Módulo 10: Bíblia 1 | A Septuaginta


Até aqui, apresentamos uma introdução geral e razoavelmente completa ao estudo das Sagradas Escrituras segundo a Teologia cristã católica. Lançamos um olhar inicial sobre seus conteúdos, sua importância e utilidade excelentes, suas divisões e possíveis planos de leitura, sua Inspiração segundo o dogma e a Teologia clássica, a história e formação do cânon dos seus Livros e, por fim, as razões da diferença entre a Bíblia dos protestantes e a Bíblia católica. A partir deste ponto, abordaremos um tema cuja compreensão será importantíssima no decorrer de todo o estudo da disciplina Sagradas Escrituras: todo estudante vai ouvir falar muitas e muitas vezes da Septuaginta, que é a Tradução do Velho Testamento, originalmente escrito em hebraico, para o Grego.

    Chegou, afinal, o momento de saber exatamente o que significa a Septuaginta, com um breve apanhado sobre sua origem, histórico e (grande) importância. Sigamos.


A Septuaginta (LXX): definição


Septuaginta (LXX) é a primeira versão grega do Antigo Testamento; trata-se de um termo latino que significa literalmente septuagésima, e que foi usado pela primeira vez por Eusébio de Cesareia em sua “História Eclesiástica”. Agostinho de Hipona foi o primeiro a chamá-la “a Versão dos Setenta”, em sua obra “A Cidade de Deus”.

Septuaginta é a forma abreviada da expressão latina “Interpretatio Septuaginta virorum”[1], que significa “Tradução pelos Setenta Homens” ou ainda “Interpretatio secundum (ou ‘juxta’) Septuaginta Seniores”[2]: “Tradução segundo os Setenta Anciãos”. Hoje é conhecida também, mais simplesmente, pelo nome “Versão dos Setenta” e “Versão de Alexandria”, e identificada pelos algarismos romanos LXX.


História e origens


A Carta de Aristeias a Filócrates – A origem da Septuaginta está envolvida em aura mítica. Seu primeiro registro remonta ao documento intitulado “Epístola (ou Carta) de Aristeias”[3], datado como do século II a.C.[4]. Nessa carta, Aristeias afirma-se “um alto oficial na corte de Ptolomeu Filadelfo (285–247 a.C.), um grego interessado nas antiguidades judaicas”[5], que foi com uma embaixada a Jerusalém por ordem real, sendo em consequência “testemunha ocular de como o Antigo Testamento hebraico foi traduzido para o grego; daí resultou a Septuaginta”. A Carta é escrita na primeira pessoa e o seu remetente é o irmão do mesmo Aristeias, chamado Filócrates.

    O conteúdo da Carta é descrito por Flávio Josefo. Ela narra que “por volta de 250 a.C., Demetrius Phalereus (ou Demétrio de Fálaro [345 – 283 a.C.]), que fora aluno de Teofrasto e era o chefe da célebre Biblioteca de Alexandria, persuadiu a Ptolomeu II Filadelfo (285-246 a.C.), um grande incentivador das letras e das artes, que enviasse uma delegação ao sumo sacerdote em Jerusalém, solicitando um rolo hebraico da Torá e, também, o envio de homens capazes de traduzi-lo para o grego. Ptolomeu atendeu à solicitação, certamente querendo conquistar as boas graças daquele povo. Além disso, por conselho de Aristeias, emancipou 100 mil escravos, de diversas regiões de seu reino (é relevante o fato de que possuir uma cópia dessa tradução na prestigiosa Biblioteca de Alexandria constituía um incentivo a mais para a autorização real).

    Ptolomeu II enviou então cartas a Eleazar, que era o sumo sacerdote em Jerusalém nesta época, e lhe pediu “para selecionar e enviar à Alexandria 72 anciãos, competentes na Lei, 6 de cada tribo, para realizar a tradução”[6]. Eleazar atende ao rei e envia os anciãos à Alexandria. Conta a carta de Aristeias que “os tradutores chegaram à Alexandria, trazendo uma cópia da Lei escrita em cartas de ouro, em rolos de pele, e foram honrados e recebidos por Ptolomeu. Seguiu-se um banquete de sete dias, nos quais o rei testou a competência de um por um com perguntas difíceis”[7].

