uma nuvem de sofismas que nos impedirão de perceber a credibilidade da Igreja. Básico. Claro que é um trabalho bastante árduo entregar-se a uma Verdade tão exigente como é a do Evangelho; é terrível dizer, mas é muito mais fácil sufocar a inspiração da Graça divina em nós do que aceitá-la sem nenhuma resistência. Muitos, em tais questões, facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou pelo menos duvidoso aquilo que, no fundo, não desejam que seja verdadeiro.

    Ao contrário, uma vontade reta e acolhedora colocará a inteligência na melhor posição possível para descobrir a verdade moral; pois o amor à verdade é a melhor ferramenta para encontrá-la. Assim, a participação da vontade na Fé religiosa não tem por finalidade suprir uma suposta deficiência das razões de crer, mas sim de fazer com que o intelecto lhes perceba melhor a validade.


    A necessidade da preparação moral à Fé se nota com facilidade na história das conversões. Entre vários outros exemplos, citamos o de Charles de Focauld: após uma adolescência e primeira mocidade ímpias, escandalosas até, esse ex-oficial de cavalaria e explorador do Marrocos, que apesar de seus desvarios conservava nobre sua alma, começou a sentir na alma certa inquietação, certo desejo de virtude. O exemplo de parentes seus, que não apenas professavam de boca, mas viviam o Catolicismo, leva-o a suspeitar de que talvez na Religião encontrasse a Verdade. Implora, então, humilde: “Meu Deus, se Vós existis, dai-me a conhecer!”.

    Entende então Focault que, para chegar à Fé, falta-lhe instrução religiosa; certa manhã, apresenta-se ao confessionário, e um sacerdote de excepcional virtude, o Abade Huvelin, o atende. Sem se ajoelhar, o buscador da Verdade declara: “Senhor Padre, não tenho fé; venho pedir-lhe que me instrua”. O padre então o fita com firmeza e diz: “Ponha-se de joelhos, confesse-se a Deus e encontrará a Fé”. A isso, tentou retrucar Focault, hesitante: “Mas eu não vim para isso...”, no que foi cortado pelo padre: “Confesse-se!”. Sentiu então Focauld que a acusação dos seus pecados era, para ele, uma condição da Luz.

    Ajoelhou-se confessou todos os pecados da sua vida. Recebeu, então, tamanho dom de Fé que, em breve, transformou-se num dos mais espantosos heróis cristãos de todos os tempos[3].

    O que impele a vontade humana a buscar a Deus é o fato de a Fé ser muitas vezes apresentada como um bom motivo, por ela mesma, como um bem desejável por si. Todavia, o Deus que a Revelação manifesta não é apenas objeto de pensamento, é também o fim concreto em função do qual toda a vida humana deve se organizar. Nada menos! Tal fim beatificante deve apetecer à alma, ao menos às almas sensatas, honestas, puras. Longe de ser algo frio e impessoal, como o saber científico, a Fé é a atitude pessoalíssima de um espírito que livremente se abre à Verdade divina, por confiar n’Aquele que dá testemunho de Si mesmo.

    A razão justifica, sim, o ato de Fé, mas a razão não é a força que nos impele a produzir esse ato, não apenas pelo fato de a Revelação ser misteriosa e permanecer-nos em grande medida oculta, como também porque esta nos apresenta uma doutrina de vida e não só uma verdade teórica. Belas verdades teóricas temos muitas, em diversas e distintas religiões pagãs, que porém não contém a Verdade da nossa salvação: “Escrevemos a fim de que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu Nome” (Jo 20,3).

    É claro que a Mensagem evangélica visa, além do intelecto, a pessoa toda, pois é esta que vive. Portanto, dependerá muito da atitude que cada pessoa adotará diante dessa vida nova – a “vida divina” que se lhe oferece –, a aceitação ou a rejeição da Doutrina. A quem deseja a Verdade e a Vida, logo se lhe apresentarão argumentos justificativos da crença; a quem não a deseja, não convencerão nem as mais sólidas razões e nem mesmo os mais portentosos milagres, como já vimos aqui. É a honestidade da alma que leva à Verdade da Religião autêntica.

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[1] Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 — 1716), cientista e filósofo alemão de grandes realizações no campo da Matemática, com importantes contribuições para a Física e para a tecnologia, cuja obra antecipou noções que surgiriam muito mais tarde na Filosofia, na teoria das probabilidades, na Biologia, na Medicina, na Geologia, na Psicologia, na Linguística e até, posteriormente, na Informática. Escreveu sobre Filosofia, Política, Direito, Ética, Teologia, História e Filologia. Seu trabalho com o sistema de números binários veio a se tornar a base dos computadores digitais. Em Filosofia, é conhecido por sua conclusão de que nosso Universo é, em sentido restrito, o melhor de todos os mundos possíveis que Deus poderia ter criado, uma ideia ridicularizada por figuras como Voltaire. Leibniz, juntamente com René Descartes e Baruch Spinoza, foi um dos três grandes defensores do racionalismo no século XVII. Seu trabalho antecipou a lógica moderna e a filosofia analítica, mas sua filosofia também remete à tradição escolástica, na qual as conclusões são produzidas aplicando-se a razão aos primeiros princípios, e não às evidências empíricas.

[2] Apud PENIDO (1956), p.21.

[3] O resumo da história de conversão de Focauld é de PENIDO (1956), p. 22.

Bibliografia do Módulo 7

 

BIBLIOGRAFIA utilizada neste volume e recomendada*


PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação teológica, vol I: o Mistério da Igreja, 11ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1956.


TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 6ª ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961.


FABER, Frederick William. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2019**.


CHARBEL, Antônio. Introdução Geral e Especial ao Antigo Testamento; Pentateuco e Livros Históricos, São Paulo: Realeza, 2022.


DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.



AGOSTINHO. O Livre arbítrio. São Paulo: Paulus, 1997.


AGOSTINHO. A Cidade Deus. Trad. J.Dias Pereira. Lisboa: Fund. Calouste 

Gulbenkian, 2008. 


GILSON, Etienne. Introduction à l’étude de saint Augustin. Paris: Libr. Philos. J. Vrin. 2ª ed. , 1929. 


LAURENTIN, René. Pedro, o primeiro Papa, 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2006.


SÃO BOAVENTURA, Itinerário da mente para Deus. Petrópolis: Vozes, 2012.


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Módulo 7: Ascética e Mística 2 | Manual prático para a vida interior – lição V


Lições de São Boaventura[1]


Bem-aventurado o homem, ó Senhor, que de Vós recebe ajuda. Ele dispôs no seu coração os degraus para se elevar deste vale de lágrimas até o lugar onde está o termo de vossos desejos.


A felicidade não é senão o desfrute do Sumo Bem, que é Deus[2]. E o Sumo Bem está acima de nós. Ninguém, por consequência, pode ser feliz senão elevando-se acima de si mesmo, por óbvio não com o corpo, mas com o coração[3]. Mas, para elevarmo-nos acima de nós mesmos, temos necessidade de uma virtude superior. E, ainda assim, quaisquer que forem as nossas disposições interiores, para nada servem se a Graça divina não nos ajudar. Ora, o auxílio divino está sempre ao alcance daqueles que o pedem do fundo do coração, com humildade e devoção. Quer dizer, é dado só aos que, suspirando, voltam-se para Deus, deste “vale de lágrimas” – que é o mundo em que vivemos, cujo príncipe é o Diabo (cf. Jo 16,11) e cujo deus é Satanás (cf. 2Cor 4,4) – com ardente oração

A oração é, pois, o princípio e fonte de nossa elevação a Deus. Com efeito, Dionísio, em seu livro acerca da Teologia Mística[4], querendo nos instruir sobre os arrebatamentos da alma, começa primeiro com uma oração. Roguemos, portanto, e digamos ao Senhor nosso Deus: “Conduzi-nos, ó Senhor, em vossa via, e eu caminharei na vossa verdade. Que o meu coração se rejubile no temor de vosso nome (Sl 85,11).

Rezando assim, nosso espírito se ilumina para conhecer os diversos degraus de nossa elevação a Deus. Com efeito, na atual condição de nossa natureza, o Universo é a escada pela qual ascendemos até o Criador. Ora, entre os seres criados, alguns são o vestígio do Criador, outros, ao invés, são sua imagem[5]. Alguns são materiais; outros, espirituais. Alguns são temporais; outros, eviternos[6] . E, por isso, uns estão fora de nós; outros, dentro de nós. Para chegarmos à consideração do primeiro Princípio essencialmente espiritual, eterno e acima de nós, é necessário passarmos pelo vestígio, que é material, temporal e exterior. Isto significa pormo-nos na via de Deus. É necessário que entremos em nossa mente, que é a imagem eviterna de Deus, e é espiritual e está em nosso interior. E isto significa “caminhar na verdade de Deus”. É necessário, enfim, que nos elevemos até o ser eterno, espiritualíssimo e transcendente, fixando o olhar no primeiro Princípio. Isto significa alegrarmo-nos no conhecimento de Deus e na absoluta reverência à sua Majestade.

Tal é a viagem de três dias na solidão[7] dos quais o primeiro pode ser comparado ao anoitecer, o segundo à manhã, o terceiro ao meio-dia.

Com o texto que reproduzimos até aqui, esperamos ter despertado em nossos estudantes o interesse pela maravilhosa obra de São Boaventura, a qual é recomendadíssima para os católicos interessados em Ascética e Mística e certamente não pode ser resumido em uma breve lição. Mas deste início de leitura, o que podemos apreender é algo realmente necessário à nossa busca prática por Deus, a saber:


1. É Deus o Sumo Bem.


A compreensão dessa verdade fundamental da Teologia em um nível não meramente teórico, mas profundamente interior, transforma a vida do crente em todos os sentidos. Porque a raiz de todos os nossos sofrimentos está no engano de transferir nossas esperanças e assim concentrar nossas melhores energias em coisas acidentais, como as criaturas e as experiências deleitosas que podemos encontrar neste mundo. Tais coisas rapidamente se tornam em vias de fuga da realidade, quando esta é árida ou parece dura demais para a nossa sensibilidade.

Santo Tomás diz que Deus é o Sumo Bem de modo absoluto, totalmente e não apenas em determinado sentido ou segundo certa ordem de coisas. Assim, todo bem é atribuído a Deus, enquanto todas as perfeições desejadas d’Ele emanam, pois Ele mesmo é a Causa, a Fonte, a Origem de todo bem, isto é, de tudo que é verdadeiramente bom para nós. Pode parecer coisa simples, mas a importância dessa verdade é tal que, se realmente entendermos e realmente o soubermos =, com plena certeza em nosso íntimo, e se realmente assumirmos essa verdade essencial em nossas vidas, teremos a completa transformação de nossa realidade íntima e, a partir daí, também da realidade que nos cerca. Este é o resultado infalível da vida interior-espiritual bem vivida.

Nada há de mais importante que Deus, porque tudo o mais que nos cerca é temporal, efêmero, mutável e incerto. E todo bem – absolutamente todo e qualquer bem – ao qual possamos nos afeiçoar nesta vida, é dádiva de Deus, só nos é possível mediante a Bondade e a Graça de Deus. Antes de desfrutar de qualquer coisa, só existimos e apenas somos capazes mesmo de desfrutar qualquer coisa por dom de Deus. Assim é que amar a Deus antes e acima de absolutamente qualquer coisa, mesmo nossa própria existência, não só é o primeiro Mandamento e obrigação, mas também é o que somos obrigados fazer por justiça. 

