Bibliografia do módulo 11

BIBLIOGRAFIA utilizada neste volume e recomendada*


PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação teológica, vol I: o Mistério da Igreja, 11ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1956.


TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 6ª ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961.


FABER, Frederick William. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2019**.


CHARBEL, Antônio. Introdução Geral e Especial ao Antigo Testamento; Pentateuco e Livros Históricos, São Paulo: Realeza, 2022.


DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.


SOARES, Ezequias. Septuaginta: Guia histórico e literário, São Paulo: Hagnos, 2009.

THACKERAY, H. St. J. Septuagint. In: International standart Bible encyclopedia. Albany: AGES, 1997.

JAEGER, Werner. Cristianismo primitivo e paideia grega. Lisboa: Edições 70, 1991.

SÃO JOÃO DA CRUZ. Obras traduzidas pelas Carmelitas Descalças de Santa Teresa do Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes, 1960.


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Módulo 11: Teologia Ascética e Mística 2 | Praticar a Ascese para se chegar ao caminho da Mística


Já saberá nosso estudante
responder da maneira mais sucinta à pergunta “o que é a Mística”? Em uma frase, a Mística é o conhecimento experimental de Deus. Guarde-se bem isso na memória. Já não se trata de conhecimento teórico, o qual se pode adquirir por meio da leitura de bons livros, sobre o qual se pode raciocinar, refletir e elucubrar, desenvolvendo compreensões e teorias sobre certas verdades de Fé, mais ou menos corretas e que vão se aperfeiçoando na vida de estudos. A Mística é um conhecimento, de fato, experiencial. A Vida de Deus começa a se tornar realidade na vida da pessoa, do cristão, na alma devota, que já entra em um estado místico e extraordinário.


Ainda que se trate de um estado dito extraordinário, porque avança além do estado ordinário, isto é, mais comum, trivial ou corriqueiro das almas, não se trata de estado exclusivo das almas escolhidas, mais perfeitas, especialmente agraciadas, as quais fariam parte de uma espécie de “elite” espiritual. Lagrange diz que o estado místico não é feito somente para pessoas possuidoras de certos dons ou capacidades especiais, mas sim para todas as pessoas que verdadeiramente querem percorrer o caminho cristão, querem viver uma vida efetivamente católica em sua perfeição, até o seu fim – a escalada da montanha até o cume. Diga-se de passagem que, para tanto, importa que tais almas precisam manter-se bem conscientes de suas imperfeições, defeitos, fraquezas.


Já os iniciantes nessa escalada seguem pela via da purgação passiva, a qual explicaremos mais adiante. Na Ascese, que é o primeiro passo para se atingir a Mística, Deus espera de nós a prática das virtudes, especialmente as teologais: fé, esperança e caridade, em conjunto com as virtudes morais ou cardeais[1]: prudência, justiça, fortaleza e temperança –, e da prática das Bem-aventuranças. Assim, 1) quem se fizer pobre em espírito* herdará o Reino dos Céus; 2) os que choram (por amor à justiça) serão consolados; 3) os mansos herdarão a Terra; 4) os que têm fome e sede de justiça serão saciados; 5) os misericordiosos alcançarão misericórdia; 6) os puros de coração verão a Deus; 7) os pacificadores serão chamados filhos de Deus; 8) dos que sofrem perseguição por causa da justiça é o Reino dos Céus, 9) os que são injuriados, perseguidos e caluniados por causa de Cristo receberão uma grande recompensa no Céu.


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Neste início de nova fase de aprendizado em Teologia Ascética e Mística, cada módulo deverá ser profundamente meditado para que se alcance a compreensão profunda que essas disciplinas especialmente exigem. Procure ter bem apreendidas as realidades aqui apresentadas até a disponibilização da nova aula, pois todo o conteúdo exposto se coadunará perfeitamente, completando um conjunto coeso de conhecimentos que dará ao estudante a possibilidade de alcançar sabedoria e grande progresso espiritual.


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* “Pobres de espírito” é a tradução mais conhecida da primeira bem-aventurança. Infelizmente, trata-se de uma expressão que, com o passar do tempo, foi perdendo completamente o seu sentido original. Hoje, quando dizemos que “fulano é pobre de espírito”, frequentemente estamos querendo dizer que se trata de uma pessoa medíocre, fraca, bruta, insensível... ou alguém de entendimento limitado, sem criatividade. Pobre de espírito, no entendimento popular, acabou por ganhar um significado oposto ao sentido do Evangelho. Já no dicionário Aurélio, a expressão traz a seguinte definição: “Pobre de espírito: Pessoa simplória, ingênua, parva, tola”. Cristo não disse que o Reino dos Céus pertence aos insensíveis e limitados, ou aos simplórios, parvos e tolos. Algumas traduções posteriores tentaram resolver o problema mudando a forma para “pobres em espírito”. Na linguagem escrita, um mero acento ou vírgula já é capaz de mudar completamente o sentido de uma frase, quanto mais a troca de uma preposição. Mas a verdade é que essa forma ainda não tornava possível alcançar o sentido do texto original. A expressão “pobres de espírito” foi traduzida para o português, assim como para vários outros idiomas, principalmente baseada na tradução do grego existente na Vulgata latina, feita por S. Jerônimo. Esta foi a única tradução conhecida, por séculos, em toda a comunidade cristã ocidental. Isto acabou imprimindo na memória de milhões de pessoas a ideia do Reino dos Céus vindo a ser herdado pelos “pobres de espírito”, concepção passada de geração para geração. Já a tradução bem mais recente da editora Vozes (sob a coordenação geral do Prof° Dr° Ludovico Garmus), assim como a da Editora Ave Maria (para o francês pelos Monges de Maredsous, beneditinos da Bélgica), podem ser consideradas confiáveis dão um significado diferenciado às palavras de Jesus: “Bem-aventurados os que têm um espírito de pobre, porque deles é o Reino dos Céus!” e “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos Céus!”, respectivamente. De fato, o conteúdo do texto original, em grego, traz (transliterado): “Makarioi oi ptwcoi tw pneumati oti autwn estin h basileia twn ouranwn”. Assim como ocorre com outras línguas, algumas palavras e expressões do grego têm um significado difícil de traduzir. A questão toda se encerra nas palavras “ptwcoi tw pneumati”. “Ptwcoi” vem de “ptochos”, que significa, literalmente, ”mendicante”. Na versão traduzida para o latim, “ptwcoi” virou “pauper”, e daí chegou ao português como “pobre”. Mas o sentido de pobre, no grego, não está na raiz “ptochos”, mas sim em “penia”, que significa pobreza. Daí deriva a palavra “penúria”. 

“Ptochos” alude, pois, a mendicante, àquele que mendiga ou pede ajuda. Tal compreensão traz mudanças importantes à nossa percepção, em termos de analogia. Na tradução mais precisa, o que Jesus diz é “Bem aventurados os que mendigam em espírito”, ou “bem aventurados os que humildemente suplicam em espírito”. E essa ideia é logo adiante confirmada com “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados”, ou seja, a dimensão ética e espiritual sobrepondo-se à dimensão física, intestinal. E, mais uma vez, ali, a tradução de “fome” para o termo “peina” não é a mais perfeita, porque essa palavra tanto pode significar “ter fome”, como “ter necessidade de algo”.

O “mendigar”, então, simboliza estar necessitado de algo, o ansiar e pedir humildemente por esse bem do qual se necessita; representa a consciência de qual é a nossa verdadeira e primeira necessidade – nossa principal e mais importante, ou mesmo única necessidade real. Daí que o aceitar e se dedicar completamente à satisfação dessa necessidade, segundo Jesus, constitui o caminho da libertação. O Divino desce à necessidade humana, Ele próprio mostra a trilha, a jornada para a Liberdade através do reconhecimento de nossa incompletude e de nossa ancestral necessidade. É na humildade do reconhecimento dessa necessidade que o homem se encontra e se completa ou realiza, não fugindo dela. E, na medida em que se encontra, encontra Deus. Jesus mostra o caminho, reabre as vias; além das traduções, o Senhor permanece, como permaneceu sempre, bem compreendido por todo aquele que o busca não somente na dureza da letra, mas no interior de si, usando de total sinceridade e transparência de alma.

Por fim, as traduções que trazem “humildes de espírito” não são também literais, porém mais precisas que o “pobre de espírito”. O adjetivo “humilde”, usado isoladamente, poderia levar à ideia de alguém acanhado e tímido, uma pessoa que não ousa levar as suas ideias e convicções à luz da discussão e nem fazer refletir os seus princípios nas suas atitudes e em sua postura perante a sociedade. Por outro lado, quando ouvimos falar em “humilde de espírito”, fica claro que se está referindo a uma qualidade moral, não de comportamento social, embora uma coisa transpareça na outra. Os que têm o verdadeiro “espírito de pobre” evangélico certamente são humildes, reconhecem-se necessitados de ajuda para crescer. Mais do que isso, sabem que a ajuda de que necessitam é espiritual, pois é nesse aspecto que está a sua pobreza. Pedem a Deus por tal ajuda, ao mesmo tempo em que se esforçam para enriquecer os seus espíritos com as virtudes das quais se veem carentes. Por óbvio, quem tem um verdadeiro “espírito de pobre” é o humilde em espírito. Alguém materialmente pobre pode aparentar humildade no seu comportamento social, mas internamente ser revoltado contra a sua condição e/ou contra o seu próximo e, desse modo, não possuir humildade moral. Já os pobres em espírito são os que têm e cultivam um coração/espírito humilde. Verdadeira humildade, pois, é a palavra chave para entender a primeira das Bem-aventuranças.

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Também chamadas virtudes humanas.

Módulo 11: Teologia Ascética e Mística 1 | “A Subida do Monte Carmelo” de São João da Cruz

** Disponibilizamos para download neste link a obra “A Subida do Monte Carmelo” juntamente com “Noite Escura” e “Cautelas”, todas de São João da Cruz, traduzidas pelas carmelitas descalças do Convento de Santa Teresa do Rio de Janeiro, com prefácio e introduções do nosso Padre Maurílio T. L. Penido.

Até o décimo volume de nossa formação, apresentamos os iniciais fundamentos da Ascética e da Mística como forma de introduzir nossos estudantes a esses estudos em forma de disciplinas acadêmicas, procurando escapar às ruminações tediosamente demasiadas. A partir desta edição, passamos a apresentar um compêndio mais abrangente que servirá como introdução geral aos nossos estudos subsequentes. Por essa razão, nesta etapa uniremos as partes teórica e mística em um só capítulo, já que essa apresentação servirá geralmente bem aos dois propósitos, como ficará claro. Temos as presentes considerações fundamentadas na direção do Revmo. Pe. Abbé Charbel Santana, SSSp., com base na obra clássica da espiritualidade cristã de São João da Cruz.


“A Subida do Monte Carmelo” é o título de uma obra de São João da Cruz que trata sobre a iniciação à vida interior ou espiritual. “Monte Carmelo” é como o Santo chama essa alegórica “montanha” espiritual à qual todo cristão é chamado a subir. Importa saber que não somente religiosos, consagrados, monges e/ou padres, mas também o leigo comum deve querer empreender essa subida, assim chamada em analogia à subida, isto é, ao progresso interior de cada cristão, que deve prosseguir e aperfeiçoar-se até à divina União, que se dá quando a alma/criatura se une efetivamente ao seu sublime, inacessível, misterioso e amorosíssimo Criador. Assim se alcança o cume da perfeição cristã.


