Módulo 10: Dogmática 1 | Inteligência e vontade


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Temos estudado a fundo
as questões da problemática relacionada ao influxo da inteligência e da vontade na origem do ato de fé do ser humano. Vimos já que as atuações de ambas essas forças precisam ser recíprocas e colaborativas, e que a inteligência, como preparação, deve ser capaz de perceber que aceitar o Testemunho divino contido na Revelação é racional e razoável, percebendo a evidência intrínseca dos argumentos apologéticos objetivamente válidos. E vimos como para que tal coisa aconteça, contribui de maneira fundamental a boa disposição da vontade. A inteligência deve aderir à Revelação em razão da Autoridade de Deus que é o seu Autor, mas como não vê nem é capaz de compreender racionalmente aquilo a que esta aderindo, pela vontade se move a acolher o Testemunho divino.

    Por fim, constatamos que a vontade só pode mover porque ama. Queremos crer (vontade), porque aceitar a Verdade misteriosa e divina nos aparece como um bem desejável, o qual amamos, também por nos saciar as mais profundas ânsias humanas e por nos ajudar a viver bem. Assim é que temos o recíproco influxo da inteligência e da vontade.

    Como, todavia, pode ser difícil confiar totalmente em um Deus que não se mostra (a não ser sutilmente, como por meio de sinais mais ou menos claros, como nos milagres e ao atender nossos pedidos), se formos honestos, veremos que não somos capazes, por nossas próprias forças, de perseverar nesse caminho de Fé. Que fazer, então? A resposta é que não há muito o que possamos fazer, de nossa parte, já que não basta o trabalho irmanado da inteligência e da vontade; a solução de tudo está, sobretudo, no auxílio que nos vêm do Alto, no influxo da Graça.

    A fé meramente humana, natural, fundada apenas na probabilidade do que propõe a Sã Doutrina, para que se firme e nos conduza realmente à salvação eterna, necessita do influxo da Graça. É a Fé sobrenatural, que completa e consuma aquela nossa adesão inicial ao Evangelho. Este influxo é dom de Deus e não vem de nós mesmos, como atesta o Apóstolo naquela passagem tão mal compreendida por Lutero: “Pela graça fostes salvos, por meio da Fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2,8). Tanto no processo de receber a Fé quanto no da salvação de nossas almas, tudo é obra divina; a nós, criaturas, compete e é suficiente a coragem para aceitar essa grande dádiva e para permitir que esse ato mude radicalmente nossa vida, em todos os níveis. A Fé cristã verdadeira e plena encontra-se acima do esforço humano. Crer é aderir ao Espírito de Deus. A fim de poder acolher, aceitar esse dom transcendente, é necessário que nosso espírito seja elevado ao nível divino, sintonize a realidade sobrenatural à qual se unirá. Qualquer esforço humano estaria fora de proporção. Caberá, pois, a Deus tomar toda a iniciativa, movendo-nos a crer. “Ninguém pode vir a Mim, se o Pai que me enviou não o conceder” (Jo 6, 44,66).

    Concluímos, assim, dizendo que para vermos as coisas sob a luz da Fé, precisamos como que receber novos “olhos”: olhos sobre-humanos.

    Ponderemos, agora, a obscuridade dos mistérios da Fé, isto é, o quanto são inacessíveis em suas maiores profundidades à nossa capacidade intelectiva. Contemplá-los requer, de fato, a mortificação perene da nossa racionalidade. É preciso avançar além de toda a nuvem da soberba intelectualizada (sempre empesteada de heresias e/ou sofismas de todo tipo) que sempre ameaçou a Sã Doutrina, e avançar também além das duras exigências morais que os hipócritas gostam de impor aos outros, geralmente sem observá-las eles próprios, levando junto de si apenas a pureza do desejo mais sincero, para se compreender que até a mais sólida e brilhante apologética, elaborada pelo mais douto dos homens, seria insuficiente se não fosse sustentada pela Graça, e que a própria vontade humana se perderia em caprichos e fantasias, se não fosse movida pelo Espírito Santo.

    Como nos sentiríamos incitados a nos entregar ao sobrenatural, se aquilo que é próprio da ordem sobrenatural não atuasse sobre nós? É como uma inspiração interior que nos convida a crer; e então se aviva em nós uma luz que “ilumina os olhos de nosso entendimento” (Ef 1,18) para que mais facilmente possamos perceber a força das razões de crer, discernir os sinais da presença do sobrenatural, entrever a beleza da Verdade cristã. Cristo nosso Senhor então abre o nosso entendimento para que possamos compreender as verdades sublimes contidas nas Sagradas Escrituras (cf. Lc 24, 45). A Fé nos dá essa nova maneira de ver, como que “pelos olhos de Deus”, isto é, os olhos que vislumbram todas as coisas a partir da eternidade.

