Módulo 7: História da Igreja 2 | A Pedra — conclusão


Como se não bastassem as provas sobre a primazia de Pedro apresentadas na aula anterior (reveja), vê-se claramente que em todo o contexto do Novo Testamento, como também na sua própria literalidade, está demonstrado continuamente que Pedro tinha a palavra final nos assuntos da Igreja primitiva, em muitas passagens. Vejamos alguns exemplos:

        • Em todos os Evangelhos, sem exceção, é sempre Pedro o primeiro entre os Doze Apóstolos. Ele foi agraciado com a primeira aparição do Cristo Ressuscitado (1Cor 15,5; Lc 24,34);

        • É Pedro quem decide que se fará a eleição de um discípulo para ocupar o lugar de Judas Iscariotes e completar o Colégio dos Doze (At. 1, 15-22);

        • É Pedro o primeiro que prega o Evangelho aos judeus no dia de Pentecostes (At. 2, 14; 3, 16);

        • É Pedro quem resolve receber na Igreja os primeiros gentios (At. 10, 1);

        • Pedro realiza visitas pastorais às igrejas (At. 9, 32);

        • Pedro é o Apóstolo sobre o qual o NT mais fala: o único dos Doze cuja vida pode ser descrita com uma precisão viva e marcante. Os Evangelhos e os Atos diferenciam-se da hagiografia convencional na medida em que mostram os defeitos e pecados de Pedro, da mesma maneira que destacam suas qualidades, virtudes, milagres e atos heroicos.

        • No Concílio de Jerusalém, temos a prova escriturística definitiva e incontestável: pois essa passagem demonstra como o próprio Apóstolo Pedro confirmou a verdade que aqui apresentamos, quando disse, no meio de todos os Apóstolos e presbíteros da Igreja reunidos, no primeiro Concílio (de Jerusalém): “Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho e cressem” (At 15,7). E assim ele põe um fim à longa discussão que ali se travava, decidindo ele que não se deveria impor a circuncisão aos pagãos convertidos. E ninguém ousou opor-se à sua decisão: as Escrituras testemunham como a Igreja (toda a assembleia reunida) calou-se para ouvi-lo, silenciosamente, e como assim é que ficou decidido, e como todos obedeceram sem questionar (a passagem completa encontra-se em At 15, 1-12).

    É por isso que até hoje os cristãos não circuncidam os seus recém-nascidos: Pedro aboliu a circuncisão, com a autoridade que o próprio Cristo lhe deu. O primeiro documento conhecido dado por um Papa é o de Clemente I, ainda do primeiro século. Trata-se de uma intervenção numa disputa em Corinto. Já no século II, Santo Inácio, e algum tempo depois Santo Ireneu, enfatizaram a posição única do Bispo de Roma.

    O papado é uma das instituições mais antigas e duradouras do mundo e, sejamos católicos ou não, temos que reconhecer que teve uma participação proeminente na História da humanidade. De São Pedro até s nossos dias, foram mais de 260 Papas, numa sucessão apostólica direta. Muitos grandes generais, governantes e poderosos ditadores inimigos da Igreja lutaram contra ela, querendo o seu fim. Mas a Profecia do Senhor nunca deixou de se cumprir: o Inferno não prevalece contra a Igreja edificada por Ele.

    Essa autoridade de Pedro, assim como a de todos os Apóstolos, era e continua sendo transmitida de um homem para outro, sendo eleitos os novos sucessores pelo Colegiado dos Apóstolos, através dos tempos. No caso de Pedro, as Chaves do Reino dos Céus, entregues diretamente por Jesus Cristo, vêm sendo transmitidas, nesses dois mil anos de história, através do Papado. Dizer que a autoridade de Pedro morreu com ele seria o mesmo que renegar a Promessa do Senhor Jesus: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado. Eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (Mt 28,20)[1].

    Se o Senhor prometeu que continuaria com a sua Igreja até o fim do mundo, também a autoridade que Ele concedeu à sua Igreja tem que permanecer, até o fim dos tempos. Esta é a Sã Doutrina católica. Esta é a Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras. Esta é a Tradição Cristã, de dois mil anos de história. Quem pregar o contrário, seja anátema. Porque,

“...de fato, não existem ‘dois evangelhos’: existem apenas pessoas que semeiam a confusão entre vós, e querem perturbar o Evangelho de Cristo. Mas ainda que alguém, nós ou um anjo baixado do Céu, vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que seja anátema.” (Gálatas 1, 6-8)

    Amém. Graças a Deus.