São duas vias para se chegar a esse fim, dois caminhos ou percursos que, ao fim e de fato, resumem-se a um só, para se alcançar o topo dessa montanha espiritual que o Místico chamou de Monte Carmelo. Essas vias são justamente a Ascese e a Mística.

Além dos grandes Santos místicos da Igreja, como o próprio São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, alguns autores importantes que se dedicaram de modo especial à compreensão da espiritualidade cristã, tais como o dominicano Pe. Garrigou Lagrange e o autor da obra clássica que até aqui nos serve de referência, o sulpiciano Pe. Adolphe Tanquerey, ocuparam-se de um problema que tem fundamental importância para a vida de todo cristão católico, mas que hoje, desgraçadamente, encontra-se geralmente esquecido: a Mística. 


O leigo comum dos nossos tempos, via de regra, divide seu tempo e suas melhores energias do seguinte modo: antes de tudo, muito se depara com debates acirrados sobre a atual grande crise da Igreja (alguns mais, outros menos, prestam atenção nisso, em busca de uma solução que lhe restitua a paz da alma); acessa notícias relacionadas às realidades eclesiais; aprecia este ou aquele pregador, lendo artigos ou assistindo vídeos nos quais discorre sobre temas pontuais; lê livros e busca aprender sobre disciplinas teológicas que lhe despertam o interesse, tais como estas às quais nos dedicamos nesta formação e outras, como Direito Canônico, Doutrina Social da Igreja, Liturgia, etc. Seja como for, todos esses católicos quase sempre abdicam de uma obrigação primária e essencial que lhes cabe: empregar o tempo e a dedicação – que são absolutamente necessários — às suas próprias almas, isto é, à vida interior.


Assim vemos o tempo sendo impiedosamente desperdiçado, como que num jogo espiritual no qual o demônio tem ditado as cartas: as pobres almas, em sua imensa maioria, dedicam muita atenção às frivolidades e coisas passageiras do mundo, em todo o tempo livre que têm (geralmente escasso), esquecendo-se do mais importante.


Dizendo em outras palavras, em nossos tempos trabalhamos muito. Acordamos cedo todos os dias e precisamos nos entregar à pesada labuta, assumindo a responsabilidade para que possamos honrar as obrigações que nos impõe o nosso estado. Assim passamos todo o dia, todos os dias. No pouco tempo livre que resta, cansados, tentamos relaxar um pouco, e o fazemos jogando nosso tempo fora, com futilidades na internet, em alguma rede social, assistindo séries na TV (geralmente repletas de imoralidades) ou, nos dias de folga, apenas sociabilizando, o que se tornou sinônimo de falar sobre bobagens sem importância com parentes e/ou amigos. Quando se vê, assim se passaram longos anos, talvez mesmo décadas do tempo que nos foi dado neste mundo, sem que sequer nos apercebêssemos do quanto esta vida é fugidia, o quanto o tempo passa rápido e como fizemos tão pouco daquilo com que sonháramos em nossa juventude. Quão pouco do que nos comprometemos a fazer de bem, de bom e de belo, por nós e pelos nossos semelhantes, promessas muitas vezes feitas em oração diante de Deus. Dedicamos tempo a tantas coisas sem importância e não guardamos praticamente nenhum “espaço” em nossas vidas para aquilo que é realmente mais importante: cuidar de nós mesmos.


Tratamos aqui de um “santo egoísmo”, se é que se poderia chamar assim. Porque amar o próximo como a si mesmo só é coisa virtuosa e útil se, antes, amamo-nos a nós mesmos. Se alguém se odeia a si, como poderia amar o outro? E como é que se cuida de si mesmo? Para responder, é preciso, antes, saber o que é este “si”. 


O que somos, afinal? Evidentemente, não nos dedicaremos a analisar pergunta tão transcendental aqui e agora, o que nos faria desviar do rumo que nos propomos por um longuíssimo desvio. Basta considerar, de momento, que no ser humano há o ponto de encontro ou a síntese da realidade inteligível e do mundo sensível. Tudo o que se pensa, do Universo físico que nos rodeia, sobre a realidade metafísica, é a partir daquilo que o homem é: a pessoa humana jaz numa singularidade que é corpo e alma, sendo o corpo, tal como o conhecemos, fraco e finito como as realidades terrenas, e a alma, eterna como Deus. Por isso, simplesmente dizendo, é que a nossa busca por Deus precisa se dar na alma, a partir do interior.


Respondit eis et dixit: “Non venit Regnum Dei cum observatione, neque dicent: ‘Ecce hic’ aut: ‘Illic’; ecce enim regnum Dei intra vos est”.


Respondeu-lhes Ele: “O Reino de Deus não virá de um modo ostensivo. Nem se dirá: ‘Ei-lo aqui’; ou: ‘Ei-lo ali’. Pois o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21s[1]). 


À pergunta “O que é ascese/estado ascético?”, Tanquerey responde da seguinte maneira: “Ascético é o estado no qual fazemos as práticas espirituais para alcançar a perfeição”. A Teologia ascética, pois, não trata somente de se evitar o pecado (via negativa), mas trata de como se praticar as virtudes, e fazê-lo até o seu grau de perfeição. Dizendo por outras palavras, a Teologia moral vai tratar especialmente do que é pecado e do que não é, enquanto que a Teologia ascética vai tratar das virtudes e de como praticá-las.


Aqui não estamos falando da Lei e dos preceitos a serem praticados para se chegar, ao menos, ao Purgatório, escapando da condenação do Inferno, mas dos caminhos para se chegar ao Céu diretamente, sem a necessidade de se passar pelo Purgatório. Esta é ou deveria ser a vida — o fazer comum — do cristão.

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Conf. a tradução da Neo Vulgata – Latina e Clementina.

Módulo 11: História da Igreja 1 | Batismo de crianças na Bíblia

O batismo luterano (sim) em detalhe, por Lucas Cranach, o Velho

Aqui está uma questão realmente simples, mas da qual muito se faz pretexto. As Sagradas Escrituras citam vários exemplos de pagãos que professaram a Fé da Igreja e que foram batizados “com toda a sua casa”. A palavra “casa” (oikos no grego original) designava o chefe de família com todos os seus domésticos, inclusive, sem nenhuma dúvida, as crianças:


E uma certa mulher chamada Lídia, vendedora de púrpura da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. E, depois que foi batizada, ela e a sua casa, rogou-nos dizendo: ‘Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali’. E nos constrangeu a isso. (At 16,14-15)

Tomando-os o carcereiro consigo naquela mesma noite, lavou-lhes os vergões; então logo foi batizado, ele e todos os seus. (At 16,33)

Crispo, principal da sinagoga, creu no Senhor, com toda a sua casa; e (assim como ele) muitos dos coríntios, ouvindo-o, creram e foram batizados. (At 18,8)

Batizei também a família de Estéfanas; além destes, não sei se batizei algum outro. (1Cor 1,16)


No lugar e período histórico aos quais os Textos sagrados se referem nesses exemplos, simplesmente não existiam famílias sem crianças. Mais além, as Escrituras são mais explícitas em afirmar a mesma realidade:


    Disse-lhes Pedro: ‘Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em Nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo. A Promessa diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos que estão longe: a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar’. (At 2,38-39)


    Não há especificação quanto a filhos adultos, mas sim se incluem todos, e que famílias inteiras eram batizadas.

 


Argumentos protestantes/’evangélicos’ a respeito

Membros de algumas comunidades protestantes (não todas), especialmente pentecostais e neopentecostais em geral, costumam argumentar dizendo que Jesus foi apresentado no Templo quando criança e somente foi batizado na idade adulta, e que por isso também os cristãos deveriam ser batizados somente quando adultos. Trata-se de um argumento apenas absurdo. Em primeiro lugar, o Batismo cristão faz parte do Ministério do próprio Jesus Cristo, que se iniciou quando este tinha seus 30 anos. Como é que Jesus poderia ter sido batizado quando criança, se o Sacramento do Batismo, naquela ocasião, ainda não havia sido instituído, por Ele mesmo?

Quando Jesus veio ao mundo, o cristianismo, obviamente, ainda não existia. Logo, Ele não foi batizado segundo o costume cristão, simplesmente, porque esse costume ainda não existia, mas seria implantado por Ele próprio. Os ritos da Lei Mosaica só deixariam de valer após a Ressurreição do Cristo (cf. Mt 26,61); por isso Jesus foi apresentado no Templo quando criança, pois a lei de Moisés ainda valia e o Batismo cristão ainda não existia. 

Assim, se fôssemos seguir o mesmo raciocínio, de batizar somente na idade adulta porque o Senhor foi batizado adulto, precisaríamos também circuncidar os nossos filhos e observar todos os preceitos da antiga Lei Mosaica. Mas, ora, o fato é que a circuncisão, que era o sinal da iniciação do judeu na vida religiosa, era praticada nas crianças. No cristianismo, a circuncisão (sinal da Antiga Aliança), foi substituída pelo Batismo (sinal da Nova e Eterna Aliança). Desse modo, o Batismo também pode e deve ser ministrado às crianças:


N’Ele também fostes circuncidados com a circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a circuncisão de Cristo; tendo sido sepultados com Ele no Batismo, n’Ele também ressurgistes pela Fé no Poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos. (Col 2,11-12)


Através do Batismo, recebemos um novo nascimento, uma regeneração. Por isso as crianças também devem ser batizadas, pois todos nós já nascemos pecadores. Todos carecem da Graça de Deus em razão do pecado de Adão, inclusive as nossas crianças:


Certamente em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu a minha mãe. (Sl 51,5)

Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. (Rm 5,12)


Clarissimamente está dito nas Escrituras: o batismo de João, nas águas, como já vimos não é o Sacramento do Batismo, e João mesmo reconheceu que o seu batismo era completamente diferente do Batismo que nos daria o Messias, no Espírito Santo. Além de tudo, batizando crianças, a Igreja obedece ao Senhor, que diz: “Deixai vir a mim as criancinhas, e não as impeçais” (Mt 19, 14).

Outro argumento protestante é o de que as crianças não podem crer, e que o Batismo deveria ser um ato consciente daquele que será batizado. Como vimos, porém, o Batismo é cura e regeneração da alma. Assim como a um filho doente, seus pais não esperam que cresça para escolher se quer ou não tomar o remédio, mas como responsáveis pela criança lhe dão quanto antes a medicação, pelo seu bem, o mesmo acontece com o Batismo. “Tu me tiraste do ventre; Tu me preservaste, estando eu ainda aos seios de minha mãe. Sobre Ti fui lançado desde a madre; Tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe” (Sl 22,9-10).

De fato, a prática de batizar os filhos vem desde o princípio do Cristianismo. Padres da Igreja primitiva, como Santo Irineu (século II), também atestam que desde o tempo dos Apóstolos a Igreja batiza os pequeninos. Se as crianças ainda não têm fé e não podem escolher por si próprias, são batizadas na Fé da Igreja, representadas por seus pais e padrinhos.

