A equipe da revista e do blog Voz da Igreja deseja um santo e feliz Natal do Senhor a todos os nossos leitores! Leia a seguir a maravilhosa história da conversão de Paul Claudel, o célebre diplomata, dramaturgo e poeta francês, membro condecorado da Academia Francesa de Letras. No Natal de 1886, Paul Claudel tinha 18 anos e era um ateu convicto, quando converteu-se subitamente (e inexplicavelmente) ao catolicismo, ao ouvir o coro da Catedral de Notre-Dame de Paris.
Paul Louis Charles Claudel nasceu em 6 de agosto de 1868, em Villeneuve sur Fère en Tardenois, uma pequena aldeia do Aisne, na França. Apesar de terem saído vários padres da sua família, Claudel era indiferente à religião, depois de chegar a Paris , conforme ele mesmo escreveu em sua obra "Ma Conversion" (de 1913): “Tornei-me nitidamente um estranho às coisas da Fé”. - E isso não surpreende, considerando-se o que se passou com as mentes de numerosas famílias de classe média na segunda metade do século XIX. Claudel acrescentou ainda: “Eu tinha feito uma boa primeira Comunhão, que, como ocorre com a maioria dos jovens, foi ao mesmo tempo o coroamento e o fim das minhas práticas religiosas...”.
Como descrever a atmosfera dos idos de 1880 em termos diferentes dos que emprega o próprio Claudel? Parecia que o cristianismo tinha sofrido um eclipse quase que total no plano intelectual:
“Com dezoito anos, minhas crenças eram as da maioria das pessoas consideradas cultas na época. (...) Eu acreditava que tudo estava submetido às leis físicas e que o mundo era um rígido encadeamento de efeitos e causas que a ciência logo explicaria perfeitamente. Tudo isso me parecia, entretanto, muito triste e aborrecido.”
Claudel conservou, destes anos passados na descrença e "na imoralidade”, como ele próprio diz, uma lembrança opressiva. Lembrou-os em pelo menos vinte passagens das suas obras, como por exemplo na primeira estrofe de sua "Ode Jubilar pelo Sexto Centenário de Dante Alighieri" ('L´Ode Jubilaire pour le Sixcentième Anniversaire de Dante Alighieri'), de 1921:
“O mundo, por si só, dificilmente nos poderia persuadir de que é completo e suficiente. Difícil nos é acreditar seriamente que não temos direito a mais nada. Esta parede de figuras imutáveis, com as mesmas enervantes questões, onde colocamos nossas histórias inconsistentes... Difícil é impedir que desmorone e que se torne bizarra e transparente. Difícil é vendar os olhos todo o tempo e pensar em outra coisa. Difícil é, como se não o soubéssemos, ouvir os elogios ao vinho e à rosa que amamos: as armadilhas que são armadas, peça a peça sob os pés, a doença e o pecado, é humilhante nelas cair sempre, e sentir-se sempre um imbecil e um fraco, é humilhante sofrer a imposição da grosseira máquina corporal quando sabemos que fomos feitos para comandá-la; e é idiota a vanglória da carcaça de que somos inquilinos desconfortáveis, este palácio sobre o mar em que nada compensa o tédio espantoso...”
A ideia da morte incomodava Claudel. Tinha sentido muito o falecimento do seu avô e de uma tia-avó, que gritara tanto durante a agonia que todos a escutavam de uma extremidade a outra da sua aldeia. Nessa época, Claudel conheceu a obra de Arthur Rimbaud, gênio poético extremamente precoce, – que lançou a sua primeira coletânea ('Le Bateau Ivre') aos dezessete anos. Escreveu Claudel, em 12 de março de 1908, ao também escritor Jacques Rivière:
“Rimbaud foi a influência maior que sofri. Outros, principalmente Shakespeare, Ésquilo, Dante e Dostoievski foram meus mestres e mostraram-me os segredos da minha arte. Mas Rimbaud teve uma influência que chamarei de paternal, e que me fez crer realmente que há uma geração espiritual assim como há uma geração corporal."