A partir do momento em que o cristão alcança este ponto do Caminho sagrado, saberá que o estudo da natureza (ou da Criação), bem como o seu desfrute, só pode fazer sentido como contemplação de Deus, que é seu Criador, Mantenedor e também o seu Destruidor, no tempo oportuno. Tudo aquilo que um dia foi e deixou de existir assim foi e assim deixou de ser por Vontade de Deus, em sua Sabedoria que não podemos alcançar. Por isso diz o verso que abre esta lição: “Bem-aventurado o homem, ó Senhor, que de Vós recebe ajuda. Ele dispôs no seu coração os degraus para se elevar deste vale de lágrimas até o lugar onde está o termo de vossos desejos”. Já temos aqui uma maravilhosa inspiração e fonte para a nossa meditação, que poderá ser repetida diariamente. Plantar e cultivar dentro de si a compreensão de Deus como Sumo Bem e única Fonte de todos os bens para nós.

2. Deus é Quem possibilita crescer interiormente e tudo quanto precisamos. Para que Ele assim nos auxilie, devemos pedir da maneira certa.


Mesmo que tenhamos boa vontade e um desejo sincero, de nada nos servirá se a Graça divina não nos socorrer. E o imprescindível auxílio divino contempla continuamente àqueles que o pedem com amor e com entrega. Com ardente oração, entre suspiros de amor sincero por Deus, o que não é outra coisa senão a consequência do ponto n.1 que acabamos de ver. Pense o estudante na coisa que mais ama: plenamente consciente de que essa mesma coisa só existe por dom de Deus, e que só pode ser conhecida por dom de Deus, e que, antes disso, aquele que conhece e ama só existe, e só existindo pode conhecer e amar a qualquer coisa que seja por dom de Deus, então não há como não amar antes e mais do que tudo a Deus, Fonte inesgotável de graças e de todos os bens. 

Se quisermos avançar deste ponto apenas mais um passo, resta lembrar que qualquer bela criatura e/ou todo e qualquer tipo de bem que pudéssemos considerar a partir de nossa experiência enquanto criaturas mortais vivendo em um “vale de lágrimas” que é o mundo ferido pelo Pecado, não passa de pálido reflexo do Criador, de Quem toda criatura e todo bem retira sua existência, encanto e força para ser o que é.

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[1] Trecho da obra de SÃO BOAVENTURA (vide biografia) ampliado e adaptado para  esta formação. O PDF do livro está disponibilizado para alunos desta formação neste link.

[2] “Deus é o Sumo Bem, absolutamente, e não só num determinado gênero ou ordem de coisas. Assim, todo bem é atribuído a Deus, enquanto todas as perfeições desejadas d’Ele efluem, como de causa” (STO. TOMÁS DE AQUINO. ST, I, q.6  a.2). 

[3] O termo coração (cor, cordis) significa aqui, como desde tempos imemoriais sempre significou, a sede [com sentido de matriz, capital, central] dos sentimentos e das emoções no ser humano, o “lugar” espiritual onde se tece e se une toda a trama afetiva da pessoa. Assim é que na etimologia da palavra “misericórdia” está o verbo “miserere” (compadecer-se): o adjetivo “miser” (pobre miserável, desgraçado, digno de compaixão) junto com o mesmo cordis mais “ia”, que indica qualidade ou virtude. Podemos, portanto, dizer que misericórdia é a qualidade que se traduz em ter o coração (sentimento, sentido da alma) unido (compadecido) à dor dos desventurados, pobres, miseráveis e/ou daqueles que sofrem (cf. ALONSO, Carmen, "La maternidad divina de María, paradigma de la misericordia cristiana", Iglesia y Familia, 37- novembro/2016, pp. 1-10.).

[4] Dionísio. De mystica Theologia e. 1 §1 (PG 3, 998), apud BOAVENTURA (2012), p.23.

[5] “Vestígio” é basicamente um termo que Boaventura aplica às criaturas, tanto corporais como espirituais, enquanto de longe, mas de maneira distinta, representam a Deus como causa determinada e inconfusa; causa eficiente, formal e final. Os vestígios levam ao conhecimento dos atributos comuns e apropriados de Deus (como o são o poder, a sabedoria, e a bondade). Por isso é possível vislumbrar, por meio do vestígio, o mistério da Santíssima Trindade. “Imagem” é a maneira pela qual uma criatura representa a Deus como objeto de modo próximo e distinto. A imagem considera as propriedades que têm a Deus por objeto. Leva ao conhecimento dos atributos próprios das Pessoas divinas na Trindade (como a paternidade, a filiação etc.). Esta representação só é possível nos seres espirituais. Por meio da imagem, a criatura pode assemelhar-se a Deus pelo conhecimento e pelo amor (cf. Lexicon Bonaventuriano, p.733). Estes conceitos são  mais familiares aos leitores de São Boaventura, mas não são fundamentais para a compreensão desta lição. Apud BOAVENTURA (2012), p.24.


[6] Refere-se à qualidade das criaturas espirituais, que não possuem a simultaneidade absoluta de Deus, mas também não estão sujeitas à sucessão do que é composto de matéria. Assim, dizemos de Deus que é eterno; quanto às criaturas, as corpóreas são chamadas temporais; as espirituais, eviternas.

[7] Alusão mística a Êxodo 3,18.

Módulo 7: Ascética e Mística 1 | Métodos para a vida interior


Dissemos já aqui
que falar de espiritualidade é tratar de uma ciência que se vive mais do que que se explica, e que portanto é preciso demonstrar como é que se pode vivê-la na prática. Dissemos ainda que, para que isso fosse possível, seria necessário ler boas biografias de Santos – de diversas condições, ambientes, culturas e países –, para verificar de que maneira as regras ascéticas foram interpretadas e adaptadas por essas grandes almas aos tempos (diversos) em que viveram, assim como também às diferentes nações, e ainda aos deveres de estado de cada um. Destacamos que, para tanto, faz-se necessário conhecer os obstáculos que se opõem à prática da perfeição, e dos meios empregados para triunfar sobre eles. Assim é que aos estudos e à boa leitura é preciso juntar a observação da vida e da natureza, como apontava Santo Agostinho em suas Confissões.

Módulo 7: História da Igreja 2 | A Pedra — conclusão


Como se não bastassem as provas sobre a primazia de Pedro apresentadas na aula anterior (reveja), vê-se claramente que em todo o contexto do Novo Testamento, como também na sua própria literalidade, está demonstrado continuamente que Pedro tinha a palavra final nos assuntos da Igreja primitiva, em muitas passagens. Vejamos alguns exemplos:

        • Em todos os Evangelhos, sem exceção, é sempre Pedro o primeiro entre os Doze Apóstolos. Ele foi agraciado com a primeira aparição do Cristo Ressuscitado (1Cor 15,5; Lc 24,34);

        • É Pedro quem decide que se fará a eleição de um discípulo para ocupar o lugar de Judas Iscariotes e completar o Colégio dos Doze (At. 1, 15-22);

        • É Pedro o primeiro que prega o Evangelho aos judeus no dia de Pentecostes (At. 2, 14; 3, 16);

        • É Pedro quem resolve receber na Igreja os primeiros gentios (At. 10, 1);

        • Pedro realiza visitas pastorais às igrejas (At. 9, 32);

        • Pedro é o Apóstolo sobre o qual o NT mais fala: o único dos Doze cuja vida pode ser descrita com uma precisão viva e marcante. Os Evangelhos e os Atos diferenciam-se da hagiografia convencional na medida em que mostram os defeitos e pecados de Pedro, da mesma maneira que destacam suas qualidades, virtudes, milagres e atos heroicos.

        • No Concílio de Jerusalém, temos a prova escriturística definitiva e incontestável: pois essa passagem demonstra como o próprio Apóstolo Pedro confirmou a verdade que aqui apresentamos, quando disse, no meio de todos os Apóstolos e presbíteros da Igreja reunidos, no primeiro Concílio (de Jerusalém): “Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho e cressem” (At 15,7). E assim ele põe um fim à longa discussão que ali se travava, decidindo ele que não se deveria impor a circuncisão aos pagãos convertidos. E ninguém ousou opor-se à sua decisão: as Escrituras testemunham como a Igreja (toda a assembleia reunida) calou-se para ouvi-lo, silenciosamente, e como assim é que ficou decidido, e como todos obedeceram sem questionar (a passagem completa encontra-se em At 15, 1-12).

    É por isso que até hoje os cristãos não circuncidam os seus recém-nascidos: Pedro aboliu a circuncisão, com a autoridade que o próprio Cristo lhe deu. O primeiro documento conhecido dado por um Papa é o de Clemente I, ainda do primeiro século. Trata-se de uma intervenção numa disputa em Corinto. Já no século II, Santo Inácio, e algum tempo depois Santo Ireneu, enfatizaram a posição única do Bispo de Roma.

    O papado é uma das instituições mais antigas e duradouras do mundo e, sejamos católicos ou não, temos que reconhecer que teve uma participação proeminente na História da humanidade. De São Pedro até s nossos dias, foram mais de 260 Papas, numa sucessão apostólica direta. Muitos grandes generais, governantes e poderosos ditadores inimigos da Igreja lutaram contra ela, querendo o seu fim. Mas a Profecia do Senhor nunca deixou de se cumprir: o Inferno não prevalece contra a Igreja edificada por Ele.

    Essa autoridade de Pedro, assim como a de todos os Apóstolos, era e continua sendo transmitida de um homem para outro, sendo eleitos os novos sucessores pelo Colegiado dos Apóstolos, através dos tempos. No caso de Pedro, as Chaves do Reino dos Céus, entregues diretamente por Jesus Cristo, vêm sendo transmitidas, nesses dois mil anos de história, através do Papado. Dizer que a autoridade de Pedro morreu com ele seria o mesmo que renegar a Promessa do Senhor Jesus: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado. Eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (Mt 28,20)[1].

    Se o Senhor prometeu que continuaria com a sua Igreja até o fim do mundo, também a autoridade que Ele concedeu à sua Igreja tem que permanecer, até o fim dos tempos. Esta é a Sã Doutrina católica. Esta é a Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras. Esta é a Tradição Cristã, de dois mil anos de história. Quem pregar o contrário, seja anátema. Porque,

“...de fato, não existem ‘dois evangelhos’: existem apenas pessoas que semeiam a confusão entre vós, e querem perturbar o Evangelho de Cristo. Mas ainda que alguém, nós ou um anjo baixado do Céu, vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que seja anátema.” (Gálatas 1, 6-8)

    Amém. Graças a Deus.

    Não poderíamos ainda dar por concluída a resolução deste problema sem refutar o outro pseudoargumento mais comum dos que não se conformam com a simples verdade. Como os fatos que apresentamos até aqui, quando analisados de perto são inquestionáveis, numa tentativa desesperada de negar a realidade do Primado de Pedro, alguns outros chegaram a criar outra interpretação espúria segundo a qual, sim, a Pedra era Pedro (já que isso é inegável), mas em grego a palavra para pedra grande seria petra, que significa rocha grande. Já palavra usada como nome para Simão, petros, significaria uma pedra pequena, uma “pedrinha”. Os pobres católicos estariam se iludindo, pensando que Jesus comparava Pedro a uma rocha, mas a realidade seria o contrário: o Senhor estaria, aí, contrastando, de um lado, a rocha sobre a qual a Igreja seria construída, o próprio Jesus (‘Petra’). De outro, essa mera pedrinha (‘Petros’)... Jesus estaria, assim, querendo enfatizar que Ele mesmo seria o fundamento da Igreja, e que Simão não estava nem de longe qualificado para tanto.

