Como vimos em nosso módulo anterior, a vinda do Messias de Deus ao mundo foi desde sempre ansiosamente esperada pelos judeus. Este evento para eles representaria a consumação da Lei e das Escrituras, confirmaria o dogma nacional da eleição divina, traria a solução de todos os problemas; e essa expectativa só aumentara com o passar dos tempos, pela fé na antiga Promessa feita ao Patriarca Abraão por Deus, e depois confirmada muitas vezes: a Jacó no sonho de Betel, a Moisés no Sinai, aos Reis pelos Profetas, que a haviam reafirmado sem cessar.
Isaías, no seu belíssimo décimo primeiro capítulo, para o deleite do “povo eleito” detalhara o dia em que um “rebento novo” brotaria do “tronco de Jessé” e seria então “posto como estandarte para todos os povos”[1]. Ezequiel dissera que os mortos ressuscitariam e que a “Jerusalém futura” renasceria das cinzas da antiga. Daniel vira o fim que a Providência daria para a História humana: a instalação do Reino de Deus sobre a Terra, pela restauração gloriosa de Israel e pelo estabelecimento de um povo santo[2].
A sabedoria de Deus é tal que soube satisfazer perfeitamente a necessidade presente no coração e na alma de cada ser humano, de ver encarnados os seus grandes sonhos e os seus maiores desejos, na forma de alguém que ele pudesse amar. Todos nós ansiamos e desejamos encontrar alguém – um semelhante a nós, um outro ser humano –, que seja perfeito, que coincidia com as nossas esperanças mais caras e profundas. Por isso mesmo é que desde sempre prosperaram tantos falsos profetas, tantos impostores e charlatães que enganaram e enganam as multidões ávidas por alguém que lhes possa dar, infalivelmente, todas as respostas; alguém que lhes pudesse abrir as portas e indicar o caminho seguro. Por isso é que temos tantos maus políticos sendo eleitos, esses que escravizam seus próprios eleitores, querendo vê-los eternamente dependentes de suas políticas assistencialistas, para que sempre se vejam obrigados a votar novamente neles. Por isso é que multidões procuram pregadores que lhes vendem “rosas ungidas” e “sabonetinhos de descarrego”… Esses patifes prosperam porque souberam falsamente encarnar essa figura desejada por todos, com a qual sempre sonhamos. Souberam preencher esse anseio da alma humana por algo que está além do alcance deste mundo; algo que foi posto ali por Deus, nosso Criador.
Deus, todavia, Todo-Amoroso como é, não quis apenas enviar-nos um ser humano assim ideal, que pudéssemos seguir e em quem confiar. Sim, Ele nos deu a Virgem Maria como exemplo de perfeição, e além dela muitos grandes Santos para nos encorajar. Mas isso ainda não era suficiente. Ele quis nos dar Quem é infinitamente mais que um modelo perfeito: quis nos dar Aquele que nos livra de todo mal e nos salva, que pode nos dar a vida eterna e nos conduzir à perfeita realização da nossa existência. Ele quis enviar seu Filho, ou também poderíamos dizer que Deus mesmo quis se fazer homem, quis ser como um de nós, para nos inspirar de maneira incomparável e, de fato, “obrigar-nos” a amá-lo de volta. Porque que homem ou mulher de bem haverá que, diante de tal prova de amor, não ame em retribuição, e que o faça não por temor ou obrigação, mas espontaneamente?
Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.
(Jo 3,16)
Pois esse anseio, para os antigos judeus, confundia-se com a grande esperança na eleição especial que, segundo acreditavam, haviam herdado de Abraão. Uma concepção algo contraditória, que aparentemente não era nítida, mas que estava unanimemente presente no inconsciente desse povo: a imagem de um personagem sobrenatural que restituiria Israel e faria levar a cabo a obra do Senhor YHWH.
Historicamente podemos saber com certeza que, no começo do primeiro século de nossa era, a esperança messiânica inundava a consciência judaica. As esperanças de resgatar a honra perdida pela força, nesse tempo, haviam cedido; com os descendentes dos Macabeus sumariamente derrotados, os príncipes da linhagem de Herodes e os funcionários de Roma repartiam entre si a Terra Prometida. Mas não havia judeu que se entregasse ao desespero, e dos Evangelhos transparece a esperança que animava uma gente castigada, mas admiravelmente obstinada.
Vemos os sacerdotes e os levitas saindo para perguntar ao Batista, que pregava às margens do Jordão, se era ele o Messias que havia de vir; vemos André correndo ao encontro de Simão a gritar, quase como faria uma criança cheia de entusiasmo: “Encontramos o Messias!”;
Vemos a humilde mulher samaritana cultivando a mesma fé, confessando ao seu Interlocutor diante do poço de Jacó: “Eu sei que o Messias está por vir. Quando vier, Ele nos fará conhecer todas as coisas”. Sem dúvida, nos diversos setores da sociedade judaica, a mesma esperança era interpretada de maneiras bem distintas. Cada um compreendia o messianismo conforme seu temperamento, sua cultura e suas especiais necessidades. O nacionalista fanático via o Salvador como uma espécie de Judas Macabeu invencível, impiedoso para com os inimigos; um fariseu representava-o como um Mestre asceta e eminentemente virtuoso, a encarnação viva da Lei santa; o povo humilde, sempre ávido por maravilhas, imaginava-o como um poderoso mago cheio de poderes sobrenaturais.
Não poucas vezes, aproveitando-se do vigor dessa esperança, surgiram aventureiros que arrastavam seguidores, ansiosos pela realização imediata da Promessa: Judas, Simão, Atronge… Todos estes, um após o outro, depois de algumas semanas de agitação, eram postos de volta em seus devidos lugares pela autoridade romana, ainda que novos pretendentes a Messias não parassem de surgir, aqui e ali.
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[1] Jessé é Isaí, pai de Davi: texto citado em Rm 15,12 (nota da Bíblia Ave Maria).
[2] Especialmente após a volta do Exílio, esta imagem grandiosa ganhou força. A realização da antiga Promessa seria cumprida por Deus, mas não como nos tempos antigos. Agora, o Altíssimo se serviria de um intermediário sagrado para lhe dar cumprimento, um Ungido, o Messias. O Cristo.
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