“Lembrar-me-ei sempre da manhã de junho de 1886, quando comprei o pequeno folheto de 'La Vogue' que continha o começo de ''Les Illuminations" ('As Iluminações'). Foi uma revelação para mim. Saía enfim do mundo odioso de Taine, de Renan e de outros Moloques[1] do século XIX, desta prisão, desta insípida mecânica inteiramente governada por leis perfeitamente inflexíveis e, para cúmulo do horror, conhecidas e ensinadas. Eu tinha a revelação do sobrenatural. O gênio mostra-se, em Rimbaud, sob sua forma mais sublime e mais pura, como uma inspiração realmente vinda não se sabe de onde”.
Arthur Rimbaud |
Pode surpreender a influência exercida por Rimbaud, que ele nem sabia se era cristão. E aqui nos deparamos com um mistério: a obra de arte tem outra significação além da que lhe quis dar o autor. Quais poderiam ser as intenções de Rimbaud no momento em que escrevia seus poemas? Não importa. O fato inegável é que Claudel ficou profundamente abalado pela leitura de Rimbaud, e talvez preparado para receber a sua Iluminação, alguns meses depois, em pleno dia de Natal.
A grande Iluminação
E enfim chegou o dia do renascimento para Paul Claudel. Nesse ponto da história, não temos outra alternativa a não ser passar a palavra ao próprio Claudel, porque realmente não existe maneira melhor para descrever o grande acontecimento inefável da sua vida. Prepare-se para este verdadeiro mergulho na Graça divina:
“Assim era a infeliz criança que, a 25 de dezembro de 1886, foi a Notre-Dame de Paris para assistir os ofícios de Natal. Tinha começado a escrever, e parecia-me que nas cerimônias católicas, consideradas com um diletantismo superior, encontraria um excitante apropriado e a matéria de alguns exercícios decadentes.
Foi com estas disposições que, conduzido e apertado pela multidão, assisti, com um prazer medíocre, à grande Missa. Depois, não tendo nada melhor a fazer, voltei para assistir às vésperas. As crianças do coro, vestidos de branco, e os alunos do seminário-menor de Saint Nicolas du Chardonnet, que os ajudavam, estavam se aprontando para iniciar o canto que mais tarde soube ser o Magnificat.
Estava misturado ao povo, junto do segundo pilar à entrada do coro, à direita da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Em um instante, meu coração foi tocado e acreditei! Acreditei com tal força, com tal adesão de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com tal certeza sem deixar lugar a qualquer espécie de dúvida que, depois, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar-me a fé, nem mesmo, para ser mais preciso, tocá-la de leve que fosse.
Tive de súbito o forte sentimento da inocência, da eterna Juventude de Deus, uma revelação inefável. Tentando, como o fiz várias vezes, reconstituir os minutos que se seguiram a este instante extraordinário, encontro os elementos seguintes que, entretanto, não formam senão um clarão, uma única arma de que a Providência Divina se servia para atingir e abrir enfim o coração de uma pobre criança desesperada: como aqueles que creem são felizes! E se fosse verdade? É verdade! Deus existe, Ele está em toda parte, É alguém, é um Ser tão pessoal como eu. Ele me ama, Ele me chama.
As lágrimas e os soluços vieram... E o canto tão doce do Adeste aumenta ainda mais a minha emoção. Emoção bem doce, mas a que se misturava um sentimento de espanto ou quase de horror. Porque minhas convicções filosóficas não estavam destruídas. Deus as havia deixado desdenhosamente onde estavam, e eu nada via a mudar nelas; a religião católica me parecia continuar o mesmo tesouro de anedotas absurdas, seus padres e fiéis me inspiravam a mesma aversão que ia até o ódio e o desgosto. O edifício de minhas opiniões e de meus conhecimentos permanecia de pé e nada via de falho nele. Tinha apenas me retirado. Um novo e terrível ser, com exigências terríveis para o jovem e o artista que eu era, tinha se revelado e não sabia como conciliá-lo com coisa alguma que me cercava.
O estado de um homem que fosse arrancado de um golpe de seu corpo, para ser colocado em um corpo estranho, no meio de um mundo desconhecido, é a única comparação que posso encontrar para exprimir este estado de confusão completa. O que mais repugnava a minhas opiniões e a meus gostos, é que era a verdade e com o que seria necessário que de bom ou de mau grado eu me adaptasse. Ah! Isso não aconteceria sem que tentasse tudo que me fosse possível para resistir.”
Um outro texto de sua autoria, este poético, se encontra na terceira das suas "Cinq Grandes Odes", de 1907, e traduz o mesmo acontecimento de uma outra maneira:
“Oh, os longos e amargos caminhos de outrora, do tempo em que estava só!