    Essa segunda suposição é tão fraca e desprovida de fundamento que, neste sentido, chega a dificultar a resposta: de tão absurdo, hesita o teólogo católico, enquanto decide por onde começar a desmantelá-lo. Primeiramente, vemos o quanto são desunidas as denominações “evangélicas”, e notamos como o único objetivo que têm realmente em comum é renegar o Catolicismo e a legítima Igreja de Cristo: porque se o Evangelho de Mateus não está se referindo a Pedro, mas ao próprio Jesus Cristo, então estaria chamando o Senhor de “pedrinha”?! Assim, uma “igreja evangélica” acaba ridicularizando a teoria da outra, na tentativa de negar o catolicismo. Porque se houvesse mesmo essa alegada diferença nas expressões em grego (que não existe, como veremos), isto só serviria como uma comprovação a mais de que Jesus não estava se referindo a Si mesmo nessa frase.

    Porém, como sabe todo conhecedor do grego antigo (católico ou não), os termos petros e petra eram sinônimos nesse idioma no século I. Essa distinção de significados pode ter existido séculos antes de Cristo, mas havia desaparecido no tempo em que o Evangelho de Mateus foi traduzido. Como podemos ter absoluta certeza disso? Simples: a diferença de significados existe apenas no grego ático, e o Novo Testamento foi escrito no koiné, um dialeto bastante diferente. Em koiné, tanto petros quanto petra significam “pedra” ou “rocha”. Se Jesus quisesse chamar Simão de “pedrinha”, teria usado o termo lithos. Mas isso evidentemente não faria sentido, observando-se o contexto da passagem, pois Nosso Senhor está saudando e parabenizando a Simão, chamando-o “bem-aventurado”; Cristo o presenteia de um modo impressionante, com as chaves do Reino dos Céus e o poder de ligar e desligar na Terra o que será ligado e desligado no Céu! Não haveria sentido algum em fazer isso e, ao mesmo tempo, diminuir Pedro, chamando-o com um termo depreciativo.

    Estamos diante de uma questão realmente tão simples, que até estudiosos importantes de igrejas protestantes históricas o reconhecem: nesse sentido podemos citar, por exemplo, a respeitável obra de D. A. Carson e Frank E. Gaebelein, “The Expositors Bible Commentary”. Mas há os que insistem em ignorar o óbvio, e são os mesmos que costumam interpretar a Bíblia sempre literalmente, em tudo que não faz sentido, como no caso da proibição às imagens, por exemplo. Mas quando é para negar a autoridade da única Igreja instituída diretamente por Cristo, ainda que seja coisa totalmente evidente, mesmo que esteja escrito explicitamente, aí vão procurar interpretações desnecessariamente complexas a partir do grego.

    Com certeza é importante estudar os textos sagrados nos idiomas originais. E, por isso mesmo, não podemos nos esquecer que a origem dos Evangelhos não está na língua grega. As narrativas que possuímos hoje foram traduzidas de manuscritos dados originalmente em aramaico, já que esta era a língua falada por Jesus, pelos Apóstolos e por todos os judeus da Palestina. Era essa a língua corrente da região, e sabemos com certeza que Jesus falava aramaico, também, devido a algumas de suas palavras que foram preservadas nos próprios Evangelhos e traduzidas para o grego, como em Mt 27, 46, onde Ele diz, na Cruz: “Eli, Eli, Lama Sabachtani”. Isto é aramaico, e significa, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

    Os livros do NT de que dispomos hoje estão escritos em grego porque não visavam apenas os cristãos da Palestina, mas também os de outros lugares, como Roma, Alexandria e Antioquia, onde o aramaico não era falado, e é por isso que também os Evangelhos foram traduzidos. Muito importante: nas epístolas gregas de Paulo (por quatro vezes em Gálatas e outras quatro em 1Coríntios), preservou-se a forma aramaica do novo nome de Simão. Em nossas Bíblias, aparece como Cefas. Isto não é grego, mas sim uma transliteração do aramaico Kepha (traduzido por Kephas na forma helenística).

    Assim, sabemos o nome que Cristo realmente deu a Simão, na língua em que eles falavam. Seu nome era Simão, mas Deus lhe conferiu um novo nome, como fizera antes com Jacó e com Abrão ao dar-lhes suas missões fundamentais na História da Salvação. Desde então, sempre fizeram assim os Papas ao assumir a Cátedra Petrina, escolhendo um nome apostólico pelo qual serão chamados a partir daí. Foi assim que o Senhor fez com Simão, mudando seu nome, por ter sido ele o primeiro a confessar que Jesus era o Cristo: Nosso Senhor chamou-o Kepha. E o que significa essa palavra em aramaico? Significa rocha, uma pedra grande e maciça: é este o mesmo sentido de petra, em grego.

    Já a palavra aramaica para uma pequena pedra é evna. O que Jesus realmente disse a Simão, numa tradução mais literal, em Mt 16, 18 foi: “A partir de agora tu és Rocha e sobre esta Rocha construirei a minha Igreja”. Algo novamente óbvio, afinal, não se poderia edificar nada sobre uma “pedrinha”. Quando se conhece o que Jesus disse em aramaico, percebe-se que Ele comparava Simão a uma rocha; não estava comparando-se a Si mesmo com o Apóstolo, de modo algum; isso seria absurdo. Também podemos comprovar esta realidade, vividamente, em algumas versões modernas e mais apuradas da Bíblia em língua inglesa, nas quais este versículo é muito bem traduzido: “You are Rock, and upon this rock I will build my Church”. Já em francês, sempre se usou apenas o termo “Pierre”, tanto para o novo nome de Simão quanto para rocha.

    O fato simples e concreto é que não é preciso se perder em estudos linguísticos complexos nem em traduções de línguas orientais antigas para entender a questão. Além de toda evidência gramatical, a própria estrutura da narração de Mt 16 15-19 não permite uma diminuição do papel de Pedro na Igreja. Basta observar a forma na qual se estruturou o texto. Haveria algum sentido em Jesus dizer uma frase mais ou menos parecida com esta: “Bendito és tu, Simão, pois não foi a carne nem o sangue que te revelaram este Mistério, mas meu Pai, que está nos Céus. Por isto eu te digo: és uma pedrinha insignificante, e sobre a Rocha, que sou eu mesmo, edificarei a minha Igreja. Por isso Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”(!?)...

    Uma “tradução” deste tipo torna-se cômica. Somente um indivíduo dotado de muita má vontade para aceitar tal insanidade. A verdade, que está na Escritura para quem quiser ver, é que Jesus abençoa Pedro triplamente. O Senhor coloca Pedro como uma espécie de comandante ou primeiro ministro abaixo do Rei dos reis, dando-lhe as chaves do Reino. Assim como em Isaías (22,22), época em que os reis apontavam um comandante para os servir, em posição de grande autoridade para governar sobre os habitantes do reino: pois Jesus cita quase que verbalmente esta passagem de Isaías, o que torna claríssimo aquilo que Ele tinha em mente.

    Terminou? Ainda não. Eis que, numa última tentativa de argumentar, vão dizer ainda certos “evangélicos” de má vontade: “Então, se ‘kepha’ significa o mesmo que ‘petra’, porque a versão grega não traz ‘Petra’? Por quê, para o novo nome de Simão, Mateus usa o grego ‘Petros’?” Bem. o tradutor de Mateus precisou fazer isso, simplesmente, porque não teve escolha. Grego e aramaico possuem diferentes estruturas gramaticais: em aramaico, pode-se usar somente kepha na passagem em questão. Mas em grego, encontramos um problema: os substantivos possuem terminações diferentes para cada gênero. Em grego, existem substantivos femininos, masculinos e neutros, e a palavra petra é feminina. Assim, não se pode usá-la para traduzir o novo nome de Simão, somente porque se trata de um homem, não de uma mulher.

    Ao traduzir para o grego, foi preciso “masculinizar” a terminação do nome. Fazendo-o, surgiu o termo Petros, da mesma maneira como no português não dizemos “Apóstolo Pedra”, já que se trata de um homem e o substantivo pedra é feminino. Também em português, então, foi preciso criar o masculino de pedra, que deu em “Pedro”. Uma observação final: no português, “pedra” pode ser usado tanto para uma estrutura gigantesca como a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, quanto para uma pequenina pedra que atiramos a um rio. Por certo, na tradução do aramaico para o grego perdeu-se parte do jogo de palavras usado pelo Senhor, assim como na tradução para o português.

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[1] Neste ponto convém citar, de passagem, que, ainda que se confirmem as teses sedevacantistas ou sedeprivacionistas, isso não altera a verdade da continuidade perpétua da Sucessão Apostólica: representaria apenas um longo interregno, algo que seria possível nos tempos da grande apostasia.

Módulo 7: História da Igreja 1 | A Pedra


Pedro, que antes era chamado Simeão ou Simão Barjona
, resumiu melhor e mais perfeitamente do que qualquer teólogo em todos os tempos, com uma sentença, Quem era o Fundador da nova “seita” tão odiada pelos judeus, da qual ele era reconhecido como líder: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!”. Tal evento ficou registrado em todos os Evangelhos sinóticos, e de modo integral no de São Mateus (16,16)[1]. Era o Messias e, mais que isso, era o próprio Filho de Deus e Deus, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, Quem trouxera ao mundo a salvação e o Caminho da Verdade que eles seguiam.


    Pedro recebera o nome Simeão (hebreu, usado em At 15,314 e 2Pd 1,1) dito Simão, que é a versão grega do mesmo nome e que aparece cerca de cinquenta vezes no Novo Testamento (NT) e pode ser encontrado também na obra de Aristófanes[2], mas Nosso Senhor lhe dá esse novo nome, que significa rocha ou pedra, ligando-o de maneira direta ao fundamento da Igreja (Mt 16,18), em um passagem que não costuma ser lida nos púlpitos protestantes, a não ser, em geral, que o pregador pretenda deturpá-la, como já veremos. Em aramaico, o Cristo chamou Simão de Kephas. Este nome, que aparece nesta forma por nove vezes no NT[3], significa rocha. No NT, em geral, o nome aparece em sua variante helenizada, isto é, Petros, que aparece 150 vezes nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos. Ambas as formas, juntas na alcunha “Simão Pedro”, aparecem vinte vezes no NT.

    Pedro era filho de João (cf. Jo 1,42; 21,15ss) ou Jona, ou ainda Jonas, daí o sobrenome Bar-Jona (como aparece em Mt 16,17 ) ou Bar-Jonas (cf. Jo 1,42 e 21,15s)[4], em que bar significa “Filho de”. Jonas pode também ser uma abreviação de Johannes.

    Dada a importância de São Pedro, a qual começa a se desenhar para nós justamente a partir de sua Confissão, apresentaremos neste ponto um estudo completo sobre a natureza de seu nome – o novo nome, o nome que assumiu como Príncipe dos Apóstolos e Rocha da Igreja, dado diretamente por Nosso Senhor. Desmantelaremos assim um certa falácia que foi bastante difundida nos últimos tempos entre protestantes, embora nem todas estas comunidades compactuem desse mesmo desvio. Vejamos.

