“Orai sem cessar. Em todas as circunstâncias, dai graças, porque esta é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo”, recomenda o Apóstolo no capítulo 5 de sua Carta aos Tessalonicenses. Ao tomar conhecimento destas recomendações, muitas almas simples se perguntam – com razão –, se isso é mesmo possível. Orar sem cessar? Como? Será que isso é mesmo viável? E se o for, é conveniente?
Já pelo uso da nossa razão natural, podemos perceber com facilidade que até mesmo as coisas boas e as melhores ações ou bens desta vida, se os tivermos em excesso, podem nos fazer mal. Além, até mesmo as coisas necessárias à manutenção da vida, precisamos tê-las em sua justa medida, ou então seremos prejudicados. Isso vale mesmo para a mais essencial das substâncias físicas – a água –, sem a qual não se vive. Se a tomarmos em demasia, poderá também nos matar![1]
Essa regra geral da vida também se aplica às práticas espirituais. Deus não nos fez para que passássemos nossos dias inteiros em oração, prostrados de joelhos e encerrados no interior de um templo, sem fazer mais nada na vida, à exceção de poucas almas vocacionadas para tal. Se essa fosse a sua Vontade para todos nós, não nos teria feito humanos, mas seres espirituais como os Anjos. De fato, nós não seríamos capazes de viver assim, mesmo que quiséssemos, e até as monjas enclausuradas, as quais dedicam suas vidas inteiras à oração, têm os seus momentos de trabalho e de lazer e, claro, o tempo para a alimentação, higiene pessoal e outras necessidades básicas.
Sendo assim, porque o Espírito Santo nos manda, através do Texto sagrado, orar sem cessar?
São Basílio Magno esclareceu a questão de uma vez por todos, de modo inapelável. Assim ele ensinou:
Devemos rezar sem cessar? É possível obedecer a tal mandamento? (…) A força da oração reside mais no propósito da nossa alma e nos atos de virtude que estendemos a cada parte e momento da nossa vida.
Não podemos limitar a oração a pedidos em palavras. Com efeito, Deus não precisa apenas que lhe façam discursos; mesmo que nada lhe peçamos, sabe aquilo de que precisamos. Que dizer? A oração não se limita às fórmulas; antes abarca a vida toda. “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus”, diz o apóstolo Paulo (1Cor 10,31). Estás à mesa? Reza: ao pegar o pão, agradece Àquele que te concede o alimento; ao beber o vinho, lembra-te daquele que te proporcionou este dom, para te alegrar o coração e te consolar das tristezas. Terminada a refeição, não te esqueças de te recordar do teu benfeitor. Quanto vestes a túnica, agradece Àquele que te deu a vestimenta; quanto vestes a capa, testemunha o teu afeto a Deus, que nos proporciona vestes adequadas ao inverno e ao verão, para nos proteger a vida.
Terminado o dia, agradece Àquele que te deu o sol para os trabalhos da jornada e o fogo para te iluminar o escuro e prover às tuas necessidades. A noite também te dá motivos de ação de graças; olhando o céu e contemplando a beleza das estrelas, lembra o Senhor do Universo, que fez todas as coisas com tal sabedoria. Quando vês a natureza adormecida, adora Àquele que, por meio do sono, nos reconforta das fadigas e nos devolve, através do repouso, o vigor das forças.
Deste modo, rezarás sem descanso, se a tua oração não se limitar a fórmulas, mas pelo contrário te mantiveres unido a Deus no decurso de toda a tua existência, de maneira a fazeres da vida uma oração incessante.[2]
O que este grande Doutor da Igreja explicou, em essência, é que o bom cristão devoto reza sem cessar por viver sempre em espírito de ação de graças, meditando a Bondade e a Onipresença de Deus em todas as atividades do seu cotidiano. Assim é que será possível viver a exortação de São Paulo, de “rezar sem cessar”, pois não só com palavras sem faz oração de louvor e agradecimento a Deus.