Por fim, retomamos a questão da comparação feita por São Paulo entre a circuncisão e o Batismo, já que este, na Nova e Eterna Aliança, é o mesmo que foi a circuncisão na Antiga Aliança: o rito de entrada para o Povo de Deus (Cl 2, 11-12). Considere-se, então, que os judeus eram circuncidados e admitidos como membros do povo de Israel aos oito dias de vida, e, claro, não se perguntava se esses bebês o queriam ou não. Seus pais, por crerem em Deus e amar seus filhos, davam-lhes o maior presente que podiam: a fé no Deus Vivo e Verdadeiro. Exatamente o mesmo, neste sentido, se dá no Batismo.

Módulo 11: História da Igreja 1 | o Batismo


Havia, entre todas as igrejas ou comunidades (dioceses e paróquias) da Igreja infante, laços demasiado sólidos entre seus fiéis apaixonados por Jesus, o Senhor e misericordioso Salvador de todos, para que tendências, preferências e fraquezas da natureza humana viessem a comprometer gravemente sua admirável unidade, que muito chamava a atenção dos de fora.


Se não podemos conhecer em minúcias sobre a organização da Igreja primitiva, dos ritos e observâncias que caracterizavam os primeiros fiéis, podemos distinguir as grandes práticas fundamentais que constituíram desde sempre a base da vida religiosa cristã: os Sacramentos, a Missa, o amor-ágape fraterno, a correção moral, a ascese.

Quanto ao batismo, tanto os Atos como as Epístolas de São Paulo revelam com clareza que as primeiras Igrejas o consideram indispensável e que todo novo adepto o recebia no momento de sua conversão-admissão. Não por quo próprio Jesus fora batizado por João Batista, como ingenuamente imaginam alguns. Pois o rito cristão possui significados próprios e totalmente distintos. O batismo de João distinguia-se das abluções judaicas e dos mikweh rituais pelo fato de ser um “ batismo de penitência”. Mas o Sacramento do Batismo representa a perfeita purificação e a renovação da alma, e ainda mais. São Paulo, ao encontrar em Éfeso os que tinham sido batizados por João, revelou a estes que o rito praticado por eles não era suficiente, e então os batizou definitivamente, tornando-os membros da Igreja (At 19,1-5 ). Qualquer estudo abrangente da realidade da Igreja em seus inícios deve contemplar com especial atenção a realidade do Batismo dos cristãos – o Batismo Sacramento –, não só em razão de sua importância propriamente histórica como para que se saiba reconhecer a sua absoluta originalidade e dissipar dúvidas e equívocos comuns.


O batismo de João e o Batismo cristão


Ninguém pode compreender o Batismo dos cristãos sem considerar a Ressurreição de Jesus Cristo. Na madrugada daquele domingo glorioso que mudou radicalmente a história humana, o Pai derramou o Espírito Santo, Espírito de Ressurreição, sobre o Filho: seu Corpo e Alma foram ressuscitados. Jesus ficou pleno do Espírito Santo, de modo que sua natureza humana tornou-se gloriosa: Jesus foi manifestado na carne (natureza humana) e justificado (e ressuscitado) pelo Espírito (1Tm 3,16).

Jesus Cristo, glorificado pelo Espírito Santo, entrou no Cenáculo de Jerusalém e derramou o Espírito da Ressurreição sobre os Apóstolos: “A paz esteja convosco! Recebei o Espírito Santo!”. Jesus recebeu do Pai o Espírito Santo prometido, batizou n’Ele a Igreja e derramou sobre nós este mesmo Espírito ((Jo 20, 19-22; At 2, 32).

João Batista já havia profetizado: “Eu batizo com água, mas vem Aquele que batizará com o Espírito e com Fogo” (Jo 1,33; Lc 3,16). O batismo de João, nas águas, era preparatório para a vinda do Messias: ainda não era o Sacramento do Batismo, não era o Batismo cristão. É o Messias, isto é, o Ungido no Espírito de Ressurreição, quem batizará no Espírito. Cristo mesmo diz: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, o Senhor me ungiu” (Lc 4,18). Os cristãos, portanto, nunca tiveram “batismo nas águas”: o Batismo da Igreja é, realmente, no Espírito Santo. Falar em “batismo nas águas” é voltar ao Antigo Testamento; é parar em João Batista e desprezar o Sacramento do Batismo trazido por Cristo. Por isso mesmo, o batismo da Igreja nunca necessitou ser feito por imersão.

Foi no Domingo da Páscoa que os Apóstolos tornaram-se realmente cristãos; receberam a vida nova do Ressuscitado, foram transfigurados em Cristo; aí nasceu a Igreja: na Ressurreição. Aí ela foi batizada e recebeu o poder de batizar: “Como o Pai me enviou, assim Eu vos envio (Jo 20,21)”. Assim, a Igreja deveria batizar todo aquele que crê. Isso significa acolher Jesus Ressuscitado nas águas do Batismo. A palavra “batizar” vem do grego e significa, literalmente, “mergulhar, imergir”. Não significa, todavia, mergulhar na água, e sim a imersão no Espírito Santo de Deus, o Espírito prometido que ressuscitou Jesus! É isso que o Evangelho afirma: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3,5)”. Observe-se: da água, símbolo e sinal do Espírito, renascer do próprio Espírito.

    O mesmo Evangelho confirma: “Jesus, de pé, diz em alta voz: ‘Se alguém tem sede, venha a Mim e beba!’ (...) Ele falava do Espírito que deviam receber os que creram n’Ele...” (Jo 7, 37-39). São Paulo Apóstolo esclareceu melhor: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único Corpo (1Cor 12,13)”. Os cristãos não batizam somente na água que purifica o corpo, e sim no Espírito que Jesus dá por sua Ressurreição!

Perdão dos pecados: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em Nome do Senhor Jesus Cristo, para a remissão dos pecados; e recebereis o Dom do Espírito Santo” (At 2,38). Aquele que é batizado, recebendo o Espírito, recebe o perdão dos pecados. 

    O Espírito nos livra, primeiramente, do Pecado Original, já que, pelo simples fato de sermos humanos já nascemos fechados em relação a Deus. Somos membros da humanidade, partilhamos do seu passado, que condiciona o nosso presente, o que somos, pensamos e fazemos, assim como o nosso presente condiciona o futuro dos nossos filhos. São Paulo diz: “Todos pecaram e estão privados da Glória de Deus” (Rm 3,23). O salmista canta: “Minha mãe já me concebeu pecador” (Sl 51,5). Essa força do pecado o Batismo, na potência do Espírito Santo, apaga em nós: “Não existe mais condenação alguma para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1). E aos adultos, também os pecados pessoais são perdoados: “Se Cristo está em vós, o corpo está morto pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça (Rm 8,2.10)”. O Batismo torna-nos realmente santos; somos santificados pelo Espírito daquele que destruiu o pecado: Cristo Jesus.

Todavia, continuaremos sujeitos aos pecados particulares, pois mesmo aquele que crê em Jesus, pertence à Igreja e procura viver no seu Espírito, ainda experimenta a fraqueza. Isso acontece porque permanece uma tendência, uma inclinação para o pecado. Essa inclinação, segundo as Escrituras, é a concupiscência. O Batismo confere àquele que o recebe a graça da purificação dos pecados. Mas o batizado deve continuar a lutar contra a concupiscência da carne e as cobiças desordenadas até o fim de sua vida neste mundo. A concupiscência não é pecado em si, desde que o cristão a combata: a Sã Doutrina esclarece que a concupiscência nos foi deixada para que possamos “combater o bom combate” (2Tm 4,7). Um mal desejo é concupiscência para o pecado, mas o pecado só se concretiza se consentimos nesse desejo, alimento-o e o satisfazendo. Por isso, Jesus ensina a pedir ao Pai Celestial: “Não nos deixeis cair em tentação”.

Além do perdão do pecado, o Espírito que recebemos no Batismo nos une, incorporando-nos em Cristo como membros de um só Corpo. Se temos o Espírito de Cristo, somos uma só coisa com Ele: “Aquele que se une ao Senhor, constitui com Ele um só Espírito (1Cor 6,17)”. Pelo Batismo, a Vida do Ressuscitado, que é o Santo Espírito, habita o ser humano santificado. Cristo está no homem, e este vive d’Ele e n’Ele! Assim, pode-se dizer que o Batismo “cristifica”. Como São Paulo, podemos dizer: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim” (Gl 2,20).


Módulo 11: Bíblia 1 | A Septuaginta — parte 2


Continuaremos com os nossos estudos de introdução à Septuaginta, a primeira versão grega do Antigo Testamento que significa “Tradução dos Setenta Homens” ou ainda “Interpretatio secundum (juxta) Septuaginta Seniores” (Tradução dos Setenta Anciãos) e às razões de sua grande importância no conhecimento das Sagradas Escrituras.



Alcance e revisões da Septuaginta


Pelo fato de serem poucos os judeus que ainda possuíam conhecimento da língua hebraica após o domínio helenista (entre os séculos IV e I a.C.) onde o koiné (grego popular) era o idioma falado, a LXX foi muito bem acolhida, principalmente pelos judeus alexandrinos, seus principais difusores pelas nações onde o grego era falado.


            Rapidamente, a LXX passou a ser amplamente utilizada e suplantou os manuscritos hebraicos na vida religiosa[1]. E em razão da sua grande difusão no mundo helênico (entre judeus, filósofos gregos e cristãos), as cópias da LXX passaram a se multiplicar, dando origem a variações contextuais.


            Orígenes, motivado pela necessidade de restaurar o texto à sua condição original, dá origem à sua revisão, que ficou registrada em sua famosa obra conhecida como Hexapla.


 

Os Manuscritos da LXX


Os três manuscritos mais conhecidos da Septuaginta são estes:


            • O Vaticano (Codex Vaticanus), do séc. IV;


            • O Alexandrino (Codex Alexandrinus), do séc. V, atualmente no Museu Britânico de Londres;


            • O do Monte Sinai (Codex Sinaiticus), do séc. IV, descoberto por Tischendorf no convento de Santa Catarina, no Monte Sinai, em 1844, sendo que, deste, uma parte se encontra em Leipzig, Alemanha, e outra em São Petersburgo, Rússia.


            Todos foram escritos em unciais. O Codex Vaticanus é considerado o mais fiel dos três, geralmente tido como o texto mais antigo, embora o Codex Alexandrinus carregue consigo o texto da Hexapla e tenha sido alterado segundo o Texto Massorético. O Codex Vaticanus é referido pela letra B; o Codex Alexandrinus, pela letra A; o Codex Sinaiticus, pela primeira letra do alfabeto hebraico aleph ( א ) ou pelo S.

 


Conteúdo


Os Livros presentes na LXX, conforme a ordem original, são estes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1Samuel (1Reis), 2Samuel (2Reis), 1Reis (3Reis), 2Reis (4Reis), 1 Crônicas (1Paralipômenos), 2Crônicas (2Paralipômenos), 1Esdras, 2Esdras (Esdras e Neemias), Ester, Judite, Tobias, 1Macabeus, 2Macabeus, 3Macabeus, 4Macabeus, Salmos, Odes, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Job, Sabedoria, Eclesiástico (Sirac), Salmos de Salomão, Oséias, Amós, Miqueias, Joel, Obadias, Jonas, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruque, Epístola de Jeremias, Ezequiel, Suzana, Daniel, Bel e o Dragão[2].