    A alegação que apresentaremos a seguir configura-se na principal tentativa protestante de explicar a passagem em que Jesus Cristo confere a Pedro a máxima autoridade sobre a sua Igreja, tornando-o a Rocha firme sobre a qual poderiam se fundamentar as gerações que n’Ele cressem, aderindo ao Evangelho e sendo batizadas. Claro, eles não podem aceitar o fato da maneira como está explicitamente narrado no Livro sagrado, porque vai diretamente contra a sua própria crença, fazendo ruir por terra todo o edifício dos Cinco Solas nos quais se apoiam[5].

    Essa é alegação mais usual dos chamados “evangélicos”: tentam argumentar que a “Pedra” citada por Jesus no Evangelho segundo São Mateus (16,18) não seria o Apóstolo Pedro, mas sim o próprio Jesus. Para tanto, apelam ao fato de que as Sagradas Escrituras, em outras passagens, identificam a Cristo como “Rocha” e “Pedra Angular”. Teologicamente falando, deve ser já claro para nossos estudantes que esta é, para dizer o mínimo, uma argumentação infantil. De fato existem passagens bíblicas em que os termos “pedra” e “rocha” se referem a Jesus, inclusive no próprio Evangelho de Mateus (21,42). Todavia é mais do que claro – é totalmente óbvio –, que isso não significa que todas as vezes em que a Bíblia usa essas palavras está se referindo exclusivamente a Jesus, Nosso Senhor. São muitos os exemplos que poderíamos usar para demonstrá-lo, por comparação: o próprio Cristo proclamou-se “Luz do Mundo” em Jo 8,12; mas Ele também disse aos Apóstolos que eles deveriam ser “Luz do Mundo”, como vemos em Mt 5,13. Assim, nem todas as vezes que a Bíblia fala em “luz” está se referindo exclusivamente a Jesus.

    Da mesma maneira, é claro que nem todas as vezes em que as santas Escrituras falam em “pedra”, estão se referindo a Jesus. Além da passagem de Mateus, temos Isaías 51,1-2: aqui, a “pedra” é Abraão. E também em 1Pd 2, 4-5 fala-se das “pedras vivas”, que, neste caso, são o próprio Jesus juntamente com os cristãos fiéis. Ora é mais do que evidente que Jesus ser chamado “Pedra Angular” é uma coisa, e o fato de o discípulo Simão Barjona ter sido feito, pelo próprio Jesus, a Pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja, é outra coisa, totalmente diferente. Tanto isso é claro que, na mesma ocasião, o nome do Apóstolo foi mudado, e para o quê? para Pedra (que na mudança da forma latinizada, vertida para o nosso idioma, no masculino, resultou em Pedro).

    Mais ainda do que isso, o fato de Jesus aplicar a Simão Filho de Jona(s) um título que o Texto sagrado aplica também ao próprio Jesus, demonstra a intenção do Senhor em fazer de Simão um representante seu na Terra, assim como acontecera antes com Abraão. Também este teve seu nome mudado (antes era Abrão) quando foi escolhido para conduzir o povo de Deus na Terra, e também este foi comparado a uma pedra ou rocha, exatamente como Pedro. E o Cristo ainda confirmou explicitamente qual sua intenção, por entregar a autoridade sobre sua Igreja a Pedro, quando lhe dá as Chaves do Reino, que lhe permitiriam “ligar” ou “desligar” na Terra o que seria “ligado” ou “desligado” no Céu. Além de tudo, a lógica mais elementar indica que, se Jesus estivesse naquele momento falando de Si mesmo, simplesmente diria “Eu sou a Pedra”, assim como disse “Eu sou a Luz do Mundo”, “Eu sou o Pão da Vida”, “Eu sou a Ressurreição e a Vida” ou “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, por exemplo. O Senhor nunca falou a alguém de sua própria Pessoa como se estivesse falando de um terceiro, e isso não faria nenhum sentido.

    Nosso Senhor, sem dúvida alguma, elevou Pedro como um “pai” para a família dos cristãos (Is 22,21), o pastor terreno a quem incumbiria de guiar o seu rebanho, algo que será mais uma vez confirmado logo após a Ressurreição: em João 21, 15-17, por três vezes Jesus pergunta a Pedro se este o amava, e por três vezes Pedro reafirma o seu amor e comprometimento. Então o Salvador, à véspera de deixar os seus discípulos, confia a Pedro a guarda do seu rebanho, isto é, da Igreja, e é importante entender que, naquele momento, confiava-lhe o cuidado de toda a Cristandade, fazendo questão de entregar a ele a guarda dos “cordeiros” e também das “ovelhas”. “Apascenta os meus cordeiros”, repete o Senhor por duas vezes; e à terceira, diz: “Apascenta as minhas ovelhas”. “Apascentar” significa cuidar, conduzir, guiar, assumir a responsabilidade pelo rebanho; neste caso, é receber do divino Proprietário a autoridade – com responsabilidade –, para guiar o seu povo pelo caminho reto. Apascentar os cordeiros e as ovelhas é, portanto, governar com autoridade do Céu a Igreja de Cristo; é ser o condutor: é ter o primado.

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[1] O primeiro Papa já o fizera antes, incompletamente, em Mt 14,33. Nos outros Evangelhos, o episódio da Confissão de São Pedro encontra-se em Mc 6,51ss e Lc 9,20.
[2] Apud LAURENTIN (2006), p. 8.
[3] Gl 1,18; 2,9; 11,14; 1Cor 1,12; 3,22; 9,5; 15,5. É chamado Petros em Gl 2,7-8.
[4] Também possível na versão sem o hífen, Barjona ou Barjonas. Algumas fontes chegam a sugerir que Barjona designaria Pedro como um zelote, mas isso não passa de uma frágil conjectura sem nenhum fundamento sólido.
[5] Sola, do latim, significa “somente”. Os cinco solas são os cinco superdogmas protestantes, a saber: 1) Sola fide (somente a fé basta); 2) Sola Scriptura (somente a Bíblia é a única regra de fé e prática), 3) Solus Christus (somente Cristo age para o nosso bem, sem a intercessão de nenhum santo), 4) Sola Gratia (somos salvos somente pela graça, independente de nossa participação ativa e das nossas boas obras no cumprimento da Vontade de Deus) e 5) Soli Deo Gloria (glória somente a Deus). Esses pilares da dita “Reforma” protestante estão, todos eles, contraditos nas Sagradas Escrituras, como veremos mais adiante em tópico futuro desta formação.

Módulo 7: Bíblia 2 | O Cânon dos Livros Sagrados

Definição e conceito


‘Cânon’ é como se chama ao catálogo, à lista ou à biblioteca dos Livros Sagrados


Ao homem que, inspirado por Deus, escreveu um Livro sagrado, segundo os modos que acabamos de estudar, dá-se o nome de hagiógrafo. Portanto, as Sagradas Escrituras, que são Palavra de Deus – mas não são A Palavra de Deus em sentido estreito, porque esta é Jesus Cristo mesmo –, têm como Causa principal o próprio Deus e como causa instrumental o hagiógrafo, do qual Deus se serve.

Módulo 7: Bíblia 1 | Dogmas sobre a Inspiração


Encerramos o fascículo ou módulo anterior com a conclusão da apresentação  dos principais pontos teológicos concernentes à doutrina da Inspiração divina das Sagradas Escrituras. Agora concluiremos o assunto com a exposição dos pontos dogmaticamente definidos pela Igreja sobre a questão. Na sequência, aplicaremo-nos ao estudo sistemático da canonização bíblica, já antes superficialmente mencionada por nós.



Dogmas sobre a Inspiração 


As Sagradas Escrituras são consideradas como fonte “quase dogmática” para provar a sua própria Inspiração, isto é, só enquanto livro histórico fidedigno que nos narra a Doutrina de Cristo. Assim procede a Teologia para que não se caia no “círculo vicioso” protestante, que ensina que a Bíblia se prova por si mesma e que se configura em um gravíssimo erro, conforme já vimos em nosso fascículo/módulo n.5.

    Demonstraremos agora a existência da Inspiração tal como a expõem os teólogos católicos e como a defendem os documentos da Igreja católica, cujo ensinamento pode-se assim resumir:

        a) Deus Nosso Senhor é o verdadeiro e legítimo Autor literário;

        b) usou, porém, do hagiógrafo como que de um instrumento para escrever;

        c) fez isso por uma ação sobrenatural sobre as faculdades do hagiógrafo, para que escrevesse aquilo que Deus queria.

    Tudo isso se há de encontrar nas fontes teológicas, ainda que nem sempre de modo formal e explícito. Todas essas expressões se devem entender não abstratamente ou dentro de algum sistema, mas no sentido que lhes dá a Tradição.



Documentos eclesiásticos


Os elementos necessários para provar dogmaticamente a existência da Inspiração não se encontram todos em algum ou em cada um desses documentos, e sim no seu conjunto, tomado coletivamente. Os principais, em ordem cronológica, são[1]:


    1) Antiqua Regula Fidei, Denz. Enchir. Bibl. 21.

    2) Statuta Ecclesiae Antiqua, dos séculos V e VI. Enchir. Bibl. 23.

    3) Carta 101ª de São Leão IX, Papa (1049-1054) ad Petrum, Bispo de Antioquia, aos 13 de abril de 1053, Denz. 348; Enchir. Bibl. 26.

    4) Profissão de Fé aos valdenses pelo Papa Inocêncio III (1198-1216) em carta ao arcebispo de Tarracona, aos 18 de dezembro de 1208, Denz. 421. Enchir. Bibl. 27.

    5) Profissão de Fé proposta, em 1267, pelo Papa Clemente IV (1265-1268) ao imperador dos gregos, Miguel Paleólogo, Denz. 464. Enchir. Bibl. 28.

    6) Decreto sobre os jacobitas, promulgado pelo Concílio Florentino, XVII Ecumênico (1438-1445), na Bula Cantate Domino de 4 de fevereiro de 1442 pelo Papa Eugênio IV (1431-1447), Denz. 706. Enchir. Bibl. 32.

    7) Decreto sobre as Escrituras Canônicas, promulgado pelo Concílio Tridentino, XIX Ecumênico, na sessão IV, dia 8 de abril de 1546, sob o pontificado de Paulo III (1534-1548), Denz. 783. Enchir. Bibl. 42.

    8) Constituição dogmática Dei Filius sobre a Fé católica, no capítulo 2 Da Revelação, definida pelo Concílio Vaticano I, XX Ecumênico (1869-1870), na sessão III, realizada a 24 de abril de 1870, sob o pontificado de Pio IX (1846-1878), Denz. 1785-88 e 1809, cânon 4. Enchir. Bibl. 62.

    9) Encíclica Providentissimus Deus sobre os estudos da Sagrada Escritura, de 18 de novembro de 1893, pelo Papa Leão XIII (1878-1903), Denz. 1941-1953. Enchir. Bibl. 66; 109; 110.

    10) Encíclica Spiritus Paraclitus sobre a inerrância da Sagrada Escritura, de 15 de setembro de 1920, pelo Papa Bento XV (1914-1922), Denz. 2186-87. Enchir. Bibl. 561.