    Não poderíamos ainda dar por concluída a resolução deste problema sem refutar o outro pseudoargumento mais comum dos que não se conformam com a simples verdade. Como os fatos que apresentamos até aqui, quando analisados de perto são inquestionáveis, numa tentativa desesperada de negar a realidade do Primado de Pedro, alguns outros chegaram a criar outra interpretação espúria segundo a qual, sim, a Pedra era Pedro (já que isso é inegável), mas em grego a palavra para pedra grande seria petra, que significa rocha grande. Já palavra usada como nome para Simão, petros, significaria uma pedra pequena, uma “pedrinha”. Os pobres católicos estariam se iludindo, pensando que Jesus comparava Pedro a uma rocha, mas a realidade seria o contrário: o Senhor estaria, aí, contrastando, de um lado, a rocha sobre a qual a Igreja seria construída, o próprio Jesus (‘Petra’). De outro, essa mera pedrinha (‘Petros’)... Jesus estaria, assim, querendo enfatizar que Ele mesmo seria o fundamento da Igreja, e que Simão não estava nem de longe qualificado para tanto.

    Essa segunda suposição é tão fraca e desprovida de fundamento que, neste sentido, chega a dificultar a resposta: de tão absurdo, hesita o teólogo católico, enquanto decide por onde começar a desmantelá-lo. Primeiramente, vemos o quanto são desunidas as denominações “evangélicas”, e notamos como o único objetivo que têm realmente em comum é renegar o Catolicismo e a legítima Igreja de Cristo: porque se o Evangelho de Mateus não está se referindo a Pedro, mas ao próprio Jesus Cristo, então estaria chamando o Senhor de “pedrinha”?! Assim, uma “igreja evangélica” acaba ridicularizando a teoria da outra, na tentativa de negar o catolicismo. Porque se houvesse mesmo essa alegada diferença nas expressões em grego (que não existe, como veremos), isto só serviria como uma comprovação a mais de que Jesus não estava se referindo a Si mesmo nessa frase.

    Porém, como sabe todo conhecedor do grego antigo (católico ou não), os termos petros e petra eram sinônimos nesse idioma no século I. Essa distinção de significados pode ter existido séculos antes de Cristo, mas havia desaparecido no tempo em que o Evangelho de Mateus foi traduzido. Como podemos ter absoluta certeza disso? Simples: a diferença de significados existe apenas no grego ático, e o Novo Testamento foi escrito no koiné, um dialeto bastante diferente. Em koiné, tanto petros quanto petra significam “pedra” ou “rocha”. Se Jesus quisesse chamar Simão de “pedrinha”, teria usado o termo lithos. Mas isso evidentemente não faria sentido, observando-se o contexto da passagem, pois Nosso Senhor está saudando e parabenizando a Simão, chamando-o “bem-aventurado”; Cristo o presenteia de um modo impressionante, com as chaves do Reino dos Céus e o poder de ligar e desligar na Terra o que será ligado e desligado no Céu! Não haveria sentido algum em fazer isso e, ao mesmo tempo, diminuir Pedro, chamando-o com um termo depreciativo.

    Estamos diante de uma questão realmente tão simples, que até estudiosos importantes de igrejas protestantes históricas o reconhecem: nesse sentido podemos citar, por exemplo, a respeitável obra de D. A. Carson e Frank E. Gaebelein, “The Expositors Bible Commentary”. Mas há os que insistem em ignorar o óbvio, e são os mesmos que costumam interpretar a Bíblia sempre literalmente, em tudo que não faz sentido, como no caso da proibição às imagens, por exemplo. Mas quando é para negar a autoridade da única Igreja instituída diretamente por Cristo, ainda que seja coisa totalmente evidente, mesmo que esteja escrito explicitamente, aí vão procurar interpretações desnecessariamente complexas a partir do grego.

    Com certeza é importante estudar os textos sagrados nos idiomas originais. E, por isso mesmo, não podemos nos esquecer que a origem dos Evangelhos não está na língua grega. As narrativas que possuímos hoje foram traduzidas de manuscritos dados originalmente em aramaico, já que esta era a língua falada por Jesus, pelos Apóstolos e por todos os judeus da Palestina. Era essa a língua corrente da região, e sabemos com certeza que Jesus falava aramaico, também, devido a algumas de suas palavras que foram preservadas nos próprios Evangelhos e traduzidas para o grego, como em Mt 27, 46, onde Ele diz, na Cruz: “Eli, Eli, Lama Sabachtani”. Isto é aramaico, e significa, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

    Os livros do NT de que dispomos hoje estão escritos em grego porque não visavam apenas os cristãos da Palestina, mas também os de outros lugares, como Roma, Alexandria e Antioquia, onde o aramaico não era falado, e é por isso que também os Evangelhos foram traduzidos. Muito importante: nas epístolas gregas de Paulo (por quatro vezes em Gálatas e outras quatro em 1Coríntios), preservou-se a forma aramaica do novo nome de Simão. Em nossas Bíblias, aparece como Cefas. Isto não é grego, mas sim uma transliteração do aramaico Kepha (traduzido por Kephas na forma helenística).

