Encerramos assim a última aula:
...pode ser difícil às vezes, e será, confiar em um Deus que não se mostra, a não ser sutilmente. Ele não deixa de dar sinais, você sabe, e Ele faz milagres nas vidas de todos nós. Ele realmente atende aos seus pedidos e anseios com muita frequência, enviando seus auxílios quase que diariamente. Mas... um grande mal do homem é esquecer. E nos esquecemos muito facilmente de todos os benefícios que Deus nos têm feito, e nossa adesão a Ele é abalada a cada tribulação, a cada dificuldade que surge. Quantas vezes fomos débeis para reatar essa relação, vencer uma crise de Fé, reaproximar-nos d’Ele e voltar a confiar inteiramente, com a força e a simplicidade de uma criança? De fato, se formos honestos, veremos que não somos capazes, por nossas próprias forças, de perseverar nesse Caminho. Que fazer, então?
Respondendo à pergunta, não há muito o que fazer, de nossa parte, porque não basta ainda o trabalho irmanado da inteligência e da vontade; a solução de tudo está, sobretudo, no auxílio que nos vêm do Alto.
Verificamos muitas vezes que uma alma de boa vontade estuda as provas da Religião e, sim, percebe a sua força. Aceita, em consequência, a veracidade do Cristianismo. Pode-se declarar em certo sentido que essa pessoa tem fé, pois tal aceitação agora se funda não mais sobre alguma evidência intrínseca, mais sobre a evidência extrínseca. Todavia esta fé ainda é meramente humana, natural, como a fé que podemos ter em um acontecimento que não presenciamos, mas que conhecemos por testemunhas bem acreditadas. Embora seja religiosa pelo seu objeto, ainda não é sobrenatural esta fé pela sua índole; de que ainda carece, então? Ainda necessita do influxo da Graça.
Encontramos essa realidade evidenciada na obra em que a intelectual inglesa Anstice Baker (foto) narrou a sua peregrinação “em demanda da morada da luz”. Desdobra-se esse itinerário sobre o plano puramente especulativo; o espírito da heroína atravessou múltiplas e variadas filosofias, sem nunca se aquietar. Por fim, chegou ao Catolicismo. Quanto mais o estudava, mais verdadeiro lhe parecia. Contudo, faltava-lhe ainda a Fé sobrenatural. Acreditava no Catolicismo, mas como quem acredita (em mais) uma religião humana. Era para ela o caminho mais racional, o mais coerente, o mais equilibrado, justo, apoiado pelo testemunho de muitas almas nobres, ratificado por muitos milagres, etc. Mas a sua fé ainda era apenas humana/natural.
Assim continuou até que um dia, na igreja de Santo Agostinho, em Paris, ouviu um sermão sobre um acordo entre a razão e a fé. Prossegue ela em sua narrativa:
O sermão eu já sabia, nada de novo me ensinou. Mas aquelas verdades já conhecidas chegavam-me com uma precisão inteiramente nova... Parecia arrancar de mim mesma tudo quanto eu havia aprendido, tudo quanto eu cria, para me apresentar tudo aquilo com nova força. Seguiu-se a bênção. Logo que foi exposto o Santíssimo Sacramento, uma verdadeira transformação operou-se em mim: apareceu-me a Igreja como a meta à qual todos os esforços de minh’alma haviam inconscientemente tendido, como a solução de todos os meus problemas, a resposta a todas as minhas dúvidas... Até então eu tinha convicções; naquela hora Deus dava-me a Fé! A Fé cristã verdadeira e plena encontra-se acima de qualquer esforço humano; é dom de Deus. Já no ano de 529, o segundo Concílio de Orange definia que “não apenas o aumento, mas mesmo o próprio início da Fé, a piedosa propensão a crer, não vem da natureza mas, antes, é obra da Graça”.
Em 1870, o Concílio Vaticano I, retomando as palavras do seu antecessor, estatuía:
Embora o assentimento da Fé não seja de todo cego movimento da mente, entretanto, ninguém pode aderir à pregação evangélica do modo necessário para chegar à salvação, sem a iluminação e inspiração do Espírito Santo, que a todos dá suavidade na aquiescência e na crença da verdade. Donde a Fé em si – ainda quando não atuada pela caridade – é um dom de Deus, e seu ato é obra que pertence à salvação. Por ele, o homem livremente se submete a Deus, consentindo e cooperando à sua Graça, à qual (sem este) poderia resistir.
Para entender a Doutrina, basta ponderar que a Revelação é o invisível, o sobrenatural que se nos oferece; a Verdade incriada que penetra em nossa inteligência para fazê-la viver, por antecipação, na eternidade. Crer é aderir vitalmente ao Espírito de Deus. A fim de poder acolher, aceitar esse dom transcendente, necessário é que nosso espírito seja elevado ao nível divino, sintonize a realidade sobrenatural à qual se reunirá. Qualquer esforço humano estaria fora de proporção. Caberá, pois, a Deus tomar a iniciativa, fazer brotar em nós o sobre-humano conhecimento, tornar-nos capazes de olhar o Mistério, mover-nos e crer. “Ninguém pode vir a Mim”, ensina Jesus, “se o Pai que me enviou não o trouxer”, e um pouco além: “Há alguns dentre vós que não creem... por isso Eu vos disse que ninguém pode vir a Mim se não lhe for concedido por meu Pai” (Jo 6, 44, 66). Para vermos as coisas como Deus as vê, precisamos receber novos “olhos”. Olhos sobre-humanos.
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[1] B. A. Baker, Vers la maison de Lumière, Paris, Gabalda, 1917, p. 239s, apud PENIDO (1956), p. 26.
[2] Denzinger, n.178, apud PENIDO (1956), p. 26.
[3] Denzinger, n.1791, ibidem.
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