    Depois de três dias, Demetrius os conduziu à isolada ilha de Faros, onde, separados em celas, e com todo o necessário para o seu trabalho, eles completaram a sua tarefa, de modo prodigioso, em 72 dias, terminando por volta do dia 23 de dezembro (oitavo dia de Tevet)[8]. Eis a razão do nome Septuaginta – Tradução dos Setenta: foi traduzida por 72 anciãos em setenta e dois dias.

    Após o término do trabalho, a versão completa foi lida na presença de sacerdotes judeus, príncipes e povo, reunidos em Alexandria; a tradução foi reconhecida por todos e declarada em perfeita conformidade com o original hebraico. O rei ficou profundamente satisfeito com a obra e a depositou em sua biblioteca.

    A comunidade judaica a recebeu com entusiasmo e pediu que uma cópia pudesse ser confiada aos seus líderes; uma solene maldição foi pronunciada a qualquer pessoa que tentasse acrescentar ou retirar, ou ainda fazer qualquer alteração na tradução. O rei, por sua vez, “fez com que os livros pudessem ser preservados com escrupulosa consideração”[9].

    Apesar das alegorias e referências de teor fortemente mítico, a informação central contida na Carta (a tradução encomendada, procedida com reverente solenidade e entregue) é evidentemente factual. “A carta reflete um acontecimento histórico real, quando pelo menos a Torá, senão outras partes do Antigo Testamento também, foi traduzida para o grego”[10].

    Na maneira como descreve os modos e as condições em que foi realizada a tradução, sim, o relato parece conter elementos lendários, certamente devido à grande importância do documento; era comum fantasiar a origem de livros e obras importantes nesse período histórico, desde a produção de livros até conquistas militares, construção de cidades, manufatura de obras de arte, etc.

    O que temos como fato histórico é que rei macedônio do Egito, Ptolomeu II Filadelfo (287-247 a.C.), encomendou para a sua Biblioteca em Alexandria uma tradução grega das Escrituras sagradas dos judeus (hoje se sabe com certeza, por exemplo, que o Pentateuco foi mesmo traduzido em Alexandria). Os detalhes envolvendo o trabalho de 72 grandes sábios, bem como a sua consecução extraordinária em 72 dias, são tão nebulosos quanto são de importância secundária para os nossos estudos.


O porquê da Septuaginta


Durante o reinado de Nabucodonosor (século VI a.C.), as Escrituras Sagradas hebraicas foram perdidas, por ocasião do cativeiro imposto ao povo judeu, que em aproximadamente 587 a.C. foi deportado de Jerusalém para a Babilônia. As Escrituras foram novamente constituídas no tempo do Profeta Esdras, durante o reinado de Artaxerxes (cf. Esd 9,38-41).

    O conjunto de manuscritos hebraicos mais antigos que chegaram até nosso tempo é denominado Texto Massorético. Nesta compilação das Escrituras, o texto foi transcrito com a omissão das vogais. Com origem no séc. VI, o Texto Massorético possui esse nome por ter sido desenvolvido por um grupo de judeus conhecidos como Massoretas; desde então estes se tornaram os responsáveis em conservar e transmitir o texto bíblico hebraico.

    Bem anterior ao Texto Massorético é a LXX, versão grega das Escrituras hebraicas, vertida no séculos III a.C. para grego a partir dos mais antigos manuscritos hebraicos, atualmente perdidos.

    O valor histórico da LXX, portanto, é inestimável e de profunda importância para a identificação do Cânon Bíblico cristão. A LXX foi, de fato, a primeira tradução feita dos livros hebraicos para qualquer outra língua.

    Luciano, sacerdote de Antioquia e mártir, no início do séc. IV publicou uma edição corrigida de acordo com o hebraico; tal edição reteve o nome de koiné, edição vulgar, e, às vezes, é chamada de Loukianos, conforme o nome de seu autor. Também Hesíquio, Bispo egípcio, publicou, quase que ao mesmo tempo, uma nova revisão, difundida principalmente no Egito.

        [Continua]

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[1] SOARES (2009, p.11).

[2] THACKERAY (1997, p.705).

[3] Ibidem.

[4] É geralmente aceito que a Carta de Aristeias tenha sido escrita por volta de 200 a.C., cerca de 50 anos após a morte do Rei Filadelfo.

[5] Aristeias era oficial da guarda real, egípcio de nascimento e pagão por religião (Ibidem).

[6] THACKERAY (1997, p.706).

[7] Ibidem.

[8] COSTA (1998, p.65).

[9] THACKERAY (1997, p.707).

[10] ARCHER JR. (2004) p.43.

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