Breve comentário dos documentos sobre Inspiração bíblica


    a) O sentido da palavra “autor” nesses documentos fica bem determinado pela oposição à doutrina dos maniqueus, contra os quais a Igreja teve que lutar nos séculos V e VI. Estes diziam que o Antigo Testamento tinha o demônio por autor, o qual teria ensinado umas poucas verdades a fim de fazer acreditar suas muitas mentiras. Ora, no combate que fizeram a estes erros, os Santos Padres deixaram claro o conceito de “autor”, atribuído a Deus tanto para o Novo quanto para o Antigo Testamento. Assim como Santo Agostinho[2], Fócio[3], Eutímio Zigabeno[4].


    b) A palavra dictare (ditar), empregada pelo Concílio Tridentino, significa não só “pronunciar o que um outro vai ouvindo e escrevendo”, mas também “mandar dizer, compor, prescrever, ensinar, aconselhar, sugerir, pronunciar”[5].


        Pelo contexto, vê-se que o Concílio Tridentino usou a palavra “ditar” com o sentido hoje mais usual de “inspirar”.

    c) A Luz divina deve atingir profundamente a inteligência do hagiógrafo, pois da apresentação formal externa depende a comunicação das ideias. Mas quando essa comunicação pode ser feita de vários modos, cabe ao hagiógrafo usar o que lhe apraz. E assim, distinguidos os aspectos, pode-se afirmar que o efeito é todo de Deus e todo do hagiógrafo.

        São fatos dogmáticos tanto a inerrância quanto a excelência dos Livros bíblicos, bem como a sua profundidade que nunca se esgota – algo que assombrosamente todo cristão pode comprovar em sua vida comum, na leitura cotidiana –, pelas quais nenhum outro livro se lhes pode comparar, em toda a literatura mundial.

    • Inerrância é a imunidade de qualquer erro. Os hagiógrafos, de fato, podem ter se utilizado também de fontes humanas e, por isso mesmo passíveis de erro. Mas, antes de subscreverem as sentenças dessas fontes sob o Nome e a Autoridade de Deus, são elevados e corroborados pela Luz divina da Inspiração, que os impede, de direito e de fato, de afirmar um erro. Assim, Deus jamais será autor de inverdades[6].


    • A excelência das Sagrada Escrituras, embora não baste por si mesma para lhe provar a Inspiração, contudo a confirma, e duplamente:

        1) Pelo conteúdo: com descrições históricas sóbrias e fiéis, comprovadas pelo estudo dos documentos históricos extrabíblicos e pela Arqueologia; com a exposição da Doutrina santa e sublime, acomodada a todas as inteligências[7].


        2) Pela origem: o Povo de Israel sabidamente não era dos mais cultos do seu tempo, e alguns dos hagiógrafos possuíam uma cultura intelectual medíocre. O Profeta Amós, por exemplo, era “pastor e cultivador de sicômoros[8]” (Am 7, 14). Daí temos a evidência da profundidade dos conteúdos bíblicos, com uma plenitude de ideias tal que, claramente, nem sempre o próprio hagiógrafo seria capaz de lhes perceber todo o alcance, conteúdos e derivações.



Testemunho dos Santos Padres


Do que já dissemos ficou claro qual tinha sido a doutrina dos Santos Padres a respeito da Inspiração. Para provar que tal doutrina não se encontra apenas em sentenças particulares, mas que se trata de uma proposição eclesiástica comum dos mesmos Padres, apresentamos agora os principais testemunhos.

    Por volta do ano de 230, impugnando Santo Hipólito aos gnósticos hereges, que se diziam os corretores da Sagrada Escritura, assim os repreendia: “Ou não creem ser a Escritura Sagrada inspirada pelo Espírito Santo, por onde são de fato infiéis; ou então, julgando-se mais sábios que o próprio Espírito Santo, não passam de verdadeiros demônios”[9]. Orígenes afirma com segurança que a existência da Inspiração é a doutrina abertamente pregada na Igreja”[10]. Há testemunhos de Santo Atanásio[11], de São Cirilo de Jerusalém[12] e de Santo Agostinho[13], entre muitos outros.


    
Que era esse o ensinamento comum dos Santos Padres, prova-o o fato de eles buscarem sempre, persistente e cuidadosamente, o correto sentido da das mesmas Escrituras Sagradas, e o seu esforço por ensiná-la reta e claramente ao povo cristão.

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[1] A lista aqui apresentada é a elaborada por CHARBEL (2022), pp. 44s.

[2] Santo Agostinho (354-430), Contra Faustum Manichaeum (a. 400), 15, 1; ML. 42, 301-3.

[3] Fócio(-891), Contra Manichaeos, 1, 8; MG. 102, 26-7.

[4] Eutímio Zingabeno (circiter 1118), Panoplia dogmatis, 24; MG. 139-1225.

[5] Cf. Forcellini, Totius Latinitatis Lexicon, sub voce “dictare”.

[6] Leão XIII (1878-1903), Encíclica Providentissimus Deus sobre o estudo da Sagrada Escritura, 18 de novembro de 1893: Denz. 1951; Ench. Bibl. 111.

[7] Santo Agostinho (354-430), Epístola 137, 3 e 18: ML 33, 516 e 524.Uma espécie longeva de figueira, de raízes profundas e ramos fortes, cultivada no Oriente Médio e em partes da África há milênios (Dic. Figweb.org, verbete Ficus sycomorus sycomorus Linnaeus 1753), acesso em 22/10/2022.

[8] Uma espécie longeva de figueira, de raízes profundas e ramos fortes, cultivada no Oriente Médio e em partes da África há milênios (Dic. Figweb.org, verbete Ficus sycomorus sycomorus Linnaeus 1753), acesso em 22/10/2022.

[9] Eusébio de Cesareia (265-340), História Eclesiástica (311-325), 5, 28; MG. 20, 516; Enchirdion Patristicum 400.

[10] Orígenes (185-186/254-255), De principiis 1 praefatio 4: MG. 11, 118; Kirch 37.

[11] Santo Atanásio (295-373), Epistola Festalis 39a. (ano 367); MG. 26, 1435; Enchir. Patr. 791.

[12] São Cirilo de Jerusalém (313-386), Catecheses (348), 4, 3; MG. 33, 458, 497.

[13] Santo Agostinho (354-430), Contra Faustum Manichaeum (400), 33, 9, ML. 42, 517.

Módulo 7: Dogmática 2 | Da liberdade e o seu real sentido (conclusão)


Os gregos simbolizavam 
em suas esculturas, como vimos em nossa aula anterior, a moderação e o autodomínio só alcançado pelos homens sábios e valorosos. Essa moderação era uma virtude fundamental no ideal masculino, pois os melhores homens não são conduzidos pelos desejos e pela luxúria, nem por isso são reconhecidos ou sempre lembrados, mas sim pela serenidade que advém das virtudes[1].


    Já na Sã Doutrina católica, a expressão liberdade é relacionada ao modo de vida dos cristãos, e aparece explicitamente, pela primeira vez, na Carta aos Gálatas de São Paulo Apóstolo. Poucos o sabem, mas trata-se de uma novidade, proposta para a reflexão universal pelo Cristianismo. Sua importância reverberou desde então não só nos ambientes religiosos, mas deixou uma marca profunda na cultura ocidental como um todo. Está dito aí que os seres humanos são chamados à liberdade, em Cristo, Ele que foi tudo para todos, sem ser escravo de nada e de ninguém. O próprio “Apóstolo das Gentes” declara que se libertou total e completamente do seu próprio egoísmo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (2,20).


    São Paulo fala do orgulho como excesso de afirmação de si mesmo – em outras palavras, o resultado de uma busca desordenada por liberdade (na ilusão de uma falsa liberdade de fazer tudo o que se quiser), que de fato escraviza e bloqueia a necessária passagem para a maturidade humana e cristã, que citamos antes. Hoje, mais do que nunca, o ser humano cai vítima do pecado da soberba e do orgulho; já não tolera que exista nada nem ninguém acima dele, e assim é que se perde na loucura de renegar a Deus: quer ele ser o centro, quer ele estar no topo, quer ele mesmo tomar todas as decisões e deter todo o poder, seguindo o exemplo do próprio diabo.


    A Epístola aos Gálatas alerta para que não façamos da liberdade um pretexto para servir à carne e aos vícios. Enumera uma série de “obras da carne” que escravizam o ser humano: “Imoralidade sexual, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, invejas, bebedeiras orgias” (Gl 5,19-21).


    Nada que o ser humano faça por si mesmo poderá, jamais, ser causa ou condição da sua salvação. A verdadeira liberdade, que está no domínio sobre si mesmo – para fazer o que é bom e justo, aquilo que conduz à vida, e não para ceder aos desejos que arrojam aos abismos trevosos da morte eterna –, é fruto da ação do Espírito Santo sobre nós. Ao ser humano se pede a adesão de Fé. Assim é que Santo Agostinho vai definir liberdade como o poder de decisão para o bem. É uma retidão de vida que vale à pena para nós, como vivência da Vontade de Deus que é, igualmente e sempre, o melhor para nós mesmos. Não se trata de conformismo e nem de inércia, ao contrário: quem é verdadeiramente livre em Cristo reconhece as contingências externas, as tendências da carne, e exatamente por isso torna-se apto a superá-las. A luta espiritual é o campo em que a liberdade se realiza, progressivamente.


    A verdadeira liberdade faz desenvolver uma atividade intensa, porque coloca o ser humano em tensão com os apelos de sua própria natureza decaída e com os poderes do mundo. A liberdade constrói a unidade da pessoa em todas as suas dimensões: a unidade com Deus, a unidade com o seu próximo e a unidade com toda a Criação.


    Um pensamento de Goethe parece expressar bem a essência da liberdade cristã: “É obedecendo que sinto melhor a minha alma em liberdade”[2]. No homem verdadeiramente livre, tanto as ações quanto as reações, e tanto as internas como aquelas exteriores, estão em sintonia com a Verdade. Portanto, estão em harmonia com a Vontade de Deus e a Doutrina de Cristo – posto que Ele mesmo é a Verdade.



Fala Santo Agostinho


A Filosofia busca refletir sobre os problemas mais caros ao homem, por meio da investigação do agir humano, e assim define perspectivas que possam auxiliá-lo a compreender os desafios da vida como um todo. A liberdade é um tema recorrente no estudo de incontáveis filósofos, os quais, cada um a seu modo e em sua época, buscaram demonstrar a noção, a origem e a real apreensão do que seja realmente a liberdade.


    Como mencionamos de início, um dos principais debatedores do tema liberdade foi o gigante Santo Agostinho – ou Aurelius Augustinus, o Bispo de Hipona, que viveu de 354 a 430 –, influente pensador desse momento histórico de importante transição, da Idade Antiga para a dita Idade Média. Enriquecido pelo pensamento neoplatônico e bebendo nas fontes da nascente filosofia cristã, escreveu seu nome entre os mais destacados de todas as épocas.


