Módulo 8: História da Igreja | Provas de autenticidade da Igreja


A resposta tão importante dada por Pedro, na confissão que selou a sua entronização como Príncipe dos Apóstolos, segundo transparece das Sagradas Escrituras era exatamente aquela que o Senhor esperava dele. E o próprio Messias, no momento decisivo, que culminaria na consumação de sua missão no mundo, ao ser levado à presença do Sumo Sacerdote, não hesitou em dar essa mesma resposta, ainda que sabendo que dizê-lo significava despedir-se da própria vida, e com grande sofrimento. Ao ser inquirido com a pergunta: “És tu o Cristo, o filho de Deus bendito?”, Ele respondeu : Eu Sou, e vereis o Filho do homem assentado à Direita do Poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu “ (Mc 14, 61s).

    Essa frase, considerada blasfema, levaria, como era óbvio para todos, os chefes de Israel a usar de grande o rigor contra o Cristo, e certamente a condená-lo à morte. Um homem muito sábio ou dotado de raros dons poderia parecer muito convincente a pessoas humildes e crédulas; mas quantos aventureiros estariam totalmente dispostos sacrificar tudo, incluindo a própria vida, simplesmente por acreditar em uma promessa? Mais ainda, uma promessa de algo que não podia ver nem comprovar, e que se concretizaria apenas depois deste mundo e desta vida?

    Enquanto o Mestre estava vivo ainda se poderia compreender esse tipo de fé. Testemunhas davam conta de que d’Ele emanava um poder singular, uma energia espiritual e amorosa nunca vista, uma força inexplicável que dominava as inteligências, elevava as almas, conferia uma esperança incomparável. Muitíssimos homens e mulheres, num primeiro contato com Ele, tinham se sentido transformados e experimentado um sentimento de pertença e de propósito que não conseguiam explicar, como se fosse Ele aquilo pelo que estivessem esperando durante toda a vida. A partir desse encontro divisor de águas, todos estes haviam se despojado de tudo o que tinham e até de tudo o que haviam sido até ali, e de bom grado, renunciando às suas antigas esperanças para segui-lo. Vidas eram totalmente transformadas, autoridades se dobravam diante dele, sem que para tanto se pudesse achar qualquer explicação racional, e isso calava forte no inconsciente daquele povo.

    Depois de morto, porém, como pudera manter-se a convicção de que aquele homem humilde, crucificado como um criminoso no Calvário, era realmente seu Deus humanado? O mistério da Fé, que é ao mesmo tempo a razão dessa conversão/transformação radical e a graça que a possibilita, está nessas origens da Igreja; explodirá depois em poderosa evidência de autenticidade nos dramáticos e impressionantes eventos em que multidões o colocarão acima de absolutamente tudo, até da própria vida, perante os perseguidores romanos; explodirá bem mais tarde, no silêncio dos Carmelos e Cartuxas , bem como no sacrifício dos Santos missionários que nada temerão, prolongando-se através da História.

    Os homens e mulheres que seguiram Jesus enquanto estava vivo não deixaram, por isso, de permanecer humanos, e portanto não estavam livres das fraquezas que temos todos nós. Quando parecia que chegava ao fim o movimento do Nazareno, parecia que era o fim de um sonho. Um sonho maravilhoso, que trouxera de volta os sorrisos e a renovara a esperança do “Povo Eleito”, profundamente ferido em seu orgulho. Mas ainda um sonho. Com a prisão do Senhor, o terror dispersara o pequeno grupo, enquanto os primeiros discípulos renegavam o Mestre, apavorados. Ao pé da Cruz, permanecia apenas um punhado de teimosos, algumas mulheres, a Mãe bendita e o Discípulo amado; todos os outros haviam fugido para se esconder, para as colinas ou para alguns dos túmulos helênicos que se erguiam no fundo dos barrancos. Como então explica que tantos tenham não só mantido a adesão à Mensagem da Boa Nova, como, poucos dias depois, tenham reaparecido com forças redobradas e uma Fé irremovível, capaz de enfrentar toda sorte de adversidades e até o martírio, pela certeza da vida eterna?

    Ao olhar comum, assim como ao olhar do dominador romano, esse Jesus fora tão somente mais um agitador vencido, um criminoso justamente punido pelas autoridades locais. Mas aquele grupo permanecia fiel, ou melhor, crescia em fidelidade e em número, cada vez mais e mais. Às inevitáveis perguntas sobre “como” e “porquê”, os irmãos Seguidores do Caminho tinham sempre uma firme resposta, mas o seu testemunho se dava muito mais por seus atos e firmeza de adesão do que por palavras, sendo esta uma fortíssima prova da Fé da Igreja. Ora, crenças, concepções e costumes culturais firmemente enraizados – consolidados por muitos séculos de lutas e dores, conquistas e sofrimento –, não costumam mudar da noite para o dia. Olhando a História, vemos que mudanças tão radicais quanto aquela sobre a qual estamos agora nos debruçando (se é que houve outras semelhantes em algum outro lugar ou tempo), especialmente para os povos orientais, exigem o passar de eras, com debates e guerras que se sucedem antes que tais mudanças sejam efetivadas. Mas não foi assim no caso do Cristianismo. O fenômeno Jesus Cristo fez com que crenças e costumes seculares do judaísmo fossem alterados num prazo curtíssimo de tempo, não mais do que alguns poucos meses.