    Ao mesmo tempo, a vontade é retificada em nós e nos inclina acima de nossas fraquezas, solícita ao atrativo da Verdade, convidada a aderir ao Bem divino que é nosso maior bem – o Sumo Bem, Deus. O Espírito Santo nos incita a dizer “sim” à voz do Criador e nosso Salvador que nos ama, suscitando em nossas almas uma inclinação à vida eterna, que nos faz ceder às solicitações divinas. Tornamo-nos mais santos, mais perfeitos, mais felizes, esquecidos de nossos antigos egoísmos e mesquinharias e abertos à perfeição do Céu.


    Distingue São Paulo Apóstolo duas categorias de humanos: o homem “animal”, que não entende as coisas do Espírito de Deus (que lhe parecem ‘loucura’) e de fato não as pode entender, porquanto elas só se discernem espiritualmente; e o homem “espiritual”, este que entende bem, pois recebeu “o Espírito que vem de Deus para que possa conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (1Cor 2,12-15). Aquele que de animal quiser tornar-se espiritual, deverá, antes de tudo, à imitação homem do pobre do Evangelho, clamar “com lágrimas, dizendo: ‘Eu creio, Senhor, mas vem em socorro à minha falta de Fé!’” (Mc 9,24).

    Deus jamais recusa tal pedido, quando é sincero. Sua graça inspirará à inteligência aquela absoluta confiança na Palavra divina, que levará à aquiescência incomovível no fato e no conteúdo da Revelação; dará também à vontade as disposições morais de que carece, em particular o desejo de possuir e saborear a Verdade de Cristo, a força de arrancar-se ao fascínio das paixões e de abater as pretensões da soberba. Quando a alma não resiste à graça preveniente, o Senhor responde ao movimento filial de confiança e amor inicial, unindo-nos em espírito à sua Verdade, de sorte que nosso pensamento adere estreitamente ao Pensamento de Deus.

    Virtude unitiva de espírito a Espírito, a Fé diviniza a inteligência humana. “Quem conhece o pensamento do Senhor, para que o possa instruir? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo” (1Cor 2,16). O Verbo que é Luz – não apenas fria claridade, senão também vida (cf. Jo 1,4) – veio luzir aos olhos de todos. Porém sua Luz só ilumina, de fato, os olhos dos que n’Ele creem (Jo 12,36); Só estes têm em si a “Luz da vida” (Jo 8,12). Seres intelectuais e membros do Verbo encarnado, essa dupla qualidade há de se refletir antes de tudo na ordem de conhecimento. Os fiéis terão assim o saber sobrenatural que convém aos membros da Igreja: pela união à divina Cabeça, diviniza-se-lhes o espírito ao ponto de receber uma irradiação ou comunicação do conhecimento d’Aquele que é o pensamento do Pai. A Fé é, em última análise, o Verbo-luz misticamente presente à nossa inteligência, continuando nela a sua vida.

    Em síntese:

        1. A Fé é o fundamento da vida cristã, o primeiro movimento do espírito que quer chegar a Deus.

        2. O objeto da Fé – o conjunto das verdades que devermos crer – é Deus na sua realidade profunda e na sua providência. Por outras palavras, Deus em Si e como o fim de nossa vida, Autor de nossa salvação. Em clima cristão, esse Objeto se explicará detalhadamente em uma série de dogmas: Trindade, Encarnação, Redenção, Eucaristia, etc.

        3. O motivo pelo qual cremos é a Autoridade absoluta do Testemunho veraz de Deus que se revela.

        4. O ato de Fé é a firme adesão de nossa inteligência às verdades reveladas.

        5. Esse mesmo ato é fruto da mútua cooperação da inteligência e da vontade livre, como também correspondência de ambos ao influxo da Graça sobrenatural.

        Primeiro, a inteligência deve: a) perceber quão razoável é crer na Palavras divina (argumentos de credibilidade); b) assentir firmemente à Revelação (creio que Deus revelou, creio no Deus Uno e Trino, etc.);

        Segundo: a vontade livre – à qual a inteligência já apresentou a Fé como um bem desejável – fixa a mesma inteligência nas razões de crer, impele-a a aderir à Palavra divina (‘creio porque quero e devo crer’);

        Terceiro: todo esse trabalho em conjunto terminaria em pura fé humana e não divina, se a Graça não iluminasse o intelecto e movesse a vontade, inclinando-as à ordem sobrenatural do conhecimento (Fé como virtude infusa, dom de Deus).

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