 


Provas de que o NT cita a Septuaginta


Evidentemente existem grupos protestantes que se recusam a reconhecer que Jesus Cristo e seus Apóstolos se utilizaram da versão grega da LXX, já que tal fato contraria a sua versão incompleta da Bíblia. Factualmente, porém, dispõe-se de muitos abalizados estudos que confirmam e atestam tal fato – que é também formalmente reconhecido pela própria Sociedade Bíblica do Brasil, organização protestante dedicada à disseminação da Bíblia, em sua tradução poliglota do Livro Sagrado:


...pois, como se sabe, muitas citações e alusões feitas ao Antigo Testamento no Novo Testamento procedem diretamente da clássica versão grega (isto é, a Septuaginta/LXX).[3]


            De fato, temos provas concretas de que o Nosso Senhor usava a versão da LXX. Vejamos onde e como.


            • Em sua resposta ao Diabo, o Salvador diz: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’” (Mt 4,4). Cristo referia-se à passagem do Deuteronômio (8,3), mas ocorre que na versão hebraica a expressão usada é “da boca do Senhor (YHWH)”; exclusivamente na LXX é que se encontra a literalidade do que diz Jesus: “...da boca de Deus”. O próprio Cristo, portanto, usava a Septuaginta.


            • Nos capítulos 6 e 7 do Livro dos Atos dos Apóstolos, lemos que Estevão foi levado ao Sinédrio pela multidão (At 6,12). Dirigindo-se aos seus acusadores, conta-lhes então como Jacó trouxe seus 75 descendentes para o Egito (cf. At 7,14-15). Ora os textos hebraicos referentes a essa passagem dizem que Jacó trouxera 70 (e não 75) descendentes ao Egito (cf. Gn 46,26-27; Dt 10,22 e Ex 1,5). O Sinédrio conhecia bem a proibição divina de acrescentar ou retirar algo dos livros sagrados (cf. Dt 4,2; 12,32; SI 12,6-7 e Pr 30,6), mas não acusou Estevão de estar pervertendo as Escrituras, ordenando matá-lo por defender a Fé em Jesus como o Messias/Cristo. Sim, Estevão citava Gn 46,26-27 a partir da LXX, que possui cinco nomes a mais que o Texto Massorético hebraico. Os cinco nomes que faltam na versão hebraica foram preservados na LXX, na qual Makir, filho de Manasses, e Makir, filho de Galaad (Gilead no hebraico), são apontados apenas posteriormente como os dois filhos de Kfraim, Taam (Tahan no hebraico) e Sufalaam (Shufhelah no hebraico) e seu filho Edon (Eran, no hebraico).


            • Outro exemplo é o nome de um deus pagão citado também por Santo Estevão (em At 7,43), com o nome Renfã, sendo que esta é uma citação de Amós (5,26): ocorre que no texto hebraico o nome do deus é Caivã ou Kevan. Mas Estevão também aqui cita a versão da LXX, que traz justamente Renfã e não o Caivã/Kevan do texto hebraico. Os apóstolos, pois, usavam a Septuaginta.


            Como citado e visto, que Cristo e os Apóstolos usavam a Septuaginta é fato solidamente comprovado, o que significa também que o seu uso era igualmente comum entre os judeus da Palestina, contrariando a tese de alguns, de que somente os judeus de Alexandria a aceitavam. E pelo fato de a LXX ter sido amplamente usada pelos Apóstolos e presbíteros da primitiva Igreja, a Tradição Cristã conferiu-lhe importância e lugar especial – como não poderia deixar de ser.

           


Os judeus aceitavam os deuterocanônicos[4]


Na reorganização da tradição judaica após destruição do Templo, um proeminente rabino da época inadvertidamente oferece-nos pistas sobre a crença dos primeiros cristãos quanto a inspiração dos Livros deuterocanônicos. Muitas vezes encontramos em fontes anticatólicas a incorreta afirmação de que os judeus nunca aceitaram os deuterocanônicos, o que já sabemos que é absolutamente falso.


            Ao contrário, como vimos, podemos apelar às evidências do NT que apontam que Jesus, os Apóstolos e os escritores inspirados do Novo Testamento de fato aceitavam os Deuterocanônicos como Escritura Sagrada. Mas existem evidências extrabíblicas que confirmem que os primeiros cristãos aceitavam esses Livros? Sim, existem. Uma das primeiras vem de uma personagem que, apesar da hostilidade contra o Cristianismo, atesta algumas verdades da Fé nascente – incluindo a aceitação dos deuterocanônicos. Vejamos.


            Após a primeira revolta judaica (66-73 d.C.), a escola rabínica em Jâmnia se tornou o centro do pensamento político e religioso dos judeus. A destruição do Templo de Jerusalém durante a primeira revolta deixou o judaísmo em uma posição precária, pois se tornava praticamente impossível para os judeus seguir todos os requerimentos do culto e da lei cerimonial fora do Templo. Dois caminhos se colocavam para a nação: preparar uma segunda revolta e reconstruir o Templo, ou redefinir o judaísmo, de uma religião de culto para uma “religião do Livro”. O célebre rabi Akiva (ou Akiba) ben Yosef (37-137 d.C.), chefe da escola rabínica durante as primeiras décadas do segundo século d.C., apoiou ambos os caminhos.


            Akiva tornou-se conhecido como o rabino que apoiou um falso messias. De acordo com ele, o messias que derrotaria os romanos, reconstruiria o Templo e governaria como rei messiânico (prometido em Números 24,7) havia chegado: era Simão bar Kokhba. O apoio de Akiva a bar Kokhba mudou o cenário da segunda revolta judaica (132-135 d.C.), tornando-a de um levante popular a um movimento messiânico. Grande número de judeus e até de pagãos uniram-se na revolta, mas um pequeno grupo, denominado “cristão” – ou seja, os que representavam a Igreja infante –, recusou-se a participar, pois seria o equivalente a rejeitar Jesus como o verdadeiro Messias.


            O resultado disso foi que, a partir de então, mais dentre os judeus passaram a ver o Cristianismo não apenas como heresia do judaísmo, mas também como sinônimo de sedição.


            Não é preciso dizer que Akiva foi um falso profeta. Bar Kokhba evidentemente não era o Messias, que já vera e fora rejeitado, conforme as Escrituras, e as consequências da derrota na segunda revolta foram terríveis: Simão bar Kokhba foi morto, assim como Akiva, e a represália dos romanos quase varreu o judaísmo do mapa.


            O segundo caminho apoiado por Akiva incluía a redefinição do judaísmo em uma linha não-sacrificial, pelo menos até a restauração do Templo. Para isso, ele lançou mão de um método que nunca foi nada original: usou um estilo “criativo” de interpretação bíblica para fazer “ler” no texto hebraico o que ele queria. Aqui chegamos ao ponto que nos interessa: ocorre que os planos de Akiva encontraram um grande obstáculo: os judeus não tinham um único conjunto de textos bíblicos normativos. E assim sendo, impôs-se a necessidade principal de adotar um único texto para a Bíblia rabínica. É aqui que Rabi Akiva vai, inadvertidamente, revelar-nos algo importante sobre os Deuterocanônicos.


            No escrito intitulado Tosefta Yadayim (2,13), Akiva diz: “Os Evangelhos e livros heréticos não contaminam as mãos. Os livros de Ben Sirac e todos os outros livros escritos após eles, não contaminam as mãos”[5]. Esclareça-se que a expressão “não contaminam as mãos” é linguagem rabínica para se referir a textos que não são sagrados. Akiva, portanto, está aí afirmando que as Escrituras dos cristãos (Evangelhos e Espístolas) não são sagradas, como seria de se esperar. Mas quando cita “os livros de Ben Sirac e todos os outros livros escritos após eles”, concede-nos uma prova importante, pois o Livro de Sirac (Eclesiástico) é o mais antigo dos... Deuterocanônicos. Portanto, o decreto de Akiva rejeita como Escritura Sagrada os Deuterocanônicos como um todo (os outros vieram após este).


            A afirmação de Akiva, assim, demonstra com clareza que judeus cristãos aceitavam os deuterocanônicos como Escritura em sua época (ano 132). Consequentemente, considera que judeus não-cristãos também os aceitavam como Escritura Sagrada; caso contrário, não faria sentido essa sua advertência. Apesar de sua oposição à Fé cristã e católica, Akiva, sem ter a intenção, tornou-se uma testemunha de que os primeiros judeu-cristãos criam que os Deuterocanônicos integravam, de fato, as Sagradas Escrituras dos cristãos.


___________
[1]. JAEGER (1991, p.19). 

[2]. Escrito incorporado como o capítulo 14 do Livro do Profeta Daniel, foi escrita em aramaico e é datado por volta do final do século II a.C. Os capítulos 13 e 14 de Daniel são deuterocanônicos para as Igreja Católica e para as  Ortodoxas e é um daqueles eliminados da Bíblia pelos protestantes, embora ainda fizesse parte da edição original da Bíblia King James (de 1611 ).

[3]. SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. Antigo Testamento Poliglota, hebraico, grego, português, inglês. São Paulo: Vida Nova, 2003, introdução, apud LIMA (2007, p.22).

[4]. Esta seção é adaptado de artigo de Gary Michuta, profícuo apologista norte-americano, autor de ‘Why Catholic Bibles are Bigger’ (Catholic Answers, 2017), com tradução de Lucas Falango.

[5]. Apud MICHUTA, Idem.

Módulo 11: Dogmática 1 | Treva e luz


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Tudo aparece paradoxal à razão humana na virtude fundamental da Fé: é divina, mas habita um espírito humano; é certíssima, mas não é absolutamente evidente; é simples, porém, geralmente, é de complexa explicação. Não se deve, por isso, estranhar que tantas daquelas almas que realmente tenham desejado viver pela Fé a tenham descrito como sendo desafiadora e até assustadora, por um lado, e por outro maravilhosa, resplandecente, extasiante.

Bibliografia do módulo 10

BIBLIOGRAFIA utilizada neste volume e recomendada*


PENIDO, Maurílio Teixeira Leite. Iniciação teológica, vol I: o Mistério da Igreja, 11ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1956.


TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 6ª ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1961.


FABER, Frederick William. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2019**.


CHARBEL, Antônio. Introdução Geral e Especial ao Antigo Testamento; Pentateuco e Livros Históricos, São Paulo: Realeza, 2022.


DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.



SOARES, Ezequias. Septuaginta: Guia histórico e literário, São Paulo: Hagnos, 2009.

THACKERAY, H. St. J. Septuagint. In: International standart Bible encyclopedia. Albany: AGES, 1997.

COSTA, Hermisten M. P. A inspiração e inerrância das Escrituras, São Paulo: Cultura Cristã, 1998.

ARCHER JR., Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? Tradução de Gordon Chown. 4a ed. São Paulo – SP: Vida Nova, 2004. 

SÉGNERI, Paulo, Bem-aventurado Padre. Maná da Alma, Temas bíblicos para a meditação de todos os dias. São Paulo: Realeza, 2023.

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Módulo 10: Ascética e Mística 2 | Manual prático para a vida interior – lição VIII


“NO MEIO DE VÓS ESTÁ ALGUÉM QUE VÓS NÃO CONHECEIS.”

Na parte prática deste fascículo/módulo, propomos para meditação as inspiradoras e consoladoras admoestações do Bem-aventurado Padre Paulo Segneri, num belíssimo convite à interioridade fundamentado no Evangelho segundo São João (1,26), que falam por si, dispensando quaisquer descrições introdutórias.