    Agostinho expõe o seu pensamento sobre liberdade em várias de suas obras, entre as quais De Civitate Dei e, principalmente em De Libero Arbitrio. Nessa primeira obra, “A Cidade de Deus”, conjectura como a liberdade é um dom de Deus dispensado a todos os seus eleitos, e que está em harmonia com uma certa “‘incapacidade’ para pecar”, pois os bem-aventurados amantes de Cristo já não sentem pesadamente sobre si a atração para o pecado: mas, ainda assim, nem estes estão privados do livre-arbítrio. Ao contrário, é assim mais livre esse arbítrio, pois se vê liberto do atrativo do pecado – até chegar a um atrativo indeclinável por não pecar.


    Já em “O Livre-arbítrio”, o Santo toma a liberdade do ser humano como tema principal, bem como a origem do mal moral; para ele, a origem do pecado está no uso abusivo da liberdade, visto que o livre-arbítrio é um grande dom de Deus. Dentro dessa obra, o Bispo de Hipona busca fundamentar origem e causa do pecado, bem como esclarecer qual a responsabilidade humana em acordo com a prática de seus atos livres. Tais esclarecimentos resultam da motivação de refutar o pensamento maniqueísta, haja vista o grande Santo estar, nesse ponto, já em um estágio avançado da sua conversão, buscando explicar a origem do mal no agir humano.


    O mal, segundo Agostinho, pode ser examinado a partir de três enfoques ou pontos de vista: o metafísico-ontológico, o moral e o físico. Interessa-nos aqui retratar o mal pelo enfoque moral, já que é este o pecado, “aversio a Deo” e “conversio ad creaturam”, que se perfaz na escolha incorreta dos bens. Simplificando tudo, recebemos de Deus uma vontade livre, não impositiva, que é para nós um bem imenso; o mal que praticamos é resultado do mau uso dessa grande dádiva.


    Essa relação entre o livre-arbítrio, o mal e a liberdade, expressa no pensamento de Santo Agostinho, descreveu com propriedade o grande Etienee Gilson, da seguinte maneira:

 

Duas condições são exigidas para se fazer o bem: um dom de Deus, que é a graça, e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio não se quereria o bem ou, se o quisesse, o homem não conseguiria realizá-lo. A graça, portanto, não tem efeito de suprimir a vontade, mas de torná-la boa, pois ela se transformara em má [após o Pecado original]. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio, ainda que haja o poder de não fazê-lo, é a marca da liberdade. A possibilidade de se fazer o mal é o grau supremo da liberdade.

(GILSON, 1929, p. 202ss)


    Portanto, o pensamento de Santo Agostinho sobre a liberdade atravessa gerações e mantêm-se em voga no que tange à reflexão sobre o mal e a implicação do livre-arbítrio em nossas condutas, em todos os ambientes, fazendo-se presente e digno de estudo até mesmo nos ambientes mais progressistas, modernistas e/ou mesmo revolucionários.


    Valorizar cada situação, cada dádiva e mesmo cada obstáculo, isto é, cada oportunidade que Deus nos concede durante a sua existência neste mundo, permite ao ser humano um maior aproveitamento de cada um dos seus atos e lutas, para o bem, mesmo que a inclinação para o mal esteja presente. Este é o correto e vantajoso uso de nossa liberdade.


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[1]. Ref.: Portal ‘Observador’, disp. em:  https://cutt.ly/vNmwLhU | Acesso em 18/10/2022.

[2]. Apud Jönck, Dom Wilson Tadeu. Liberdade Cristã, Jornal da Arquidiocese de Florianópolis n.282, 9/2021, p.2.

Módulo 7: Dogmática 1 | Da liberdade e o seu real sentido


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Encerramos o módulo anterior tratando sobre um conceito bastante incompreendido nos nossos tempos, mesmo entre cristãos católicos: a liberdade. Dizíamos que a ética cristã não nos deixa “livres” para pecar, mas antes “obriga-nos” a não pecar, e é isso, exatamente, a verdadeira liberdade. Consideramos que, ainda assim, mantemos, psicologicamente, a nossa (triste) liberdade de pecar, se o quisermos, arcando depois com as consequências dessa escolha. Enfatizávamos, ainda, a grande cautela que se nos faz necessária sempre que quisermos empregar, teologicamente, o vocábulo “liberdade”, e assim também a cautela com que podemos exaltar o direito à liberdade. Aqui tudo depende de a qual tipo de liberdade estejamos nos referindo: liberdade integral e verdadeira ou a sua (mais conhecida no mundo) falsa noção.

    Dificilmente se tratará da questão da liberdade em Teologia católica sem que se recorra a Santo Agostinho, e assim será por aqui, também. Mas, antes, lançaremos um breve olhar prévio e geral sobre o tema.

    Entre os motivos pelos quais é tão comum a rebeldia na fase juvenil de nossas vidas, destaca-se o desejo incontido por liberdade. É que vivemos toda a longa fase de nossa infância sendo impedidos de fazer aquilo que nos desse “na telha”: todos nós ouvimos muitas milhares de vezes, durante os primeiros anos de nossas vidas, a dura palavra “não”. É preciso que seja assim, claro, mas quando somos pequenos não temos ainda as capacidades intelectuais e emocionais necessárias para compreendê-lo, e muitas vezes consideramos até que nossos pais (ou aqueles que cuidam de nós) não nos queiram bem, por nos privar tantas vezes daquilo que desejamos, e por tantas vezes nos impedirem de fazer o que queremos fazer (e queríamos tanto aquilo…). É verdade que em nossos tempos há uma liberalidade muitíssimo maior do que havia há poucas décadas, e a cada nova geração a permissividade dos pais ou responsáveis vem aumentando, sempre um pouco mais e mais. Mesmo assim, escutar muitas e muitas vezes o “não” continua sendo uma experiência comum a todo ser humano.

    Assim, quando vamos chegando à adolescência e à “idade da razão”, quando passamos a nos sentir donos de nós mesmos e nos deparamos com todo um excitante universo de novas sensações, novos prazeres e aventuras bem diante de nós, e ao mesmo tempo nos sentimos poderosos como nunca, porque sabemos que já não somos mais crianças que precisam ser cuidadas (e proibidas de fazer o que querem) a cada minuto, sentimos que finalmente seremos livres. Agora já sabemos nos cuidar, somos espertos o suficiente e não podemos conter essa impetuosa euforia pela descoberta do mundo, num encanto que cresce até tomar conta de tudo, com um ardente impulso que faz com que queiramos nos livrar de todas as peias que, desde sempre e até ali, nos foram impostas, para então sair e desbravar novos horizontes, conquistando tanto quanto nos seja apetecível – e é muito! – no grande e sedutor mundo que nos rodeia.

    Muitas quedas depois, ao atingir a idade adulta, as almas privilegiadas que conseguirem alcançar a maturidade espiritual, finalmente entenderão que existe algo de bem mais importante e que é muito mais valioso do que essa liberdade para fazer tudo aquilo que se quer, isto é, tudo o que faça despertar em nós o apetite: a liberdade de não fazer aquilo que realmente não se quer, e esta é bem mais difícil de conquistar.

    Compreenderão, então, que ninguém é de fato totalmente livre, pois, como disse o Espírito Santo através da pena do primeiro Papa, os ímpios aos outros “prometem a liberdade, quando eles mesmos são escravos do pecado,­ porque todo homem é feito escravo daquilo que o vence” (2Pd 2,19). Vejamos um pouco mais de perto e mais a fundo essa verdade, que será tão importante em todo o nosso aprendizado, e mais ainda em nossa jornada como cristãos.

    A ideia de liberdade não era familiar aos seres humanos dos tempos antigos, uma vez que as pessoas sentiam-se constantemente dominadas pelas forças da natureza, e seu destino claramente fugia ao seu controle. Sendo assim, recorriam constantemente a Deus (ou a deuses imaginários), em busca de segurança e de socorro. A ideia do “homem livre” começou a ser construída pela Filosofia, principalmente no estoicismo, corrente de pensamento que entendeu que o ser humano conquista a sua liberdade na medida em que domina suas próprias paixões, alcançando o desapego de si mesmo. Só assim torna-se apto a partir para tentar dominar sobre as coisas exteriores. O caminho para tal conquista, segundo os estoicos, está na racionalidade e no conhecimento.

    Cabe neste ponto citar, de passagem, uma curiosidade comum, já que as impressionantes esculturas da Grécia Antiga costumam apresentar homens dotados de musculatura exuberante e, via de regra, diminuta genitália. O que isso tem a ver com o assunto que ora estudamos? Realmente tudo, porque essas estátuas geralmente não representam nenhum modelo em particular, mas algum deus ou herói mítico, e queriam retratar um ser humano perfeito, possivelmente o resultado da junção das melhores partes de diversos modelos. O órgão sexual pequeno é uma escolha intencional, mesmo para o poderoso Hércules, o que para a nossa sociedade exacerbadamente sensualizada e materialista parece incompreensível. Esses modelos masculinos poderosos são assim representados para simbolizar os atributos de um homem cuja racionalidade – a virtude mais prezada em sua sociedade –, predominava sobre seus apetites e sobre as fraquezas de sua natureza física/animal. 

Bibliografia do Módulo 6

BIBLIOGRAFIA utilizada neste volume e recomendada*


PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação teológica, vol I: o Mistério da Igreja, 11ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1956.


TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 6ª ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961.


FABER, Frederick William. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2019**.


CHARBEL, Antônio. Introdução Geral e Especial ao Antigo Testamento; Pentateuco e Livros Históricos, São Paulo: Realeza, 2022.


DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.



RODRÍGUEZ CARMONA, Antonio. La religión judía. Historia y teología, Madrid: B.A.C., 2001..


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Módulo 6: Ascética e Mística 2 | Manual prático para a vida interior, Lição IV


Orai sem cessar; em tudo dar graças… (cf. 1Ts 5,17s)


“Orai sem cessar. Em todas as circunstâncias, dai graças, porque esta é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo”, recomenda o Apóstolo no capítulo 5 de sua Carta aos Tessalonicenses. Ao tomar conhecimento destas recomendações, muitas almas simples se perguntam – com razão –, se isso é mesmo possível. Orar sem cessar? Como? Será que isso é mesmo viável? E se o for, é conveniente?


    Já pelo uso da nossa razão natural, podemos perceber com facilidade que até mesmo as coisas boas e as melhores ações ou bens desta vida, se os tivermos em excesso, podem nos fazer mal. Além, até mesmo as coisas necessárias à manutenção da vida, precisamos tê-las em sua justa medida, ou então seremos prejudicados. Isso vale mesmo para a mais essencial das substâncias físicas – a água –, sem a qual não se vive. Se a tomarmos em demasia, poderá também nos matar![1]


    Essa regra geral da vida também se aplica às práticas espirituais. Deus não nos fez para que passássemos nossos dias inteiros em oração, prostrados de joelhos e encerrados no interior de um templo, sem fazer mais nada na vida, à exceção de poucas almas vocacionadas para tal. Se essa fosse a sua Vontade para todos nós, não nos teria feito humanos, mas seres espirituais como os Anjos. De fato, nós não seríamos capazes de viver assim, mesmo que quiséssemos, e até as monjas enclausuradas, as quais dedicam suas vidas inteiras à oração, têm os seus momentos de trabalho e de lazer e, claro, o tempo para a alimentação, higiene pessoal e outras necessidades básicas.


    Sendo assim, porque o Espírito Santo nos manda, através do Texto sagrado, orar sem cessar?


    São Basílio Magno esclareceu a questão de uma vez por todos, de modo inapelável. Assim ele ensinou:


Devemos rezar sem cessar? É possível obedecer a tal mandamento? (…) A força da oração reside mais no propósito da nossa alma e nos atos de virtude que estendemos a cada parte e momento da nossa vida.