    Aquele grupo crescente de judeus piedosos adotava, após a alegada Ressurreição de seu Mestre, um conjunto de crenças e práticas não apenas radicalmente novas e também impensáveis para aquele contexto histórico e cultural até então, mas também abertamente contrárias às crenças judaicas e greco-romanas que aí imperavam. Se analisarmos esse contexto a partir do ponto de vista de um grupo religioso que buscava aceitação social e credibilidade para difundir a sua mensagem, a atitude dos primeiros cristãos revela-se totalmente ilógica, porque contraproducente. Já sob uma perspectiva histórica, esses fatos configuram-se em evidências da Ressurreição de Cristo. Vejamos:


O dia de propiciação/adoração/ação de graças/impetração mudou: a partir da Ressurreição, os fiéis passam a se reunir aos domingos e não mais no shabat (sábado) judaico


O abandono do sábado não foi imediato. Todavia, foi de imediato que os cristãos passaram a se reunir no primeiro dia da semana. O domingo é justamente o Dies Domini – o Dia do Senhor – porque Jesus ressuscitou no domingo, dando início aos novos tempos e à Nova Aliança e porque, a partir desse evento, passaram as coisas antigas e tudo se fez novo (2Cor 5,17). Uma mudança dessa magnitude só poderia se operar a partir de um acontecimento realmente muitíssimo importante. Ora, Deus mesmo ordenara a Moisés a guarda do sábado no AT. Apenas Deus poderia determinar uma mudança dessa ordem expressa, e para que aquele povo aceitasse que Deus assim determinara, seria realmente preciso um fato decisivo e profundamente impactante.


As primeiras testemunhas da Ressurreição são mulheres humildes


O testemunho de mulheres não era aceito como prova diante de um tribunal judaico. Se os propagadores do Cristianismo – e, posteriormente, os autores dos santos Evangelhos –, quisessem convencer alguém da veracidade do seu testemunho com base em depoimentos confiáveis, sem se importar com a veracidade dos fatos ou com a fidelidade á historicidade da coisa, evidentemente teriam citado homens, especialmente homens que ocupassem posições destacadas, do modo que teriam maiores chances de serem bem aceitos naquela sociedade.

    Mas os primeiros cristãos não esconderam que as primeiras testemunhas da Ressurreição foram mulheres, e isso implica uma evidência bastante considerável quanto à autenticidade do que se propõe.


Para gregos e romanos, a ressurreição do corpo era um completo absurdo


Tanto gregos quanto romanos desprezavam a corporeidade. Tal desprezo aparece, em muitas fontes, por exemplo no relato registrado sobre a reação dos atenienses ao sermão de São Paulo Apóstolo sobre a Ressurreição de Jesus Cristo: “Quando ouviram falar de ressurreição de mortos, uns zombavam e outros disseram: ‘A respeito disso te ouviremos alguma outra vez’” (At 17,32). Sou houvesse a intenção de se elaborar uma nova doutrina meramente inventada, que tivesse chance de ser bem aceita naquela realidade, seria muito mais conveniente falar na eternidade da alma, não na ressurreição dos corpos, uma doutrina que ainda hoje é de difícil aceitação e/ou compreensão.


Modificação da crença judaica da ressurreição somente no juízo final.


Se gregos e romanos não estavam interessados em ressurreição, os judeus sustentavam a crença na ressurreição. Entretanto, afirmar que alguém havia ressuscitado antes do grande dia do Juízo, como faziam os cristãos a respeito de seu Cristo, não fazia sentido dentro da estrutura do pensamento judaico ortodoxo. Mais uma evidência de que se referiam a um evento real e não a uma nova doutrina artificial e magistralmente elaborada para convencer as massas.


Monoteísmo judaico e Monoteísmo Trinitário cristão


Outra modificação de enorme importância e que seria humanamente impensável está no tributo de adoração que passa a ser prestado ao próprio Jesus, e a partir de quando? Após a sua Ressurreição. Não por acaso, é justamente no episódio da confirmação deste evento por São Tomé, até então incrédulo, que os Evangelhos apresentam uma das mais explícitas afirmações da divindade de Cristo Jesus: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,19-31). Sabemos bem que, ao longo da História, muitos judeus foram condenados e mortos por se recusarem a adorar reis e imagens. Era inconcebível para o monoteísmo e a até para a própria identidade judaica a ideia de que Deus Todo-Poderoso se fizesse homem, quanto mais para entregar-se em sacrifício pela salvação dos pecadores. Todavia, o grupo dos cristãos, em esmagadora maioria judeus adeptos desse mesmo monoteísmo judaico, passaram a adorar Jesus como Deus-Filho, aceitando sem reservas as afirmações que o próprio fizera de sua Natureza divina: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30); “Quem me vê a mim, vê o Pai” (Jo 14,9). O culto à Pessoa de Jesus – Pessoa divina –, dificilmente poderia ser racionalmente explicado por outro fato senão algum realmente impactante, um evento divisor de águas e impressionante o suficiente para provocar essa mudança radical de paradigmas, algo que causasse uma impressão tremenda, como seria o caso da Ressurreição.