    I — Considera o erro daqueles que procuram a Deus como se Ele estivesse muito longe deles, e que querem atrair Deus a si com suspiros, lágrimas e lamentações, já tendo a Deus dentro de si! É com absoluta propriedade que se poderia dizer-lhes: “No meio de vós está Alguém que vós não conheceis”. São como os insensatos que têm a fonte em casa e vão buscar água fora de casa. É o contrário o que se deve fazer! Se estão fora, que entrem, que se recolham, que se retirem em si mesmos. Encontrarão logo o que estavam procurando nas vias públicas. Esta é uma regra verdadeira. Que fazes tu, que não te vales desta regra? Se queres encontrar a Deus, para unir-te a Ele com facilidade, não andes muito, correndo com a imaginação fora de ti. É verdade que as criaturas podem fazer-te conhecer a Deus, mas podem também afastar-te de Deus. E, na realidade que coisa poderiam fazer mais, senão assegurar-te que o tens dentro de ti? 

    Aprofunda-te, pois, muito dentro de ti mesmo, procurando compreender como coisa certíssima que dentro de ti tens todo o teu Deus Vivo e Verdadeiro, sem necessidade de procurá-lo em outra parte. Então te será fácil estar sempre na sua Presença. Não é grande vergonha que Deus esteja tanto tempo dentro de ti e tu apenas venhas a sabê-lo? “Há tanto tempo estou convosco e vós não me conheceis” (Jo 14,9).

    II — A palavra nescire tem, nas Escrituras, dois sentidos: um pertence à inteligência e significa não conhecer: “Não conhecem Aquele que me mandou” (Jo 15,21). O outro pertence à vontade, e significa não conhecer alguém. “Não vos conheço” (Mt 25,12). Na passagem que estamos meditando, pode ser tomada em ambos os sentidos.

Cristo morava no coração da Judeia, e, não obstante, a maior parte deles não o conheciam nem se preocupavam com Ele, julgando-o um simples homem como qualquer outro. Parece que se dá, contigo, algo de semelhante. Tens continuamente o Senhor dentro de teu coração, e, todavia, “não o conheces”. Não o conheces, porque não tens ideia d’Ele e também porque não te preocupas com Ele. É para se admirar que progridas tão pouco no caminho da virtude? “Para ele, Deus não existe: os seus caminhos estão sempre contaminados” (Sl 9,26). Realmente não seria possível, se estivesses sempre presente a Deus como Ele está presente a ti, que praticasses alguma coisa que o desgostasse! Se, portanto, queres chegar por um caminho rápido à perfeição, deves fazer isto: dar-te ao exercício da Presença de Deus que todos os Santos recomendavam como indispensável: “Caminha na minha Presença e serás perfeito” (Gn 17,1). Se queres saber em que consiste exatamente tal exercício, não procures muito longe: consiste em fazer exatamente o oposto daquilo que significa a palavra nescire: conhecer o Senhor e preocupar-se com Ele. Aplicar bem tua inteligência em conhecer como Ele habita dentro de ti, e aplicar a tua vontade a corresponder a Ele com devotos afetos.

    III — De que modo deves aplicar a inteligência a conhecer que o Senhor está dentro de ti? Deves aplicá-la sobretudo por meio da fé. A fé to diz claramente: “Ele não está longe de cada um de nós” (At 17,27). É caminho mais fácil do que o caminho de uma atenta imaginação, por mais frutuosa que seja. Mas, para dispor-te melhor com o entendimento a aprender o que crês, pressupõe que o Senhor está dentro de ti como um Rei no seu reino. O Rei mora no seu reino com o seu Ser substancial, com o conhecimento que tem de tudo, com o poder que lá exerce. É assim que Deus está dentro de ti. O primeiro modo é o do ser, porque Deus está dentro de ti pessoalmente, como um rei que reside em pessoa no seu reino. Só que o rei terreno reside somente em um ponto do seu reino, e não em toda parte dele, e Deus reside em qualquer parte de ti.

    O segundo modo é o do conhecimento, porque assim como o rei sabe tudo o que se passa em seu reino, por isso se diz que está presente a tudo, assim Deus sabe tudo o que se passa dentro de ti. Só que o rei terreno, se sabe tudo, o sabe porque os outros lho contam, e Deus o sabe porque vê, pessoalmente. 

    O terceiro modo é o do poder. Como o rei pode dispor dentro de seu reino das coisas ao seu beneplácito, assim também Deus pode dispor dentro de ti. O rei humano pode fazê-lo só até certo ponto, e mesmo assim por meio de outros. Já Deus opera tudo e o faz pessoalmente, diretamente.

    É o que quer que entendas Quem te diz: “Em meio de vós, está Alguém que vós não conheceis”. Se é assim, como é, pois, possível, que o percas de vista? Vês como é amoroso o Senhor teu Deus! O faz para que não te desculpes dizendo que não podes subir até as estrelas, para encontrá-lo dentro de seu Reino, Ele colocou o seu Reino dentro de ti: “O Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21).

    IV. Deves aplicar do mesmo modo a tua vontade. E o farás com a frequência dos atos devotos que deves fazer durante todo o dia. Serão afetos de adoração, de amor, de oferecimento, de glorificação, de alegria, de ação de graças, de confusão, de contrição e outros atos semelhantes. Sobretudo, deves invocá-lo frequentemente. Assim, o tratarás verdadeiramente como Rei, manifestando a tua suma dependência d’Ele. Como o Senhor é Bom, não procura outra coisa senão fazer graças; mas, como Rei, quer também que lhas peçamos. E tudo isso se faz com o exercício da Presença divina, tão fácil para todos.

    Há, sobretudo, dois motivos que te devem levar a praticar esta Presença de Deus: a gratidão e a necessidade. A gratidão porque o Senhor está continuamente no teu coração, somente para fazer-te bem. É, portanto, lógico que penses n’Ele, não digo incessantemente, porque isso não o poderás fazer, mas ao menos insaciavelmente. 
Além disso, a necessidade. Quando perdes o teu Deus de vista, és como a Terra se tenha perdido o Sol. Não estás mais capaz de produzir flores nem frutos, mas só espinhos, se chegares a produzir ainda espinhos. ‘‘A Terra que antes era um paraíso de delícias, depois dele, se transformou num deserto solitário” (Jl 2,3). 


    ** Estas reflexões são parte da coleção “Maná da Alma, temas bíblicos para a meditação de todos os dias” (vide Bibliografia), uma coletânea de extrema utilidade para os católicos de todos os tempos. Adquira a sua com desconto acessando este link: Col. Maná da Alma — aluno OFC e usando o cupom de desconto: ofielcatolico

Módulo 10: Teologia Ascética e Mística 1 | Diferentes planos de estudo


Diversos planos são adotados para a apreensão da Ascética e Mística, os quais apresentaremos, a partir deste ponto, de modo sucinto, propondo depois o que está melhor adaptado aos objetivos e/ou ao uso prático do leigo católico dos nossos tempos. São diversos os aspectos sobre os quais podemos nos basear para elaborar uma divisão lógica da ciência espiritual.


Certos autores clássicos encararam a ciência da Ascese e da Mística, antes de tudo, como uma ciência prática, deixando em segundo plano as verdades especulativas sobre as quais ela repousa. Assim, limitaram-se a coordenar, o mais metodicamente possível, as regras da perfeição cristã: entre estes, dos Santos Padres, citam-se João Cassiano (por suas ‘Colações’) e o “Eremita do Sinai”, São João Clímaco (‘Escada do Paraíso’[1]); de um tempo mais próximo, podemos citar Afonso Rodríguez (com os seus 6 tomos de ‘Exercícios de Perfeição e Virtudes Cristãs’). 


A utilidade desse método é entrar imediatamente no estudo dos meios práticos que levam à perfeição. O inconveniente é não propor às almas aqueles estímulos que nos dá a consideração do que Jesus Cristo fez e faz por nós, e não basear a prática das virtudes sobre as convicções mais profundas e gerais que se encontram na meditação das verdades dogmáticas. Por isso, alguns dos Padres gregos e latinos mais ilustres, como Santo Atanásio e São Cirilo, Santo Agostinho e Santo Hilário, além de grandes teólogos da Idade Média, como Ricardo de São Vítor, Santo Alberto Magno, São Boaventura e o “Doutor Comum”, Santo Tomás de Aquino, tiveram o cuidado de fundamentar a sua doutrina espiritual sobre os dogmas da Fé, unindo e colocando em conexão com estes as virtudes cuja natureza e graus expuseram[2]. Pretende-se esclarecer o espírito e fortificar as convicções, para melhor levar o cristão a exercitar as austeras virtudes que propõem, sendo este mesmo o seu grande mérito. 


Não é o melhor caminho para o crescimento interior empregar ênfase demais à especulação em detrimento da prática – e nem o contrário. Tanto uma quanto outra deficiência podem ser encontradas em grandes obras clássicas do catolicismo. Unir ambas essas necessidades em vista da perfeição, por óbvio, é o caminho ideal, que vários autores já buscaram, com êxito 


Entre os que se esforçaram por combinar esses dois elementos essenciais, há aqueles que 1) seguem a ordem ontológica das virtudes, enquanto outros 2) preferem a ordem psicológica do desenvolvimento dessas mesmas virtudes no ser humano, através das três vias: purgativa, iluminativa e unitiva.


    1) Entre os do primeiro grupo, coloca-se Santo Tomás, que em sua Summa trata sucessivamente das virtudes teologais e morais e dos dons do Espírito Santo, que põe em conexão com cada virtude, com o que influenciou seguidas gerações de teólogos, até os nossos dias.


    2) Entre os que integram o segundo grupo, contam-se todos aqueles que, querendo formar bons diretores espirituais, descreveram sucessivamente as ascensões da alma através das três vias, pondo somente à frente dos seus tratados uma curta introdução sobre a natureza da vida espiritual. Dentre estes, citamos, com nossoo autor referencial Tanquerey, São Tomás de Vallgornera (Mystica Theologia Divi Thomae), Filipe da Santíssima Trindade (Summa Theologiae Mysticae), Dominici Schram (Institutiones Theologiae Mysticae), Giovanni B. Scaramelli (Direttorio Ascetico) e Auguste Saudreau (Les Degrés de la Vie Spirituelle).


Outros autores, como Alvarez de Paz e o Pe. Le Gaudier, combinaram os dois métodos: começando por expor longamente e com rigor dogmático o que respeita à natureza da vida espiritual e os principais meios de perfeição, aplicaram em seguida esses mesmos princípios gerais às três vias. 


Dividiremos, em nossos estudos, a Teologia Ascética em duas partes. Na primeira, que será sobretudo doutrinal e terá por título Os princípios, serão expostas a origem, a natureza e a perfeição da vida cristã, a obrigação de tender a essa perfeição e os meios gerais para a alcançar. Na segunda, que será A aplicação dos princípios às diversas categorias de pessoas, seguiremos as ascensões progressivas da alma que, animada com o desejo da perfeição, percorre sucessivamente as três vias, purgativa, iluminativa e unitiva. Essa segunda parte, se bem que apoiada na Doutrina, será sobretudo psicológica.


A primeira parte iluminará o caminho, mostrando o plano divino da nossa santificação; deverá estimular os nossos esforços, recordando a generosidade de Deus para conosco, e nos lançará às grandes linhas que devemos seguir para correspondermos a tal generosidade pelo dom total de nós mesmos.


