Simbolismo e significados do Apocalipse: interpretação exegética do Livro da Revelação - parte 5

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"Adoração do Cordeiro Místico", por Jan Van Eyck
(clique sobre a imagem para ampliar)

Jesus, O Revelador da História

A visão do capítulo 5 é claramente a continuação da anterior. Mas logo aparecem elementos inteiramente novos: o Livro Selado e o Cordeiro, que tomam conta de toda a cena. Confira com a leitura do texto do Apocalipse no capítulo 5, versículos 1 a 14.

Vamos agora aprofundar alguns elementos deste capitulo, especialmente a visão do Livro Selado e o Cordeiro. O Livro Selado com 7 Selos está na Mão Direita de Deus assentado no Trono. Sua forma é um rolo de pele de cordeiro, escrito nos dois lados (Cf. Ez 2, 9-10).

O mais importante é que o Livro aparece “selado com sete selos”. Por isso, ninguém poderá abri-lo.


Simbolismos

# “O Livro” é a Revelação, a Palavra de Deus que constitui a vida para o homem; “Livro Escrito” é a História da humanidade, cheia de acontecimentos difíceis de serem entendidos por nós (cf. 5, 2).

# “João chora” (cf. 5, 4): esta menção revela a angústia da comunidade Cristã que não entende a História, confusa com tanta perseguição e opressão;

# As palavras de consolo do Ancião (cf. 5, 5) representam a proclamação da Esperança da Igreja, que jamais se desespera, mas confia e celebra a sua Fé, pois, ainda que nós não sejamos capazes, Jesus Cristo (o Leão de Judá), é capaz de abrir o Livro.

# O Cordeiro: o Cristo é apresentado como Cordeiro de Deus, que triunfou sobre a morte (está de pé), tem a Plenitude do Poder (7 chifres), a Plenitude do Espírito e Sabedoria de Deus (7 olhos).

# “Recebe o Livro d’Aquele que estava assentado no Trono” (cf. 5, 7): A origem de tudo é o Pai, e é dEle que Jesus recebe o Livro, ou seja, a História, em suas Mãos, para que seja revelada e levada à plena realização. - Depois disso já não é mais tempo de se angustiar, mas sim de se alegrar e proclamar os louvores na grande Celebração que une o Céu, a Terra e todo o Universo (cf. 5, 8-14).


Temos então os três Hinos de Louvor que podem ser assim divididos:

1. O primeiro é da Criação e do Povo de Deus, mostrando porque o Cordeiro pode receber o livro (cf. 5, 9-10);

2. O segundo é dos anjos, atribuindo a Jesus todas as Qualidades cf. 5, 12);

3. O terceiro é de todas as criaturas, que se dirigem Àquele que está assentado no Trono (Deus Pai) e ao Cordeiro (Deus-Filho). A celebração termina com o “AMÉM” dos 4 Seres Vivos e a adoração dos 24 Anciãos (cf. 5,14). Assim também a Igreja deve celebrar a Presença de Deus em nosso meio. Amém!


Por que "Cordeiro de Deus"?

Jesus Cristo é chamado uma só vez "Leão de Judá"
e 28 vezes de "Cordeiro"

Recitamos o "Cordeiro de Deus" na Santa Missa, logo que o sacerdote eleva a Hóstia Consagrada e proclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo…"

O Cordeiro é o Senhor Jesus! Mas poucas vezes falamos assim, em outras situações: preferimos dizer que Jesus é Senhor, Deus, Salvador, Messias, Rei, Sacerdote… O título "Cordeiro" não é como os outros.

Todos os títulos com os quais nos dirigimos ao Cristo são títulos que sugerem dignidade, sabedoria, poder, majestade... Mas, Cordeiro?? Scott Hahn, ex-ministro presbiteriano convertido à Igreja Católica e autor, entre outros, do livro autobiográfico "O Banquete do Cordeiro", falou com muita sabedoria a respeito desta questão (já falamos sobre ele aqui). Nosso texto, a partir deste ponto, contém transcrições de trechos de sua obra mais conhecida.

O título Cordeiro nos parece quase cômico, de tão inadequado para falar de Jesus Cristo, Glorioso Senhor dos senhores e Salvador do Mundo. Em geral, cordeiros não ocupam os primeiros lugares das listas de animais mais admirados. Não são particularmente fortes, nem espertos, sagazes ou graciosos. E outros animais parecem mais merecedores. Por exemplo, é fácil imaginarmos Jesus como o Leão de Judá (Ap5,5). Os leões são majestosos, fortes e ágeis, ninguém mexe com o rei dos animais.