Não podemos limitar a oração a pedidos em palavras. Com efeito, Deus não precisa apenas que lhe façam discursos; mesmo que nada lhe peçamos, sabe aquilo de que precisamos. Que dizer? A oração não se limita às fórmulas; antes abarca a vida toda. “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus”, diz o apóstolo Paulo (1Cor 10,31). Estás à mesa? Reza: ao pegar o pão, agradece Àquele que te concede o alimento; ao beber o vinho, lembra-te daquele que te proporcionou este dom, para te alegrar o coração e te consolar das tristezas. Terminada a refeição, não te esqueças de te recordar do teu benfeitor. Quanto vestes a túnica, agradece Àquele que te deu a vestimenta; quanto vestes a capa, testemunha o teu afeto a Deus, que nos proporciona vestes adequadas ao inverno e ao verão, para nos proteger a vida.


Terminado o dia, agradece Àquele que te deu o sol para os trabalhos da jornada e o fogo para te iluminar o escuro e prover às tuas necessidades. A noite também te dá motivos de ação de graças; olhando o céu e contemplando a beleza das estrelas, lembra o Senhor do Universo, que fez todas as coisas com tal sabedoria. Quando vês a natureza adormecida, adora Àquele que, por meio do sono, nos reconforta das fadigas e nos devolve, através do repouso, o vigor das forças.


Deste modo, rezarás sem descanso, se a tua oração não se limitar a fórmulas, mas pelo contrário te mantiveres unido a Deus no decurso de toda a tua existência, de maneira a fazeres da vida uma oração incessante.[2]


    O que este grande Doutor da Igreja explicou, em essência, é que o bom cristão devoto reza sem cessar por viver sempre em espírito de ação de graças, meditando a Bondade e a Onipresença de Deus em todas as atividades do seu cotidiano. Assim é que será possível viver a exortação de São Paulo, de “rezar sem cessar”, pois não só com palavras sem faz oração de louvor e agradecimento a Deus.


    Importa ainda dizer que, como Deus não é limitado para que pudéssemos sonhar em um dia compreendê-lo integralmente por meio da nossa contemplação, a cada dia e a cada instante contemplaremos algum atributo, algum aspecto e/ou alguma faceta de sua Majestade infinita. A cada dádiva recebida, aí está como que um traço do Divino, um sinal ou uma marca da sua Majestade infinita.


    Este tipo de oração não verbal e sem fórmulas se dá pela reverência que cultivamos em cada pequeno gesto de nossas vidas, pelo exercício de saber ver a Presença divina em cada aspecto da Criação.


    Claro, Deus não está nas obras que criou no sentido de se confundir com as coisas criadas, mas podemos dizer que Ele está nelas assim como um artista está refletido em sua obra, seja uma pintura, uma escultura, um poema, uma peça musical, etc. Todo artista – e todos nós o somos, em maior ou menor grau, na medida em que fomos criados à imagem e semelhança de Deus Criador –, deixa traços de sua personalidade naquilo que criou, isto é, em sua arte, no aspecto único de suas pinceladas, no modo como mistura as cores, ou na caligrafia, nas palavras que usa, na maneira de fazer harmonizarem-se entre si as notas musicais… Assim também Deus Altíssimo deixa ver, ainda que por vezes muito sutilmente, sua assinatura em tudo quanto criou.


    Assim, neste Livro da Vida que é a natureza criada em seus múltiplos aspectos, devemos reverenciar o Criador, e por meio dela adorá-lo, render-lhe graças intimamente, mesmo quando não fizermos uso de nenhuma palavra e nem sequer organizemos os nossos pensamentos com termos definidos.


    Esta é a prática que propomos ao estudante, hoje: fazer de toda a sua vida uma grande oração, um sacrifício de louvor que dure enquanto durar a sua presente existência, e que se renove a cada novo alento. Vivendo assim, nesse estado contemplativo constante, tanto e tão perfeitamente quanto lhe for possível, os traços mais feios ou obscuros nessa grande obra de arte que é a sua vida irão diminuindo aos poucos, perdendo força, dando lugar a tonalidades cada vez mais vivas, belas e luminosas. Porque somos aquilo que praticamos, e praticamos aquilo que cremos, assim como cremos aquilo que rezamos.


    Orai sem cessar, não apenas com fórmulas e palavras, mas com cada respiração e a cada pulsar do coração. Assim nos achegaremos a Deus, e Ele se achegará a nós (cf. Tg 4,8). Mais ainda, desse modo é que poderemos entender aquilo que Jesus Nosso Senhor, sabendo que a etapa de sua primeira vinda, como um mortal, estava chegando ao fim, e entendendo que “era chegada a sua hora” (Jo 13,1), depois de reunir seus Apóstolos para instituir a Eucaristia, e após ter lavado os pés dos discípulos, proferiu a mais sublime oração de intercessão que já existiu, em favor de todos nós que acreditamos n’Ele. Suplicando ao Pai, humilde como sempre, Ele disse:


Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles estejam em Nós e o mundo creia que me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como Nós somos um: Eu neles e Tu em Mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a Mim.
(Jo 17, 21–24)


    Como é glorioso pensar que fomos convidados para essa perfeita Unidade que existe entre o Pai e o Filho! Um dos modos mais perfeitos de vivê-la é justamente por meio da oração contínua: a oração pronunciada em palavras no seu devido momento, e também a oração que se faz com a própria vida, em todos os momentos.


___________
[1] A medicina aponta que o limite de água que um homem saudável médio pode ingerir em um dia inteiro (24 horas) é o de 16 litros. Até essa marca, os rins costumam dar conta do trabalho. Excedido esse volume, ocorre a hiponatremia, isto é, uma hiperidratação severa, o que pode ser fatal. (Cf. Dr. Virgílio Gonçalves Pereira Júnior, nefrologista do Hospital Israelita Albert Einstein / CRM SP 49902, ‘Você sabia que a água em excesso pode fazer mal à saúde?’, disp. em: https://vidasaudavel.einstein.br/agua-em-excesso – Acesso 29/9/2022).

[2] São Basílio Magno (330 – 379), Monge, Bispo de Cesareia da Capadócia, Doutor da Igreja, Homilia V.

Módulo 6: Ascética e Mística 1 | Os cinco sinais de progresso


Concluímos neste módulo
a indicação dos cinco sinais evidentes de progresso na vida interior segundo a direção espiritual do Revmo. Padre Faber, autor de uma das obras que nos servem de base nesta etapa de nossa formação, iniciada no volume anterior (reveja os primeiros dois sinais).


    3. É sinal de progresso na vida espiritual ter em vista um objetivo bem determinado e claro, algo como esforçar-se para adquirir uma virtude, lutar com mais afinco para corrigir certo defeito ou uma prática de caridade.


    Tudo isso é prova de diligência, e também indício do vigor da Graça divina atuando em nós. Se não atacarmos um ponto particular na linha do inimigo que peleja contra nós todos os dias e a cada novo instante, sem perder nenhuma oportunidade para nos atravancar o avanço, dificilmente será obtido êxito nessa batalha. Se atiramos a esmo, sem ter um alvo fixo em vista, só resultará barulho e fumaça. Não é provável progredir se caminharmos sem rota, sem um fim claramente escolhido e sem empregar os devidos esforços e a estratégia necessária para alcançá-lo, depois de o ter conscienciosamente escolhido.



4. É sinal de progresso que o fiel tenha na alma a firme convicção de que Deus quer e espera dele algo em particular.


    Podemos estar, certas vezes, cientes de que o Espírito Santo nos está atraindo para uma direção determinada, em preferência de alguma outra; de que Ele deseja a remoção de certo defeito ou quer que nos encarreguemos a alguma obra em especial. Cientes de que é imperativo em eliminar em nossas vidas algum defeito específico que impede o nosso progresso. Certos autores espirituais chamam a isso “atração”: para alguns de nós, será uma atração persistente, que dura por toda a vida. Para outros, muda constantemente. Para outros é tão sutil que só a percebem de vez em quando; para outros, enfim, parece não haver chamado especial algum. Quando essa atração se alia a um conhecimento próprio ativo e a uma constante vigilância na oração interior, isto é um grande dom de Deus. pelas imensas facilidades que tal posição proporciona para levar a alma à perfeição; assemelha-se quase a uma revelação especial.

Sentir, pois, com sóbria reverência, essa atração do Espírito Santo, é sinal de progresso. Todavia convém lembrar que ninguém deve se inquietar pela ausência de tal sentimento, que não é nem universal e nem indispensável.



    5. Certo desejo geral e crescente de adiantamento na perfeição interior é também sinal de progresso espiritual, e isso em conjunto com a consciência da importância de se visar claramente um determinado objetivo.


    Geralmente, não procuramos o bastante por esse desejo da perfeição. Não devemos nos deter nele, exagerando a sua importância, nem nos contentar unicamente com ele. Só nos é dado para que possamos prosseguir com maior desenvoltura.


    Quando, porém, consideramos o quanto ainda se apegam ao mundo até os cristãos em sua maioria – mesmo os fiéis, os mais devotos e piedosos dentre nós –, e quão espantosa é a sua cegueira para com os reais interesses de Nosso Senhor para cada um, e ainda quão insensíveis estão às aspirações sobrenaturais, devemos entender que esse desejo por santidade vem de Deus, que é um grande dom e que muitas consequências sumamente benéficas, de ordem superior, estão contidas nele.

    O desejo pelo progresso espiritual não frutifica onde há tibieza, isto é, frouxidão, debilidade ou falta de ânimo. Essa virtude exige um ardor, um entusiasmo que nunca esmorece. É preciso lutar por se manter sempre motivado a avançar na vida interior, eis aqui uma recomendação importante. Há muitos modos de se fazer isso; recomendaremos aqui dois que sempre foram indicados e valorizados pelos bons diretores:


        a) Praticar a meditação sobre a finitude e a brevidade da vida neste mundo e a certeza da morte. Longe de servir para desanimar, a consciência bem presente dessa realidade inescapável nos mantém conscientes de que infinitamente mais importantes do que quaisquer bens que possamos adquirir para este mundo são os bens espirituais que levaremos conosco para a vida eterna.


        b) Considerar sempre que as dificuldades que nos são impostas são dádivas de Deus para o nosso crescimento: tudo, desde as enfermidades, as dores, as decepções com nossos semelhantes, as frustrações da vida presente, as ingratidões que sofremos, as maledicências que sofremos dos que nos invejam… Tudo nos é dado como oportunidade para que possamos progredir. Os que souberem fazer dessas duras pedras material de construção, e ferramentas das setas que lhes foram atiradas, será capaz de utilizá-las, mais além, para construir sua própria ponte para uma eternidade feliz em Deus.


    Embora possamos subir mais alto e de fato devamos avançar bem mais além desse mero desejo pelo progresso, ainda assim ele continua a ser uma condição indispensável para atingir o que agora está acima de nós mesmos e nos parece inalcançável. Quando atingirmos esse estágio definido e desejado, então, sim, novos objetivos surgirão. Mas cada etapa da jornada deve ser apreciada ao seu próprio tempo.