A segunda guiará os nossos passos, assinalando com detalhes os estágios sucessivos que se têm de percorrer, com o auxílio de Deus, para chegar ao fim. Assim, julgamos nós, teremos reunidas e conciliadas as utilidades das outras divisões.

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[1] Também chamada ‘Escada Mística’, ‘Santa Escada’ ou ‘Escada do Céu’, ou ainda o ‘Klimax’, clássico da literatura cristã que é um verdadeiro tesouro de espiritualidade, escrito entre os séculos VI/VII (o santo autor viveu entre 575-650 d.C.). A escada de trinta degraus a (as santas virtudes elencadas) é tomada em comparação à escada que Jacó viu em sonho e às correntes que atavam as mãos de São Pedro e lhe caíram. A presenta um caminho dividido em três fases que se sucedem: 1) a abdicação do mundo e o rompimento com este, em busca da pureza da “infância evangélica”; 2) o combate interior contra a concupiscência e as paixões; 3) a perfeição cristã, que se desenvolve nos últimos sete degraus dessa Escada.

[2] Como faz a Escola Francesa do séc. XVII, com Bérulle, Condren, Olier e São João Eudes.

Módulo 10: História da Igreja 1 | O Pentecostes


Com muitas e poderosas provas da Ressurreição, os fiéis de Jesus Cristo tinham sérios argumentos para entrar em choque com os seus compatriotas judeus. Todavia a força necessária para sustentar os seus argumentos contra a opinião geral, a qual rejeitava o messianismo de seu Mestre, com o enfrentamento muitas vezes violento às autoridades judiciais da época, na forte oposição da parte dos rabinos e do dominador romano, precisava ainda de um grande incentivo, uma outra força motivadora que viria com o cumprimento de uma promessa especialíssima do Cristo: “Eu vos enviarei o Paráclito, e quando Ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo (...) Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, Ele vos ensinará toda a verdade” (Jo 16, 7-1 3).

No dia de Pentecostes cumpriu-se mais essa promessa.


Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. (At 2,1-4)


Para compreendermos o sentido deste grande Mistério , é preciso considerar a antiga tradição profética judaica, da qual esses homens estavam impregnados. A efusão do Espírito Santo devia ser o último sinal da era messiânica. O Messias, o Cristo, o Ungido de Deus, fora concebido desde sempre como Aquele que traria o Espírito, e este Espírito devia espalhar-se à sua volta, transformando o mundo e conclamando os homens para um novo tempo e uma nova vida. 


Eu vos darei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós colocarei meu Espírito, fazendo com que obedeçais às minhas leis e sigais e observeis os meus preceitos. Habitareis a terra de que fiz presente a vossos pais; sereis meu povo, e serei vosso Deus. (Ez 36,26ss.)


A vinda do Espírito Santo selava esse novo tempo, essa renovação do mundo e o novo pacto selado com Deus, trazido pelo Cristo em Pessoa, Deus mesmo feito homem. A partir desse momento, aqueles homens já não eram mais apenas membros de uma simples comunidade humana, uma fraternidade muito especial, mas de um organismo ao mesmo tempo humano e sobrenatural, formado de almas escolhidas por Deus, completamente renovadas e prontas para assumir todos os riscos em defesa da sua fé – a única e verdadeira Fé. Um organismo que se chamaria Igreja[1].


Todos os textos primitivos mostrarão a importância desse fato . “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, este não é d’Ele“ (Rm 8,9), dirá São Paulo. Por sua vez, também o primeiro Papa reconheceu, ao pregar sobre a conversão dos pagãos: “Porven­tura pode-se negar a água do Batismo a estes, que receberam o Espírito Santo como nós?” (At 10,47). 

A partir do evento Pentecostes, a Fé dos fiéis em Cristo tinha-se tornado não só inabalável, mas arrebatadora. Esses homens tinham pressentido que, do seio da comunidade judaica, o antigo “povo eleito”, eles constituíam uma nova raça, um povo régio, destinado a fecundar toda a Terra. Havia uma nova esperança e um júbilo incontido no ar; a Igreja trazia dentro de si uma força que lhe dava uma coragem e uma audácia nunca vistas. 

Foi o que se manifestou após a efusão do Espírito. O ruído do fenômeno atraiu uma multidão, pois a festa de Pentecostes trouxera muitos visitantes a Jerusalém, e o espetáculo daquela agitação, bem como os discursos poliglotas inexplicáveis daqueles homens, faziam despertar admiração, sem faltar o desprezo de alguns que diziam: “Estão todos embriagados de vinho...” (At 2,13). Pedro, porém, levantou-se e encarou a multidão. Ele já não tinha medo; por nada voltaria a negar o Mestre. Foi então que, pela primeira vez, gritou a sua Fé agora inquebrantável em Jesus o Cristo. Começava naquele instante a História da Igreja, com essa primeira declaração apologética, que inevitavelmente representava também uma declaração de guerra ao mundo inteiro. “Não julgueis que vim trazer a paz à Terra. Vim trazer não a paz, mas a espada” (Mt 10,34). Não porque a Igreja ame a guerra ou odeie o mundo, mas porque o mundo odeia intensamente a Igreja, e isso é inevitável. A própria existência da Igreja é para o mundo ofensiva, e o mundo fará de tudo para extirpá-la, destruí-la, sufocá-la até a morte, de um jeito ou de outro. Por isso, desde sempre ensinaram a mesma coisa os Pais da Igreja, os Doutores e os Papas santos, como brilhantemente resumiu o santo Arcebispo Fulton Sheen: 


Se eu não fosse Católico e estivesse procurando a verdadeira Igreja no mundo de hoje, eu iria em busca da única Igreja que não se dá muito bem com o mundo. Em outras palavras, eu procuraria uma Igreja que o mundo odiasse. Minha razão para fazer isso seria que, se Cristo ainda está presente em qualquer uma das igrejas do mundo de hoje, Ele ainda deve ser odiado como o era quando estava na Terra.

Se você tiver que encontrar Cristo hoje, então procure uma Igreja que não se dá bem com o mundo. Procure por uma Igreja que é odiada pelo mundo como Cristo foi odiado pelo mundo. Procure pela Igreja que é acusada de estar desatualizada com os tempos modernos, como Nosso Senhor foi acusado de ser ignorante e de nunca ter aprendido. (...) Procure a Igreja a qual os homens dizem que deve ser destruída em nome de Deus, do mesmo modo que os que crucificaram Cristo julgavam estar prestando serviço a Deus.

Procure a Igreja que o mundo rejeita porque ela se proclama infalível, pois foi pela mesma razão que Pilatos rejeitou a Cristo: por Ele ter se proclamado a si mesmo A Verdade. Procure a Igreja que é rejeitada pelo mundo, assim como Nosso Senhor foi rejeitado pelos homens. Procure a Igreja que em meio às confusões de opiniões conflitantes é amada por seus membros do mesmo modo como amam a Cristo e respeitem a sua voz como a voz do seu Fundador.

E então você começará a suspeitar que se essa Igreja é impopular com o espírito do mundo é porque ela não pertence a esse mundo, e uma vez que pertence a outro mundo ela será infinitamente amada e infinitamente odiada como o foi o próprio Cristo. Pois só aquilo que é de origem divina pode ser infinitamente odiado e infinitamente amado. Portanto, essa Igreja é divina.[2]


Cite-se de passagem o quanto andam longe de suas origens, às quais dizem retornar, tantos dos nossos pastores de hoje, que procuram fazer amizade com o mundo mascarando a Sã Doutrina e as duras verdades ditas por Nosso Senhor por receio de ferir a sensibilidade de homens ímpios. Mas todo aquele que quiser conhecer os inícios da Igreja, a infância da Cristandade, na vida dessa primeira comunidade que abrigou à custa de muitas vidas a verdadeira mensagem do Evangelho, encontrará no Novo Testamento o documento mais importante, o Livro intitulado de “Atos dos Apóstolos”.


Os Atos foram escritos em Antioquia ou em Roma, bem pouco tempo após os acontecimentos que descreve – certamente sua redação tenha ocorrido na década de  60, por São Lucas[3], que, sem ser testemunha direta da Ressurreição, encontrava-se plenamente inteirado (e profundamente influenciado) da mais viva Tradição apostólica. Nosso interesse neste Livro sagrado em particular é incomparável, mas como documento histórico é bastante incompleto, já que seu santo Autor, por mais consciencioso que fosse, não pôde conhecer nem concatenar todos os fatos; sua origem e suas ligações pessoais induziram-no a tomar em consideração mais a ação deste ou daquele Apóstolo do que os fatos em visão de conjunto. Além disso, como acontece com todas as obras do Cristianismo primitivo, não há a intenção de satisfazer nossa curiosidade histórica, mas sim a de propagar a Fé que salva.


No entanto, ainda que não se encontre nessa obra aquele brilho que, nos Evangelhos, emana diretamente da Pessoa de Jesus; todo o relato torna bem sensível o imenso vazio deixado pelo desaparecimento do Mestre. Em que outro texto poderemos encontrar uma imagem mais doce e mais entusiasta de um Cristianismo quase isento das servidões do mundo, apesar das misérias inerentes à nossa natureza, e que procura estabelecer sobre a Terra o Reino de Deus?


Quantos eram aqueles primeiríssimos fiéis? É quase impossível dizer. São Lucas, nos Atos (1,1 5 ), cita o número de cento e vinte, e São Paulo fala-nos de quinhentas pessoas que, juntas, viram aparecer-lhes Jesus ressuscitado (cf. 1Cor 15,6). Mas, além de que estes dados se referem a uma época ainda muito inicial (semanas que se seguiram imediatamente à Morte de Cristo), nada prova que se tratasse de todos ou da maioria dos membros da comunidade nascente. Depois do primeiro discurso de São Pedro, dizem-nos os A tos que três mil pessoas aderiram de uma só vez à nova Fé (cf. At 2,41), e um pouco mais tarde fala-se já de cinco mil adeptos. Pensando que Jerusalém contava alguns milhares de fiéis por volta dos anos 35 ou 37[4], mas que isso era ainda uma fraca minoria na cidade, devemos estar perto do fato histórico.


Também só podemos ter ideia aproximada quanto à organização. Não se pode pôr em dúvida que tal organização existisse, porque todo empreendimento humano necessariamente a pressupõe; o bom êxito do Cristianismo no plano temporal prova que o seu desenvolvimento obedeceu a essa lei inescapável da realidade histórica, segundo a qual um movimento, para se desenvolver, precisa de quadros sólidos, de uma ordem de comando, de um método de ação, e aqui, tudo em estreita relação com a Doutrina. O próprio Jesus havia já transmitido essas estruturas aos seus discípulos: um dos aspectos admiráveis de sua atividade sobre a Terra, que transparece dos Evangelhos, é o esforço prático de organização e de instrução que realizou, e cujos efeitos se prolongaram até os nossos dias. Tudo nos prova que Jesus, Deus-homem, sabia perfeitamente que, para sobreviver, a sua obra teria necessidade das instituições humanas. Por motivos óbvios, não é este o aspecto mais estudado da vida e obra do Cristo; no entanto, assim como tudo que lhe toca, é admirável, e talvez aquele que mais se relaciona com o futuro. Jesus não foi apenas o Maravilhoso Salvador das almas, o Autor da Sã Doutrina e a Vítima sobrenatural que conhecemos; revelou-se também  mais sábio dos fundadores, o mais completo dos educadores e o mais eficaz dos homens de ação. Deu aos seus discípulos uma excelente escola de líderes, e ensinou-lhes uma estratégia funcional. Podemos dizer que a Igreja nasceu de Cristo em todos os sentidos; tanto os dogmas como as instituições que veremos desenvolver-se no decorrer dos séculos têm suas raízes nos seus ensinamentos, e desde o início essa Igreja apresenta um duplo caráter que se conservará até os nossos dias (e que torna a sua história tão difícil de abarcar): o de ser, ao mesmo tempo, uma manifestação de Fé, o Corpo Místico do Filho de Deus e um conjunto de instituições humanas, igualmente queridas por Deus. 