Nossos irmãos protestantes gostam de chamar o Senhor assim, e quase nunca usam o título Cordeiro. Mas isso não deixa de ser um pouquinho antibíblico, se analisarmos bem: ocorre que o "Leão de Judá" desempenha um papel muito pequeno no Livro do Apocalipse, enquanto o "Cordeiro" prevalece e aparece nada menos que vinte e oito vezes! O Cordeiro governa e ocupa o Trono de Céu (Ap 22,3). É o Cordeiro quem lidera o exército de centenas de milhares de homens e anjos, e acende o medo nos corações dos ímpios (Ap 6, 15-16).

Esta última imagem, do Cordeiro feroz e assustador, é quase absurda demais para imaginarmos! Mas o assunto é sério: os títulos “Cordeiro” e “Cordeiro de Deus” aplicam-se a Jesus nos livros do Novo Testamento atribuídos a João: o quarto Evangelho e o Apocalipse, e também em outros livros neotestamentários (At 8,32-35; IPd 1,19). O Cordeiro é fundamental para a Santa Missa e também para a Bíblia Sagrada.

Sabemos “quem” o Cordeiro é. Entretanto, para compreender melhor o Livro do Apocalipse, - e também para experimentar a Missa como o Céu na Terra, - precisamos saber mais. Precisamos saber o “Que” o Cordeiro é e “por que” o chamamos “Cordeiro”. E para descobrir, temos que voltar no tempo, quase até o início...


"Agnus Dei" ('Cordeiro de Deus'), por Francisco de Zubaran

Para o antigo Israel, o cordeiro identificava-se com o sacrifício, a forma primitiva de expiação dos pecados e de adoração. Já na segunda geração descrita no Gênesis, encontramos na história de Caim e Abel o primeiro exemplo registrado de uma oferenda sacrifical: “Caim trouxe ao Senhor uma oferenda de frutos da terra; também Abel trouxe primícias dos seus animais e a gordura deles” (Gn 4,3-4).

No devido tempo, encontramos holocaustos semelhantes oferecidos:

# Por Noé (Gn 8,20-21);
# Por Abraão (Gn 15,8-10; 22,13);
# Por Jacó (Gn 46,1) e outros.

No gênesis, os Patriarcas estavam sempre construindo altares, e estes serviam primordialmente para sacrifícios. Entre os sacrifícios do Gênesis, dois merecem a nossa atenção:

# O de Melquisedec (Malki-Sédeq - Gn 14,18-20);
# O de Abraão e Isaac (Gn 22).

Melquisedec surge como o primeiro sacerdote mencionado na Bíblia e muitos cristãos (Hb 7,1-17) o consideram o antigo precursor de Jesus Cristo. Melquisedec era sacerdote e rei, uma combinação estranha no Antigo Testamento e que, mais tarde, foi aplicada a Jesus. O Gênesis descreve Melquisedec como rei de Shalem, terra que depois seria “Jeru-salém”. Que significa “Cidade da Paz”(Sl 76,2).
Um dia Jesus surgiria como rei da Jerusalém Celeste e novamente, como Melquisedec, o “Príncipe da Paz”. Em conclusão, o sacrifício de Melquisedec foi extraordinário por “não envolver animal algum”. Ele ofereceu “Pão e Vinho”, como Jesus fez na Última Ceia, quando institui a Eucaristia!

O sacrifício de Melquisedec terminou com uma benção sobre Abraão. O próprio Abraão revisitou Shalem, alguns anos mais tarde, quando Deus o chamou para fazer um sacrifício definitivo. Em Gn 22, Deus diz a Abraão:” Toma o teu filho, o teu único, Isaac, que amas. Parte para a Terra de Moriá e lá oferecerás em holocausto sobre uma das montanhas que eu te indicar”(vs. 2). A tradição israelita, registrada em 2Cr 3,1, identifica Moriá com o local do futuro Templo de Jerusalém.

Para lá, Abraão viajou com Isaac, que carregou nos ombros a lenha para o sacrifício (Gn22,6). Quando Isaac perguntou onde estava a vítima, Abraão respondeu: Deus providenciará Ele mesmo uma ovelha para o holocausto, meu filho.”(vs. 8). No fim, o anjo Deus impediu que a mão de Abraão sacrificasse seu filho e forneceu um carneiro para ser sacrificado. Nessa história, Israel discerniu o juramento da Aliança de Deus para fazer dos descendentes de Abraão uma Nação poderosa: “Juro-o por mim mesmo(…) Por não teres poupado teu filho(...) comprometo-me a fazer proliferar tua descendência tanto quanto as estrelas do céu(…) é nela que se abençoarão todas as nações da terra” (Gn22,16-17).

