Muitos acreditam que a Igreja vive hoje uma crise, com muitos escândalos internos e dificuldades, deturpação da Liturgia, o crescimento das seitas pentecostais na América Latina e o enfraquecimento da fé no berço da Igreja (a Europa). Em vista de tal situação, selecionamos um dos muitos trechos inspiradores do livro “O Sal da Terra“ em que o Papa Bento XVI, - que na época ainda não era o Papa, - responde à essa pergunta, feita pelo editor e jornalista alemão Peter Seewald. O livro, que recomendamos, é bem didático, escrito em forma de perguntas e respostas.
Peter Seewald: Que importância tem a crise atual da Igreja? Este é o maior desafio desde o começo? E o que significa a crise da Igreja para o mundo? O senhor declarou uma vez que a extinção da Igreja levaria a um desmoronamento espiritual cuja dimensão não podemos medir.
Cardeal Ratzinger (Papa Bento XVI): Quanto à primeira pergunta, não sei. É, com certeza, um dos maiores desafios. Mas na Igreja antiga também tivemos dois enormes desafios. Um foi a gnose, quando se deu uma transformação gradual na Igreja, tanto do culto quanto da fé, em ideologias, em mitos e em imagens. Era algo que parecia estar se apoderando, pouco a pouco, de toda a Igreja. Quando hoje se lê isso, pensa-se que havia, de um lado, os gnósticos e, do outro, os Padres da Igreja. Mas não é verdade, pois as correntes estavam completamente envolvidas umas nas outras, o que só devagar pôde ser esclarecido.
Também houve a tentativa, que se compreendia muito bem e que era muito convidativa, da afastar o Antigo Testamento para se limitar a São Paulo. Houve movimentos orientados para a busca da própria identidade, que eram extremamente complexos. Existia (...) o Magistério central, que se encontrava numa fase inicial e que poderia intervir eficazmente. Por isso, a disputa teve de ser resolvida, pouco a pouco, no interior. E o cristianismo poderia, facilmente, ter vindo a ser outra coisa. Julgo que foi uma grande crise, precisamente no início da cristandade, quando esta tinha de dar forma a si mesma.
Uma segunda crise, que não foi tão grave nem tão grande quanto a primeira, mas que foi um desafio importante, foi a crise ariana. Os imperadores apostaram temporariamente no arianismo, porque se conciliava mais facilmente com a mentalidade dominante. O modelo era que há Deus, e depois há Cristo, que é um ser semelhante a Deus. Todo o aparelho político foi usado para impor essa imagem. Até os bispos cederam em grande número, conferências episcopais inteiras. Por fim, todo o mundo germânico se tornou ariano, de modo que o velho mundo (os romanos) era católico e o novo mundo (os germanos) era ariano. Assim, também se julgava poder reconhecer facilmente em que direção se encontra o que é novo, onde se encontra o futuro.
Julgo que a crise do século XVI também foi grave, mesmo que não tocasse tantos as raízes da Igreja, pois a aceitação comum das confissões de fé tinha permanecido. Mas as confusões internas da Igreja eram muito grandes, porque o elemento reformador tinha se dividido logo em movimentos diferentes, em partes radicais.
O que hoje vivemos talvez não seja, portanto, a partir desse ponto de vista, o maior desafio desde o início da História, mas é um desafio que chega às suas raízes.
Nota: Para tanto, é preciso que estejamos sempre preparados: rezar, participar, fazermos cada um de nós a sua parte, sermos cristãos católicos na prática. E tudo com muita confiança na Promessa de Nosso Senhor à sua Igreja: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”. (Jesus Cristo à sua Igreja, no Evangelho segundo Mateus, 23, 19-20)
RATZINGER, Joseph & Seewald, Peter. O Sal da Terra, O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Imago, pp. 130-131.
RATZINGER, Joseph & Seewald, Peter. O Sal da Terra, O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Imago, pp. 130-131.
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