Caminhar em Paris, nesta, longa rua que desce para Notre-Dame!
Então, como o atleta que se dirige ao estádio em meio a seus amigos e treinadores,
E alguém lhe fala à orelha, e o braço que abandona, e as luvas que lhe são ajustadas,
Eu marchava por entre os pés caídos de meus deuses.
Há menos murmúrios na floresta de Sant-Jean, no verão,
Menos gorjeio em Damasco, quando, ao ruído das águas que descem dos montes em tumulto
Se une o suspiro do deserto e a agitação dos altos plátanos à brisa da tarde,
Que palavras neste jovem coração cheio de desejos.
Oh, meu Deus, o filho da mulher vos é mais agradável que um touro novo!
E me encontro diante de Vós como um combatente que se curva;
Não por se acreditar fraco, mas porque o Outro é mais Forte.
Vós me chamastes pelo meu nome,
Como alguém que o conhecesse, Vós me escolhestes entre todos de minha geração.
Oh, meu Deus, sabeis quanto o coração dos jovens é cheio de afeição, e quando ele não se apega às suas máculas e vaidades...
Eis que sois alguém, subitamente!
Aterrasteis Moisés com vossa Força, mas estais em meu coração, assim como se eu não tivesse pecado.
Oh, como sou bem o filho da mulher! porque a razão, a lição dos mestres e o absurdo, tudo isso nada vale
Contra a violência de meu coração e contra as mãos estendidas desta Criança.
Oh lágrimas! Oh coração fraco! Oh mina de lágrimas que correm!
Vinde, fiéis, e adoremos a Criança que nasceu!”
Sim, ninguém poderia falar do renascimento de Claudel tão bem quanto ele próprio. Não apenas por ser um grande escritor, mas porque sua conversão está nas origens de toda a sua obra. Parece, com efeito, que ele se tornou ao mesmo tempo um iluminado cristão e um poeta.
Assim como Saulo de Tarso no caminho para Damasco, foi uma iluminação ao mesmo tempo repentina e total, num instante. E, ao mesmo tempo, como costuma acontecer em casos assim, o bom combate começa. O Evangelho fala muitas vezes do grão de mostarda, a menor de todas as sementes, que termina produzindo uma árvore enorme. Esta imagem parece convir perfeitamente a toda a carreira de Claudel a partir daquele 25 de Dezembro de 1886. Nesse dia foi-lhe dado, subitamente, o germe que devia frutificar em seguida, durante muitos anos. De maneira que a conversão de Claudel, se é repentina e virtualmente completa desde o primeiro dia, não vai cessar, até o fim, de desenvolver suas consequências.
1. 'Moloch' ou 'Moloque' é o nome de uma divindade semítica pagã a quem os pais sacrificavam seus filhos.
Fonte:
Fonte:
LELLOTE, F. SJ. Convertidos do Século XX, Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1960; tradução de Hoche Luiz Pulchério.
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Olá henrique!li estes dias que 25 de dezembro não é exatamente o dia que o Senhor Jesus nasceu. Dizem que tudo foi criado por constantino com motivações políticas.fazm isso de forma bem tendenciosa, que chega até a ofender. Gostaria que você me desse uma luz sobre isso. Muito embora não me importe muito o dia que o senhor nasceu, mas o fato Dele ter assumindo nossas culpas para nos resgatar à vida eterna. Um abraço fraterno.
ResponderExcluirJosé Orlando,
Excluiro Henrique já falou sobre esse assunto. Segue o link.
http://vozdaigreja.blogspot.com.br/2001/12/o-natal-e-uma-festa-crista-ou-paga.html
É só dar uma procurada no blog que você vai encontrar vários assuntos usados por protestantes e ateus para atacar a Igreja e que já estão devidamente esclarecidos aqui.
Samanta
Obrigado pela participação, José Orlando. Siga a orientação de Samanta, que é a mesma que eu iria dar.
ExcluirMuito obrigado pela ajuda, Samanta. Todos os nossos leitores podem e devem manter este diálogo vivo e fraterno entre si, auxiliando-se uns aos outros em suas dúvidas, sempre que possível. Nestas últimas semanas do ano, desaceleramos um pouco o ritmo, como percebem, e as nossas respostas estão demorando um pouco mais do que o costume.
Pax Domini
Henrique Sebastião