A consolidação da Igreja


O primeiro século testemunhou o aparecimento de diversos líderes de movimentos messiânicos, executados por sedição, e que houve em todos esses casos foi a dispersão dos seus seguidores. Em nenhum desses casos há qualquer registro de mestres ressuscitando dentre os mortos. A razão para tal é bastante simples: como vimos, os judeus esperavam a ressurreição coletiva, a qual ocorreria somente no fim dos tempos. A sólida persistência do pequeno grupo que se dispersara logo após a prisão e morte de Jesus, e a impressionante transformação que se seguiu a isso, exigem algum fato que os explique. A Ressurreição cabe como resposta. Como uma luva.


Contradição total


A natureza absolutamente única e radicalmente inovadora do anúncio da Ressurreição era problemática demais para que pudesse ter sido simplesmente inventada. Sair por aí a bradar que o Galileu havia se levantado dos mortos não seria uma boa opção propagandística. A não ser que fosse tudo verdade.

    Em qualquer caso, a Ressurreição continuará para nós como um mistério, que contemplamos mediante um olhar de Fé, como fazemos na contemplação do santo Rosário. Como em tudo que concerne ao estudo da Teologia, porém, isso não implica desconsiderar evidências tão fortes da sua historicidade.

    Sim, os Seguidores do Caminho acreditavam em Jesus, o Messias, Jesus, o Filho de Deus, Jesus, o Salvador dos homens, Jesus-Senhor e Deus, não só apesar do atroz desfecho do ministério do seu Líder, mas – contradição das contradições –, principalmente por causa disso. Não por mero apego sentimental, mas porque tinham provas da sua maravilhosa autenticidade.

    Tinham ainda certas garantias sobrenaturais, citadas em todos os Livros escritos pela primeira geração que viriam a compor a Bíblia sagrada– os Evangelhos, os Atos e as Epístolas –, sublinhando sua importância e mostrando que sobre estas repousava a verdadeira Fé.

    A primeira fora dada pelo próprio Jesus, à véspera de sua Morte, na noite da Quinta-feira Santa. Durante a última Ceia, partira o pão, tomara de um cálice de vinho e dera graças, dizendo: “Este é o meu corpo, entregue por vós (...). Este cálice é o Novo Testamento em meu Sangue, derramado por vós“ (Lc 22 ,19s). O gesto sintetizava numa fórmula sacramental um ensinamento sobre o qual Ele insistira muitas vezes. Quatro vezes ao menos, advertira do drama que havia de pôr fim à sua missão sobre a Terra, frisando a necessidade da sua Morte e o seu sentido sacrificial. Em Cafarnaum, no admirável discurso sobre o Pão da Vida, tinha precisado antecipadamente esta doutrina: “Eu sou o Pão vivo descido do Céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre. E o pão que eu darei é a minha carne, para a salvação do mundo” (Jo 6,51).

    Naquela ocasião, Jesus não fora compreendido. Estavam todos cegados pela falsa imagem de um Messias glorioso e predestinado à vitória, que traria prosperidade ao mundo. Os discípulos – compreensivelmente, devemos reconhecer, se somos humanos –, recusavam-se a acreditar na necessidade do Sacrifício. Mas, diante dos fatos que se desenrolaram depois, depois da implacavelmente transformadora experiência da Ressurreição, e uma vez transposto o momento da perturbação emocional, a Morte do Mestre assumia uma importância decisiva para a Fé.

    Em primeiro lugar, a Morte provara de forma evidente suas profecias. Além disso, estabelecera entre Ele e os seus discípulos um laço que nada poderia quebrar, uma vez que era o laço de uma participação na sua Vida divina, conforme sua própria promessa. Por fim, como Ele também dissera, era o sinal de uma “nova Aliança”. Para os judeus crentes, familiarizados com os textos sagrados, era manifesto que o mistério da Aliança, desde o sacrifício de Abraão até o do Cordeiro Pascal, sempre estivera ligado à necessidade do sacrifício. E os discípulos puderam compreender, enfim, o verdadeiro alcance da Imolação consumada no Calvário. Assim como o povo de Israel, no correr dos séculos, tinha ido buscar a sua força na convicção inquebrantável da Antiga Aliança com Deus, assim os fiéis de Jesus Cristo iriam enfrentar a História apoiados na certeza de que a Morte do Mestre era o penhor da Nova e Eterna Aliança.

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