Importa ainda dizer que, como Deus não é limitado para que pudéssemos sonhar em um dia compreendê-lo integralmente por meio da nossa contemplação, a cada dia e a cada instante contemplaremos algum atributo, algum aspecto e/ou alguma faceta de sua Majestade infinita. A cada dádiva recebida, aí está como que um traço do Divino, um sinal ou uma marca da sua Majestade infinita.
Este tipo de oração não verbal e sem fórmulas se dá pela reverência que cultivamos em cada pequeno gesto de nossas vidas, pelo exercício de saber ver a Presença divina em cada aspecto da Criação.
Claro, Deus não está nas obras que criou no sentido de se confundir com as coisas criadas, mas podemos dizer que Ele está nelas assim como um artista está refletido em sua obra, seja uma pintura, uma escultura, um poema, uma peça musical, etc. Todo artista – e todos nós o somos, em maior ou menor grau, na medida em que fomos criados à imagem e semelhança de Deus Criador –, deixa traços de sua personalidade naquilo que criou, isto é, em sua arte, no aspecto único de suas pinceladas, no modo como mistura as cores, ou na caligrafia, nas palavras que usa, na maneira de fazer harmonizarem-se entre si as notas musicais… Assim também Deus Altíssimo deixa ver, ainda que por vezes muito sutilmente, sua assinatura em tudo quanto criou.
Assim, neste Livro da Vida que é a natureza criada em seus múltiplos aspectos, devemos reverenciar o Criador, e por meio dela adorá-lo, render-lhe graças intimamente, mesmo quando não fizermos uso de nenhuma palavra e nem sequer organizemos os nossos pensamentos com termos definidos.
Esta é a prática que propomos ao estudante, hoje: fazer de toda a sua vida uma grande oração, um sacrifício de louvor que dure enquanto durar a sua presente existência, e que se renove a cada novo alento. Vivendo assim, nesse estado contemplativo constante, tanto e tão perfeitamente quanto lhe for possível, os traços mais feios ou obscuros nessa grande obra de arte que é a sua vida irão diminuindo aos poucos, perdendo força, dando lugar a tonalidades cada vez mais vivas, belas e luminosas. Porque somos aquilo que praticamos, e praticamos aquilo que cremos, assim como cremos aquilo que rezamos.
Orai sem cessar, não apenas com fórmulas e palavras, mas com cada respiração e a cada pulsar do coração. Assim nos achegaremos a Deus, e Ele se achegará a nós (cf. Tg 4,8). Mais ainda, desse modo é que poderemos entender aquilo que Jesus Nosso Senhor, sabendo que a etapa de sua primeira vinda, como um mortal, estava chegando ao fim, e entendendo que “era chegada a sua hora” (Jo 13,1), depois de reunir seus Apóstolos para instituir a Eucaristia, e após ter lavado os pés dos discípulos, proferiu a mais sublime oração de intercessão que já existiu, em favor de todos nós que acreditamos n’Ele. Suplicando ao Pai, humilde como sempre, Ele disse:
Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles estejam em Nós e o mundo creia que me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como Nós somos um: Eu neles e Tu em Mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a Mim.
(Jo 17, 21–24)
Como é glorioso pensar que fomos convidados para essa perfeita Unidade que existe entre o Pai e o Filho! Um dos modos mais perfeitos de vivê-la é justamente por meio da oração contínua: a oração pronunciada em palavras no seu devido momento, e também a oração que se faz com a própria vida, em todos os momentos.
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[1] A medicina aponta que o limite de água que um homem saudável médio pode ingerir em um dia inteiro (24 horas) é o de 16 litros. Até essa marca, os rins costumam dar conta do trabalho. Excedido esse volume, ocorre a hiponatremia, isto é, uma hiperidratação severa, o que pode ser fatal. (Cf. Dr. Virgílio Gonçalves Pereira Júnior, nefrologista do Hospital Israelita Albert Einstein / CRM SP 49902, ‘Você sabia que a água em excesso pode fazer mal à saúde?’, disp. em: https://vidasaudavel.einstein.br/agua-em-excesso – Acesso 29/9/2022).
[2] São Basílio Magno (330 – 379), Monge, Bispo de Cesareia da Capadócia, Doutor da Igreja, Homilia V.
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