Nessa comunidade primitiva distinguem-se bem os. fundamentos institucionais criados por Cristo. Colhemos a impressão de que os Apóstolos, suas primeiras testemunhas, aqueles que Ele mesmo “designou e estabeleceu”, gozam de uma grande autoridade moral. O número de doze, a que Jesus limitou o seu pequeno grupo, tem certamente o valor de um sinal, porque, assim que se tornou conhecido o suicídio do Iscariotes, e antes que tivesse assoprado o vento sagrado do Pentecostes, Pedro pediu aos outros que o substituíssem de comum acordo; tendo o Colégio Apostólico proposto dois candidatos, “deitaram sorte” e o Espírito Santo designou Matias (cf. At 1,15-26). Entre os Doze, Pedro claramente ocupa o primeiro posto. Vemos como ele assume diversas vezes a liderança, como fez aqui mesmo, por ocasião dessa eleição: é ele quem toma as iniciativas, e a sua opinião sempre tem maior peso. Além dele, apenas João, filho de Zebedeu, parece destacar-se entre os demais. Tal preeminência de Pedro, cuja importância será considerável quanto às suas consequências na história cristã, assenta também sobre uma declaração expressa do Mestre, que quis dar à sua fundação um princípio hierárquico; Cristo nitidamente designara como “a Pedra sobre a qual se edificaria a sua Igreja” este homem de coração generoso.


Junto dos Apóstolos, há ajudantes e assistentes, algo como “apóstolos de segundo escalão”. Seriam a origem daqueles presbíteros que encontraremos mais tarde em todas as comunidades cristãs? Qual era exatamente a sua função? Não é fácil precisá-lo. Temos também a impressão de que , ao lado da autoridade apostólica, existe na comunidade de Jerusalém, talvez num plano diferente, a autoridade de outros personagens, principalmente a de Tiago, “o Irmão do Senhor” , isto é, um de seus primos em primeiro grau. Eusébio, o primeiro dos historiadores cristãos, ao recolher no século IV tradições diferentes das contidas nos Evangelhos e no Livro dos Atos acerca dessas remotas origens, insistirá sobre o papel deste santo personagem, que “não tomava vinho nem qualquer bebida que embriagasse, nem nada que tivesse tido vida (...) e cuja pele se tornara calosa nos joelhos como a dos camelos, de tanto permanecer ajoelhado em oração”[5].

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[1] Termo que tem origem vocábulo no grego ekklesia, que significava originalmente uma assembleia de cidadãos livres e que foi adotado pelos Autores sagrados do NT para referir a essa Nova (e eterna) Aliança entre Deus e o Povo Eleito. Com o passar do tempo, a palavra igreja adquiriu também o significado de templo, isto é, da edificação dedicada ao culto religioso dos cristãos. Na época em que Nosso Senhor Jesus Cristo caminhava sobre a Terra, havia três instituições em Israel: o templo, a sinagoga e a ekklesia. As duas primeiras tinham um caráter religioso, mas correspondiam a construções concretas. Já a terceira se referia a uma assembleia de cidadãos, e esta por sua vez não tinha relação com nenhuma edificação religiosa. A partir do NT, o ekklesia foi adotado para referir à comunidade de pessoas que seguiam criam em Jesus Cristo e em seu Evangelho, seguindo a doutrina dos Apóstolos. Em Mateus, Jesus se dirige a Pedro e diz: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18). A missão central da Igreja consiste em convocar todas as nações e todos os homens ao Reino de Deus, e assim, em obediência ao Mandamento de Cristo, a partir desta comunidade o Evangelho passa a ser proclamado aos quatro cantos do mundo (cf. Mt 16,15-20).


[2] SHEEN, Fulton John. Radio Replies Vol. 1, p IX, Charlote: Tan Publishing, 1979.


[3] O Livro termina com o cativeiro de São Paulo Apóstolo, datado em 61/63 d.C., sendo que sua composição deve ser pouco posterior à do terceiro Evangelho, do mesmo autor, antes de 70 d.c. São Lucas Evangelista não conheceu Jesus pessoalmente e nem foi seu discípulo direto. Muitos, por causa de seus escritos, imaginam que tenha pertencido ao primeiro grupo dos discípulos de de Cristo.


[4] DANIEL-ROPS (1988, p.20).


[5] Apud DANIEL-ROPS (1988, p.22).

Módulo 10: Dogmática 1 | Inteligência e vontade


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Temos estudado a fundo
as questões da problemática relacionada ao influxo da inteligência e da vontade na origem do ato de fé do ser humano. Vimos já que as atuações de ambas essas forças precisam ser recíprocas e colaborativas, e que a inteligência, como preparação, deve ser capaz de perceber que aceitar o Testemunho divino contido na Revelação é racional e razoável, percebendo a evidência intrínseca dos argumentos apologéticos objetivamente válidos. E vimos como para que tal coisa aconteça, contribui de maneira fundamental a boa disposição da vontade. A inteligência deve aderir à Revelação em razão da Autoridade de Deus que é o seu Autor, mas como não vê nem é capaz de compreender racionalmente aquilo a que esta aderindo, pela vontade se move a acolher o Testemunho divino.

    Por fim, constatamos que a vontade só pode mover porque ama. Queremos crer (vontade), porque aceitar a Verdade misteriosa e divina nos aparece como um bem desejável, o qual amamos, também por nos saciar as mais profundas ânsias humanas e por nos ajudar a viver bem. Assim é que temos o recíproco influxo da inteligência e da vontade.

    Como, todavia, pode ser difícil confiar totalmente em um Deus que não se mostra (a não ser sutilmente, como por meio de sinais mais ou menos claros, como nos milagres e ao atender nossos pedidos), se formos honestos, veremos que não somos capazes, por nossas próprias forças, de perseverar nesse caminho de Fé. Que fazer, então? A resposta é que não há muito o que possamos fazer, de nossa parte, já que não basta o trabalho irmanado da inteligência e da vontade; a solução de tudo está, sobretudo, no auxílio que nos vêm do Alto, no influxo da Graça.

    A fé meramente humana, natural, fundada apenas na probabilidade do que propõe a Sã Doutrina, para que se firme e nos conduza realmente à salvação eterna, necessita do influxo da Graça. É a Fé sobrenatural, que completa e consuma aquela nossa adesão inicial ao Evangelho. Este influxo é dom de Deus e não vem de nós mesmos, como atesta o Apóstolo naquela passagem tão mal compreendida por Lutero: “Pela graça fostes salvos, por meio da Fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2,8). Tanto no processo de receber a Fé quanto no da salvação de nossas almas, tudo é obra divina; a nós, criaturas, compete e é suficiente a coragem para aceitar essa grande dádiva e para permitir que esse ato mude radicalmente nossa vida, em todos os níveis. A Fé cristã verdadeira e plena encontra-se acima do esforço humano. Crer é aderir ao Espírito de Deus. A fim de poder acolher, aceitar esse dom transcendente, é necessário que nosso espírito seja elevado ao nível divino, sintonize a realidade sobrenatural à qual se unirá. Qualquer esforço humano estaria fora de proporção. Caberá, pois, a Deus tomar toda a iniciativa, movendo-nos a crer. “Ninguém pode vir a Mim, se o Pai que me enviou não o conceder” (Jo 6, 44,66).

    Concluímos, assim, dizendo que para vermos as coisas sob a luz da Fé, precisamos como que receber novos “olhos”: olhos sobre-humanos.

    Ponderemos, agora, a obscuridade dos mistérios da Fé, isto é, o quanto são inacessíveis em suas maiores profundidades à nossa capacidade intelectiva. Contemplá-los requer, de fato, a mortificação perene da nossa racionalidade. É preciso avançar além de toda a nuvem da soberba intelectualizada (sempre empesteada de heresias e/ou sofismas de todo tipo) que sempre ameaçou a Sã Doutrina, e avançar também além das duras exigências morais que os hipócritas gostam de impor aos outros, geralmente sem observá-las eles próprios, levando junto de si apenas a pureza do desejo mais sincero, para se compreender que até a mais sólida e brilhante apologética, elaborada pelo mais douto dos homens, seria insuficiente se não fosse sustentada pela Graça, e que a própria vontade humana se perderia em caprichos e fantasias, se não fosse movida pelo Espírito Santo.

    Como nos sentiríamos incitados a nos entregar ao sobrenatural, se aquilo que é próprio da ordem sobrenatural não atuasse sobre nós? É como uma inspiração interior que nos convida a crer; e então se aviva em nós uma luz que “ilumina os olhos de nosso entendimento” (Ef 1,18) para que mais facilmente possamos perceber a força das razões de crer, discernir os sinais da presença do sobrenatural, entrever a beleza da Verdade cristã. Cristo nosso Senhor então abre o nosso entendimento para que possamos compreender as verdades sublimes contidas nas Sagradas Escrituras (cf. Lc 24, 45). A Fé nos dá essa nova maneira de ver, como que “pelos olhos de Deus”, isto é, os olhos que vislumbram todas as coisas a partir da eternidade.

    Ao mesmo tempo, a vontade é retificada em nós e nos inclina acima de nossas fraquezas, solícita ao atrativo da Verdade, convidada a aderir ao Bem divino que é nosso maior bem – o Sumo Bem, Deus. O Espírito Santo nos incita a dizer “sim” à voz do Criador e nosso Salvador que nos ama, suscitando em nossas almas uma inclinação à vida eterna, que nos faz ceder às solicitações divinas. Tornamo-nos mais santos, mais perfeitos, mais felizes, esquecidos de nossos antigos egoísmos e mesquinharias e abertos à perfeição do Céu.


    Distingue São Paulo Apóstolo duas categorias de humanos: o homem “animal”, que não entende as coisas do Espírito de Deus (que lhe parecem ‘loucura’) e de fato não as pode entender, porquanto elas só se discernem espiritualmente; e o homem “espiritual”, este que entende bem, pois recebeu “o Espírito que vem de Deus para que possa conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (1Cor 2,12-15). Aquele que de animal quiser tornar-se espiritual, deverá, antes de tudo, à imitação homem do pobre do Evangelho, clamar “com lágrimas, dizendo: ‘Eu creio, Senhor, mas vem em socorro à minha falta de Fé!’” (Mc 9,24).

    Deus jamais recusa tal pedido, quando é sincero. Sua graça inspirará à inteligência aquela absoluta confiança na Palavra divina, que levará à aquiescência incomovível no fato e no conteúdo da Revelação; dará também à vontade as disposições morais de que carece, em particular o desejo de possuir e saborear a Verdade de Cristo, a força de arrancar-se ao fascínio das paixões e de abater as pretensões da soberba. Quando a alma não resiste à graça preveniente, o Senhor responde ao movimento filial de confiança e amor inicial, unindo-nos em espírito à sua Verdade, de sorte que nosso pensamento adere estreitamente ao Pensamento de Deus.