Foi como um reconhecimento de "dívida" que Deus deu a Abraão; também seria a "apólice de seguro de vida" de Israel. No Deserto do Sinai, quando o povo escolhido mereceu a morte por adorar o bezerro de ouro, Moisés invocou o Juramento de Deus a Abraão, a fim de salvar o povo da Cólera Divina (Ex32,13-14).

Mais tarde, os cristãos viram a narrativa de Abraão e Isaac como uma profunda alegoria do Sacrifício de Jesus na cruz. As semelhanças eram muitas: Jesus, como Isaac, era o filho único querido de uma Pai fiel. Também como Isaac, Jesus carregou monte acima, sobre os ombros, a madeira para seu próprio sacrifício, que foi consumado em uma colina de Jerusalém.

De fato, o local onde Jesus morreu, o Calvário, era um dos montes da cadeia de Moriá. Além disso, o primeiro versículo do Novo Testamento identifica Jesus como Isaac, ao dizer que Ele é “Filho de Abraão”(Mt 1,1). Para os leitores cristãos, até as palavras de Abraão se mostraram proféticas. Lembre-se de que não havia pontuação no original hebraico e pense em uma interpretação alternativa de Gn 22,8: "Deus se dá a si mesmo, o Cordeiro, para o holocausto”.

O Cordeiro pronunciado era, Jesus Cristo, o próprio Deus” para que a benção de Abraão alcance os pagãos em Jesus Cristo”(Gl 3,14 veja também Gn 22,16-18).


** Ler a continuação deste estudo

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Bibliografia
1- RICHARD, Pablo. Apocalipse - Reconstrução da Esperança, 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
2- BORTOLINI, Pe. José. Como ler o Apocalipse, Resistir e Denunciar. São Paulo: Paulus, 2008.
3- GALVÃO, Antônio Mesquita. Apocalipse ao Alcance de Todos. São Paulo: O Recado, 2009.
5- CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João - Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1992.

Referência bibliográfica:
Edição Brasileira da Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1991.
The New American Bible. Nashville: Catholic Bible Press, 1987.

HAHN, Scott. O Banquete do Cordeiro, 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1997, pp. 28-30.
CARRILLO, S. El Apocalipsis. C. México: Instituto de Pastoral Bíblica, , 1998.

NUTTING, M. And God Say What?. New York: Paulist Press, 1986.

YATES, K. Nociones Esenciales del Hebreo Biblico. New York: Harper & Row Publishers, 1984.


Outras fontes:
RIVERO, Pe. Jordi. Apostolado Veritatis Splendor: A prostituta do Apocalipse, a Grande Babilônia. Disponível em http://www.veritatis.com.br/apologetica/105-igreja-papado/603-a-prostituta-do-apocalipse-a-grande-babilonia desde 11/12/2006; tradução: Carlos Martins Nabeto.
vozdaigreja.blogspot.com

5 comentários:

  1. Gostaria de saber sobre a marca da besta 666, o anticristo, etc, Agradeço!

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  2. Olá, Henrique! Parabéns pelos esclarecimentos.
    Gostaria de saber se vocês tem algum artigo que trata sobre comercialização de bebidas alcoólicas nas comunidades da nossa Igreja. Este ano conseguimos conscientizar sobre alguns males, mas ainda precisamos de fundamentação para eliminação completa deste insumo maligno. Abraço fraterno.

    José Antônio
    tlcamparo@bol.com.br

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  3. Excelente! Jamais havia encontrado um estudo tão profundo nesse nível. Isto serve para rompermos estigmas sobre o assunto, e principalmente refutarmos as interpretações dos embusteiros protestantes. Vale a pena lê-lo, e aguardaremos ansiosos a continuidade.

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  4. Boa tarde!! Vcs já tem alguma previsão de quando vai sair a continuação deste belíssimo estudo?? Estou fascinado!!

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    1. Olá, Wilbert,

      Temos alguns estudos em andamento, e sempre damos prioridade às postagens que recebem maior número de visualizações, - motivo pelo qual esta série sobre o Livro do Apocalipse encontra-se um pouco atrasada. De qualquer modo, aguarde a continuação para a primeira quinzena de outubro.

      Agradecemos pelo incentivo e confiança em nosso modesto apostolado.

      A Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja sobre a sua vida

      Apostolado Fiel Católico

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