    Não devemos, entretanto, ignorar os perigos inerentes ao processo de crescimento interior. Todo desejo sobrenatural recebido e não correspondido, na prática, deixa-nos em pior estado do que nos encontrou. Para ficarmos seguros, devemos agir sem demora, transformando o desejo em ato. Nossas armas e instrumentos de trabalho são sempre os mesmos: oração, penitência, ação zelosa, prática da caridade, prática da paciência, prática da humildade; nunca se deve querer avançar de forma tresloucada ou precipitadamente, ou sem rezar e sem tomar bom conselho.


    Agora já temos, pois, os cinco sinais bastante prováveis de progresso espiritual indicados pelo Padre Faber, e nenhum destes sinais está tão acima da capacidade humana que se situe fora do alcance do mais fraco dentre nós. Não entenda o cristão, todavia, que a existência de algum ou de todos esses cinco sinais implique que tudo já esteja certo em nossa vida espiritual; os sinais apenas demonstram que estamos vivos, e que estamos nos adiantando no caminho da Graça. O que não é pouca coisa!


    Possuir qualquer desses sinais é possuir algo de inefável, algo de mais precioso do que tudo que nos possa dar do seu melhor o mundo. Se temos um desses sinais, está bem, estamos caminhando na direção certa; se dois, melhor; se três, melhor ainda; se quatro, ótimo. Quem tiver todos os cinco, alegre-se e dê a Deus especiais graças, redobre dentro de si as energias e coloque em sua face um belo sorriso! Avante mar adentro, para águas mais profundas. Deus nos sustenta, e caminham conosco a Rainha do Céu e nossos irmãos da Igreja triunfante!



*   *   *


    Ora, veja! Já caminhamos um pouco. Penetremos mais adiante no deserto da vida neste vale de lágrimas que é o mundo, e se não menos cansados, pelo menos um pouco mais animados. Nosso Senhor sabe bem como converter lágrimas em flores, para aqueles que o amam e o buscam de coração limpo.

Módulo 6: História da Igreja 2 | A literatura apocalíptica


Um gênero literário muito difundido
entre o segundo século a.C. e o primeiro d.C. explorava, à exaustão, a imaginação popular em torno dessa grande expectativa que pairava no ar: o gênero apocalíptico, cujo ponto de partida podemos encontrar, em seus traços essenciais, no Livro bíblico de Daniel , e cuja consumação está no Apocalipse de São João.


    Esse tipo de literatura era permeada de uma poesia peculiar, eivada de simbologia, na qual o sonho nacional inflamado se misturava com as especulações dos estudiosos da época sobre esses grandes mistérios. A esperança messiânica concreta e temporal servia de base para as doutrinas escatológicas que pretendiam revelar detalhes sobre os últimos fins do homem e o sentido último da existência.

    Esses livros a Igreja excluiu do cânon do Antigo Testamento, porém alguns deles foram bastante venerados na mesma Igreja desde o primeiro século e até meados do século IV, como é o caso do Livro de Enoque (ou Enoch), que está citado na Epístola de São Judas (1,14)[1] e que é considerado canônico pela igreja etíope. Esses livros apócrifos são valiosos para os estudos históricos da Bíblia, ao mesmo tempo em que alguns deles abrigam conteúdos estranhos, os quais terminaram por desaguar no misticismo judaico da Cabalá e do Zohar.


    O Livro de Enoque, o Livro dos Jubileus, o Testamento dos Doze Patriarcas, a Ascensão de Moisés, os Salmos de Salomão e o Apocalipse de Esdras, entre outros, são escritos apócrifos que exerceram profunda influência sobre o inconsciente judaico da época. Por essa razão, a título de conhecimento histórico, é interessante que o estudante da sagrada Teologia os conheça.


    O que aqui mais nos interessa quanto a tais obras é o fato de demonstrarem com qual intensidade a vinda do Messias era esperada no Israel de então, e como se pensava que tal evento se daria como uma revelação fulminante, que provocaria uma comoção súbita e universal. Vai citar o autor da obra que inicialmente nos serve de base nesta disciplina:


Cantava-se: “Felizes aqueles que viverem nos dias do Messias, porque verão a felicidade de Israel e todas as tribos reunidas”. Mas também se repetia de boca em boca que a vinda do Ungido seria marcada por sinais atrozes: “A madeira sangrará, as pedras falarão e em muitos lugares do mundo se abrirá o abismo”. A alegria da expectativa estava, pois, permeada de pavor.[2]


    Havia, pois, todo esse complexo conjunto psicológico, aplicado à fé simples do povo mais humilde, portador de uma piedade viva e também de um forte desejo de vingança contra o invasor romano, aliado a um sentimento de mysterium tremendum et fascinans[3], com um terror inevitável e a indisfarçável atração popular pelo mágico: compreender o efeito de todo esse amálgama de emoções seria necessário para se abarcar o que poderia significar a espera do Messias em uma alma israelita dos anos 30 d.C., bem como os sentimentos de espanto e angústia que a dominariam quando lhe afirmassem que Ele já estava presente, caminhando bem perto.


“Fazei soar em Sião a trombeta das festas! Gritai em Jerusalém o grito do mensageiro da alegria! Dizei que YHWH, em sua misericórdia, visitou Israel! De pé, Jerusalém! Ao alto os corações! Olha teus filhos do nascente e do poente reunidos pelo Senhor! A sua alegria em Deus vem também do norte, e o seu agrupamento das ilhas mais longínquas. Os montes nivelaram-se, as colinas esfumaram-se e as florestas projetaram sua sombra sobre os caminhos por onde eles haviam de passar. Para que estivessem preparados para a festa do Senhor, os bosques deram-lhes toda a espécie de madeiras aromáticas . Jerusalém , cobre-te com as tuas vestes de glória, limpa a tua túnica de santificação. Porque Deus prometeu a felicidade ao teu povo, no século presente e na sequência dos séculos. Que venha, que se realize a Promessa de Deus feita outrora a nossos pais e que, pelo seu santo Nome, Jerusalém seja para sempre exaltada!“ (Salmos de Salomão 11)[4]


    Tal era a bela oração dos judeus piedosos. E os membros da comunidade dos “irmãos”, os “seguidores do Caminho” que ainda não eram conhecidos pelo nome inicialmente pejorativo de “cristãos”[5], respondiam de maneira admirável a esses anseios tão intimamente enraizados, testemunhando que todas essas coisas já se tinham realizado. Um deles, Simão, chamado Pedra (no português ‘Pedro’, para que o título-nome tivesse gênero gramatical masculino), tratado como seu líder, falando um dia perante um numeroso auditório, discursou com as seguintes palavras, duras de se ouvir:


Israelitas, ouvi estas palavras: Jesus de Naza­ré, homem de quem Deus tem dado testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais que Deus por Ele realizou no meio de vós, como o sabeis, depois de ter sido entregue, segundo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de ímpios. Mas Deus o ressuscitou, rompendo os gri­lhões da morte, porque não era possível que ela o retivesse em seu poder. Pois dele diz Davi: ‘Eu via sempre o Senhor perto de mim, pois ele está à minha direita, para que eu não seja abalado. Alegrou-se por isso o meu coração e a minha língua exultou. Sim, também a minha carne repousará na esperança, pois não deixarás a minha alma na região dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a corrupção. Fizeste-me conhecer os caminhos da vida, e me encherás de alegria com a visão de tua Face’ (Sl 15,8-11).

Irmãos, seja permitido dizer-vos com franqueza: do patriar­ca Davi dizemos que morreu e foi sepultado, e o seu sepulcro está entre nós até o dia de hoje. Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes seria colocado no seu trono. É, portanto, a Ressurreição de Cristo que ele previu e anunciou por estas palavras: ‘Ele não foi abandonado na região dos mortos, e sua carne não conheceu a corrupção’. A este Jesus, Deus o ressuscitou: disso todos nós somos testemu­nhas. Exaltado pela Direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito Santo prometido, derramou-o como vós vedes e ouvis. Pois Davi pessoal­mente não subiu ao Céu, todavia diz: ‘O Senhor disse a meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés’ (Sl 109,1). Que toda a Casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza, que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo (At 2,22-23. 32. 36).


Donde tiravam estes homens a convicção que proclamavam tão alto, e com tão admiráveis e convictas palavras?


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Notas:

[1] Embora não se possa dar como 100% certo que São Judas de fato tenha citando o Livro de Enoque (o Apóstolo poderia estar mencionando um acontecimento que é encontrado também no livro não inspirado, ou uma antiga tradição oral citada em ambas as obras), é praticamente um consenso entre teólogos e os mais respeitados biblistas que a Epístola de S. Judas realmente cita explicitamente o capítulo 1 do Livro de Enoque (1,9) segundo a sua versão grega. Para maiores aprofundamentos sobre a questão, consultar aqui o documento (PDF) disponibilizado em nossa pasta de materiais extras.

[2] DANIEL-ROPS (1998), p.12.

[3] Expressão introduzida pelo teólogo e erudito alemão Rudolf Otto em sua referencial obra Das Heilige, de 1917, como conceito básico da Fenomenologia da Religião; é parte de sua descrição sobre como o numinoso pode ser vivenciado pelo sujeito humano. Numinoso é aquilo que sugere a presença do Poder divino diante da pessoa humana. Experiência numinosa é a sensação de se estar na presença de algo maior, uma realidade radicalmente diferente de tudo quanto conhecemos pela experiência ordinária. Dos testemunhos dos grandes profetas, místicos e videntes, temos que tiveram experiências extremamente impactantes, as quais mudaram definitivamente suas vidas, referindo-se muitas vezes a uma sensação ao mesmo tempo “terrível”, no sentido de aterradora, mas também irresistivelmente fascinante. O Transcendente aparece como mysterium tremendum et fascinans, isto é, um mistério diante do qual a humanidade treme e, ao mesmo tempo, queda-se fascinada; repelida pelo temor e atraída pela revelação/inspiração que vem daquilo que é totalmente santo, isto é, “inteiramente outro” (das ganz Andere [pron.: dás gânz ânderre]) e que é, portanto, incapaz de ser expresso perfeitamente por meio da linguagem humana mediante a concatenação dos pensamentos racionais. Não raro, os santos Anjos, assim como Nossa Senhora, em suas aparições, dizem em primeiro lugar aos agraciados que os veem: “Não tenhas medo”.

* Otto foi um dos pensadores mais influentes sobre religião na primeira metade do século XX. Ele é mais conhecido por sua análise da experiência que, em sua opinião, é subjacente a toda religião.

[4] Apud DANIEL-ROPS (1998), p.14.

[5] Os discípulos de Jesus o Cristo foram chamados cristãos pela primeira vez na cidade de Antioquia, conforme o relato de São Lucas Evangelista (cf. At 11,1-30). O termo, muito provavelmente, foi usado pela primeira vez com sentido pejorativo, uma forma de desdém ou escárnio. Assim é que ganha sentido o que disse o primeiro Papa:

“Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação (…). Se fordes ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. Que ninguém de vós sofra como homicida, ou ladrão, ou difamador, ou cobiçador do alheio. Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter esse nome” (1Pd 4,12-16). Um termo usado para desdenhar tornou-se o distintivo de honra para a Igreja primitiva. Eusébio (séc. IV a.C.), ao falar de certo mártir cuja alcunha era “Sanctus”, relata que, aos seus torturadores, quando o provocavam, ele simplesmente respondia: “Eu sou um cristão!”.

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