    Virtude unitiva de espírito a Espírito, a Fé diviniza a inteligência humana. “Quem conhece o pensamento do Senhor, para que o possa instruir? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo” (1Cor 2,16). O Verbo que é Luz – não apenas fria claridade, senão também vida (cf. Jo 1,4) – veio luzir aos olhos de todos. Porém sua Luz só ilumina, de fato, os olhos dos que n’Ele creem (Jo 12,36); Só estes têm em si a “Luz da vida” (Jo 8,12). Seres intelectuais e membros do Verbo encarnado, essa dupla qualidade há de se refletir antes de tudo na ordem de conhecimento. Os fiéis terão assim o saber sobrenatural que convém aos membros da Igreja: pela união à divina Cabeça, diviniza-se-lhes o espírito ao ponto de receber uma irradiação ou comunicação do conhecimento d’Aquele que é o pensamento do Pai. A Fé é, em última análise, o Verbo-luz misticamente presente à nossa inteligência, continuando nela a sua vida.

    Em síntese:

        1. A Fé é o fundamento da vida cristã, o primeiro movimento do espírito que quer chegar a Deus.

        2. O objeto da Fé – o conjunto das verdades que devermos crer – é Deus na sua realidade profunda e na sua providência. Por outras palavras, Deus em Si e como o fim de nossa vida, Autor de nossa salvação. Em clima cristão, esse Objeto se explicará detalhadamente em uma série de dogmas: Trindade, Encarnação, Redenção, Eucaristia, etc.

        3. O motivo pelo qual cremos é a Autoridade absoluta do Testemunho veraz de Deus que se revela.

        4. O ato de Fé é a firme adesão de nossa inteligência às verdades reveladas.

        5. Esse mesmo ato é fruto da mútua cooperação da inteligência e da vontade livre, como também correspondência de ambos ao influxo da Graça sobrenatural.

        Primeiro, a inteligência deve: a) perceber quão razoável é crer na Palavras divina (argumentos de credibilidade); b) assentir firmemente à Revelação (creio que Deus revelou, creio no Deus Uno e Trino, etc.);

        Segundo: a vontade livre – à qual a inteligência já apresentou a Fé como um bem desejável – fixa a mesma inteligência nas razões de crer, impele-a a aderir à Palavra divina (‘creio porque quero e devo crer’);

        Terceiro: todo esse trabalho em conjunto terminaria em pura fé humana e não divina, se a Graça não iluminasse o intelecto e movesse a vontade, inclinando-as à ordem sobrenatural do conhecimento (Fé como virtude infusa, dom de Deus).

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Módulo 10: Bíblia 1 | A Septuaginta


Até aqui, apresentamos uma introdução geral e razoavelmente completa ao estudo das Sagradas Escrituras segundo a Teologia cristã católica. Lançamos um olhar inicial sobre seus conteúdos, sua importância e utilidade excelentes, suas divisões e possíveis planos de leitura, sua Inspiração segundo o dogma e a Teologia clássica, a história e formação do cânon dos seus Livros e, por fim, as razões da diferença entre a Bíblia dos protestantes e a Bíblia católica. A partir deste ponto, abordaremos um tema cuja compreensão será importantíssima no decorrer de todo o estudo da disciplina Sagradas Escrituras: todo estudante vai ouvir falar muitas e muitas vezes da Septuaginta, que é a Tradução do Velho Testamento, originalmente escrito em hebraico, para o Grego.

    Chegou, afinal, o momento de saber exatamente o que significa a Septuaginta, com um breve apanhado sobre sua origem, histórico e (grande) importância. Sigamos.


A Septuaginta (LXX): definição


Septuaginta (LXX) é a primeira versão grega do Antigo Testamento; trata-se de um termo latino que significa literalmente septuagésima, e que foi usado pela primeira vez por Eusébio de Cesareia em sua “História Eclesiástica”. Agostinho de Hipona foi o primeiro a chamá-la “a Versão dos Setenta”, em sua obra “A Cidade de Deus”.

Septuaginta é a forma abreviada da expressão latina “Interpretatio Septuaginta virorum”[1], que significa “Tradução pelos Setenta Homens” ou ainda “Interpretatio secundum (ou ‘juxta’) Septuaginta Seniores”[2]: “Tradução segundo os Setenta Anciãos”. Hoje é conhecida também, mais simplesmente, pelo nome “Versão dos Setenta” e “Versão de Alexandria”, e identificada pelos algarismos romanos LXX.


História e origens


A Carta de Aristeias a Filócrates – A origem da Septuaginta está envolvida em aura mítica. Seu primeiro registro remonta ao documento intitulado “Epístola (ou Carta) de Aristeias”[3], datado como do século II a.C.[4]. Nessa carta, Aristeias afirma-se “um alto oficial na corte de Ptolomeu Filadelfo (285–247 a.C.), um grego interessado nas antiguidades judaicas”[5], que foi com uma embaixada a Jerusalém por ordem real, sendo em consequência “testemunha ocular de como o Antigo Testamento hebraico foi traduzido para o grego; daí resultou a Septuaginta”. A Carta é escrita na primeira pessoa e o seu remetente é o irmão do mesmo Aristeias, chamado Filócrates.

    O conteúdo da Carta é descrito por Flávio Josefo. Ela narra que “por volta de 250 a.C., Demetrius Phalereus (ou Demétrio de Fálaro [345 – 283 a.C.]), que fora aluno de Teofrasto e era o chefe da célebre Biblioteca de Alexandria, persuadiu a Ptolomeu II Filadelfo (285-246 a.C.), um grande incentivador das letras e das artes, que enviasse uma delegação ao sumo sacerdote em Jerusalém, solicitando um rolo hebraico da Torá e, também, o envio de homens capazes de traduzi-lo para o grego. Ptolomeu atendeu à solicitação, certamente querendo conquistar as boas graças daquele povo. Além disso, por conselho de Aristeias, emancipou 100 mil escravos, de diversas regiões de seu reino (é relevante o fato de que possuir uma cópia dessa tradução na prestigiosa Biblioteca de Alexandria constituía um incentivo a mais para a autorização real).

    Ptolomeu II enviou então cartas a Eleazar, que era o sumo sacerdote em Jerusalém nesta época, e lhe pediu “para selecionar e enviar à Alexandria 72 anciãos, competentes na Lei, 6 de cada tribo, para realizar a tradução”[6]. Eleazar atende ao rei e envia os anciãos à Alexandria. Conta a carta de Aristeias que “os tradutores chegaram à Alexandria, trazendo uma cópia da Lei escrita em cartas de ouro, em rolos de pele, e foram honrados e recebidos por Ptolomeu. Seguiu-se um banquete de sete dias, nos quais o rei testou a competência de um por um com perguntas difíceis”[7].

    Depois de três dias, Demetrius os conduziu à isolada ilha de Faros, onde, separados em celas, e com todo o necessário para o seu trabalho, eles completaram a sua tarefa, de modo prodigioso, em 72 dias, terminando por volta do dia 23 de dezembro (oitavo dia de Tevet)[8]. Eis a razão do nome Septuaginta – Tradução dos Setenta: foi traduzida por 72 anciãos em setenta e dois dias.

    Após o término do trabalho, a versão completa foi lida na presença de sacerdotes judeus, príncipes e povo, reunidos em Alexandria; a tradução foi reconhecida por todos e declarada em perfeita conformidade com o original hebraico. O rei ficou profundamente satisfeito com a obra e a depositou em sua biblioteca.

    A comunidade judaica a recebeu com entusiasmo e pediu que uma cópia pudesse ser confiada aos seus líderes; uma solene maldição foi pronunciada a qualquer pessoa que tentasse acrescentar ou retirar, ou ainda fazer qualquer alteração na tradução. O rei, por sua vez, “fez com que os livros pudessem ser preservados com escrupulosa consideração”[9].

    Apesar das alegorias e referências de teor fortemente mítico, a informação central contida na Carta (a tradução encomendada, procedida com reverente solenidade e entregue) é evidentemente factual. “A carta reflete um acontecimento histórico real, quando pelo menos a Torá, senão outras partes do Antigo Testamento também, foi traduzida para o grego”[10].

    Na maneira como descreve os modos e as condições em que foi realizada a tradução, sim, o relato parece conter elementos lendários, certamente devido à grande importância do documento; era comum fantasiar a origem de livros e obras importantes nesse período histórico, desde a produção de livros até conquistas militares, construção de cidades, manufatura de obras de arte, etc.

    O que temos como fato histórico é que rei macedônio do Egito, Ptolomeu II Filadelfo (287-247 a.C.), encomendou para a sua Biblioteca em Alexandria uma tradução grega das Escrituras sagradas dos judeus (hoje se sabe com certeza, por exemplo, que o Pentateuco foi mesmo traduzido em Alexandria). Os detalhes envolvendo o trabalho de 72 grandes sábios, bem como a sua consecução extraordinária em 72 dias, são tão nebulosos quanto são de importância secundária para os nossos estudos.


O porquê da Septuaginta


Durante o reinado de Nabucodonosor (século VI a.C.), as Escrituras Sagradas hebraicas foram perdidas, por ocasião do cativeiro imposto ao povo judeu, que em aproximadamente 587 a.C. foi deportado de Jerusalém para a Babilônia. As Escrituras foram novamente constituídas no tempo do Profeta Esdras, durante o reinado de Artaxerxes (cf. Esd 9,38-41).

    O conjunto de manuscritos hebraicos mais antigos que chegaram até nosso tempo é denominado Texto Massorético. Nesta compilação das Escrituras, o texto foi transcrito com a omissão das vogais. Com origem no séc. VI, o Texto Massorético possui esse nome por ter sido desenvolvido por um grupo de judeus conhecidos como Massoretas; desde então estes se tornaram os responsáveis em conservar e transmitir o texto bíblico hebraico.

    Bem anterior ao Texto Massorético é a LXX, versão grega das Escrituras hebraicas, vertida no séculos III a.C. para grego a partir dos mais antigos manuscritos hebraicos, atualmente perdidos.

    O valor histórico da LXX, portanto, é inestimável e de profunda importância para a identificação do Cânon Bíblico cristão. A LXX foi, de fato, a primeira tradução feita dos livros hebraicos para qualquer outra língua.

    Luciano, sacerdote de Antioquia e mártir, no início do séc. IV publicou uma edição corrigida de acordo com o hebraico; tal edição reteve o nome de koiné, edição vulgar, e, às vezes, é chamada de Loukianos, conforme o nome de seu autor. Também Hesíquio, Bispo egípcio, publicou, quase que ao mesmo tempo, uma nova revisão, difundida principalmente no Egito.

        [Continua]

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[1] SOARES (2009, p.11).

[2] THACKERAY (1997, p.705).

[3] Ibidem.

[4] É geralmente aceito que a Carta de Aristeias tenha sido escrita por volta de 200 a.C., cerca de 50 anos após a morte do Rei Filadelfo.

[5] Aristeias era oficial da guarda real, egípcio de nascimento e pagão por religião (Ibidem).

[6] THACKERAY (1997, p.706).

[7] Ibidem.

[8] COSTA (1998, p.65).

[9] THACKERAY (1997, p.707).

[10] ARCHER JR. (2004) p.43.
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