    Assim, sabemos o nome que Cristo realmente deu a Simão, na língua em que eles falavam. Seu nome era Simão, mas Deus lhe conferiu um novo nome, como fizera antes com Jacó e com Abrão ao dar-lhes suas missões fundamentais na História da Salvação. Desde então, sempre fizeram assim os Papas ao assumir a Cátedra Petrina, escolhendo um nome apostólico pelo qual serão chamados a partir daí. Foi assim que o Senhor fez com Simão, mudando seu nome, por ter sido ele o primeiro a confessar que Jesus era o Cristo: Nosso Senhor chamou-o Kepha. E o que significa essa palavra em aramaico? Significa rocha, uma pedra grande e maciça: é este o mesmo sentido de petra, em grego.

    Já a palavra aramaica para uma pequena pedra é evna. O que Jesus realmente disse a Simão, numa tradução mais literal, em Mt 16, 18 foi: “A partir de agora tu és Rocha e sobre esta Rocha construirei a minha Igreja”. Algo novamente óbvio, afinal, não se poderia edificar nada sobre uma “pedrinha”. Quando se conhece o que Jesus disse em aramaico, percebe-se que Ele comparava Simão a uma rocha; não estava comparando-se a Si mesmo com o Apóstolo, de modo algum; isso seria absurdo. Também podemos comprovar esta realidade, vividamente, em algumas versões modernas e mais apuradas da Bíblia em língua inglesa, nas quais este versículo é muito bem traduzido: “You are Rock, and upon this rock I will build my Church”. Já em francês, sempre se usou apenas o termo “Pierre”, tanto para o novo nome de Simão quanto para rocha.

    O fato simples e concreto é que não é preciso se perder em estudos linguísticos complexos nem em traduções de línguas orientais antigas para entender a questão. Além de toda evidência gramatical, a própria estrutura da narração de Mt 16 15-19 não permite uma diminuição do papel de Pedro na Igreja. Basta observar a forma na qual se estruturou o texto. Haveria algum sentido em Jesus dizer uma frase mais ou menos parecida com esta: “Bendito és tu, Simão, pois não foi a carne nem o sangue que te revelaram este Mistério, mas meu Pai, que está nos Céus. Por isto eu te digo: és uma pedrinha insignificante, e sobre a Rocha, que sou eu mesmo, edificarei a minha Igreja. Por isso Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”(!?)...

    Uma “tradução” deste tipo torna-se cômica. Somente um indivíduo dotado de muita má vontade para aceitar tal insanidade. A verdade, que está na Escritura para quem quiser ver, é que Jesus abençoa Pedro triplamente. O Senhor coloca Pedro como uma espécie de comandante ou primeiro ministro abaixo do Rei dos reis, dando-lhe as chaves do Reino. Assim como em Isaías (22,22), época em que os reis apontavam um comandante para os servir, em posição de grande autoridade para governar sobre os habitantes do reino: pois Jesus cita quase que verbalmente esta passagem de Isaías, o que torna claríssimo aquilo que Ele tinha em mente.

    Terminou? Ainda não. Eis que, numa última tentativa de argumentar, vão dizer ainda certos “evangélicos” de má vontade: “Então, se ‘kepha’ significa o mesmo que ‘petra’, porque a versão grega não traz ‘Petra’? Por quê, para o novo nome de Simão, Mateus usa o grego ‘Petros’?” Bem. o tradutor de Mateus precisou fazer isso, simplesmente, porque não teve escolha. Grego e aramaico possuem diferentes estruturas gramaticais: em aramaico, pode-se usar somente kepha na passagem em questão. Mas em grego, encontramos um problema: os substantivos possuem terminações diferentes para cada gênero. Em grego, existem substantivos femininos, masculinos e neutros, e a palavra petra é feminina. Assim, não se pode usá-la para traduzir o novo nome de Simão, somente porque se trata de um homem, não de uma mulher.

    Ao traduzir para o grego, foi preciso “masculinizar” a terminação do nome. Fazendo-o, surgiu o termo Petros, da mesma maneira como no português não dizemos “Apóstolo Pedra”, já que se trata de um homem e o substantivo pedra é feminino. Também em português, então, foi preciso criar o masculino de pedra, que deu em “Pedro”. Uma observação final: no português, “pedra” pode ser usado tanto para uma estrutura gigantesca como a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, quanto para uma pequenina pedra que atiramos a um rio. Por certo, na tradução do aramaico para o grego perdeu-se parte do jogo de palavras usado pelo Senhor, assim como na tradução para o português.

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[1] Neste ponto convém citar, de passagem, que, ainda que se confirmem as teses sedevacantistas ou sedeprivacionistas, isso não altera a verdade da continuidade perpétua da Sucessão Apostólica: representaria apenas um longo interregno, algo que seria possível nos tempos da grande apostasia.

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