Catolicismo e felicidade: é possível ser católico e feliz, já neste mundo?


Uma leitora bastante esclarecida da revista impressa Voz da Igreja, que se identifica com o nome Aparecida, enviou-nos algumas perguntas a respeito de um tema que é absolutamente fundamental para a compreensão e para a vivência do cristianismo católico. Abaixo:

"É possível ser católico e ser feliz? Por que os santos sempre sofrem tanto, pq eles sempre pedem pra sofrer? Não é um direito de toda pessoa humana lutar pela felicidade? Deus não nos fez para sermos felizes? Acho que se a gente tira da pessoa o direito de pelo menos sonhar com a felicidade, se dizer pra uma pessoa que ela não pode nem querer ser feliz, que tem de se conformar de sofrer a vida toda, ela entra numa depressão, ela morre por dentro. Não dá pra realizar as boas obras que Jesus pediu sem ter alegria na vida. (...) Não foi pra nós termos vida em abundância que Jesus tanto sofreu? Ele não deu a vida pra gente ser feliz? Será que a vida em abundância que o Senhor falou é uma vida de dores de sofrimentos? Hoje eu participo de algumas Igrejas evangélicas onde eu encontro muitas falhas, e eu não aceito quando criticam muito a Igreja católica. Realmente, os pastores falam muitas inverdades sobre os católicos, que eu sei que fazem muita caridade e tem muito home e mulher santa na Igreja católica. Mas eu não posso acreditar que Jesus se deu em sacrifício para eu viver uma vida de tristeza e de sofrimento, que eu tenho que sofrer pelos outros, pelas almas do purgatório. Jesus já pagou o preço! No blog de vocês eu encontrei muitas respostas que eu procurava, então tenho uma esperança que a resposta de vocês dessa pergunta também me ajude."


Querida Aparecida (nome 100% católico),

Suas perguntas são justíssimas e necessárias. Todo ser humano quer ser livre e feliz. É um anseio perfeitamente natural, inerente às nossas almas. Desde que nos conhecemos por "gente", buscamos e ansiamos pela felicidade. O recém nascido já chora quando sente qualquer desconforto, chama pela mamãe que corre em fazer cessar a fome, a sede, aliviar a dor, aquecer quando está frio, refrescar no calor...

Mas os pais também precisam ensinar aos seus filhos, conforme eles vão crescendo, o que é a verdadeira felicidade, pois há uma tendência das pessoas se iludirem sobre isso. A experiência e a simples observação demonstram: se dermos a uma criança tudo o que ela quer e pede, na maioria das vezes acabamos formando um adolescente e um jovem mimado, fútil, superficial, desprovido de objetivos e ideais. Dê dinheiro à vontade ao jovem, atenda a todos os seus caprichos, dê-lhe liberdade total para fazer o que quiser, e você verá que tipo de ser humano vai surgindo. Muito importante: a "fome" de felicidade deste jovem, mesmo que ele ganhe tudo o que pede, continuará insaciada. Ele sempre pedirá mais e mais, sem limites, assim como o viciado em qualquer tipo de droga... Aliás, as chances de esse jovem mimado se perder no vício serão grandes. O vício se caracteriza exatamente pela ansiedade que não cessa, pelo desejo que nunca se sacia: é uma ânsia por prazer que nunca se satisfaz.

Será que é isso a felicidade?

Se receber tudo o que quiséssemos, sem nunca conhecer o sofrimento, fosse a felicidade verdadeira, nós não teríamos tantos jovens ricos que se tornam delinquentes, envolvidos com drogas e até tráfico e roubo, além de muitos outros crimes. Eles estariam felizes e tranquilos, e seria de se esperar que buscassem dividir a sua felicidade com os outros.

O grande São Francisco de Assis, nascido em família rica, em sua juventude buscou a felicidade e a satisfação dos sentidos no mundo, nas festas, nos excessos. Mas só encontrou a realização quando encontrou o seu propósito e a sua missão de vida: Deus. Santo Agostinho, outro ícone da Igreja, quando jovem também buscou a felicidade nos prazeres do mundo, mas em sua maturidade espiritual registrou, numa das mais belas declarações de Amor a Deus que conhecemos, que somente saciou seu coração quando encontrou o Evangelho e Jesus Cristo:

"Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu Grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua Luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua Fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua Paz." (Santo Agostinho)

Felicidade pode pressupor liberdade, mas há uma grande diferença entre liberdade e libertinagem, entre ser feliz e ser inconsequente, irresponsável. Liberdade sem compromisso com a verdade e com a responsabilidade torna-se alienação. Isso não pode fazer ninguém feliz!

Ser livre não é atender a todos os seus impulsos fúteis. Isso é ilusão, enganosa loucura. A verdade e a boa consciência são os trilhos da verdadeira liberdade. Liberdade sem verdade é uma loucura, e sem consciência e responsabilidade pode chegar à delinquência. Assim como dever sem direito é escravidão, direito sem dever é barbarismo. O dever e o direito estão ligados indissoluvelmente.

Existe uma condição genética rara, denominada Síndrome de Riley-Day (saiba mais). Seus portadores não têm a capacidade de sentir dor, literalmente. Essas pessoas simplesmente não sentem dor física de nenhuma espécie, mas, ao contrário do que poderíamos imaginar num primeiro momento, isso não é um tipo de super-poder, e sim uma doença. E grave. As vítimas ficam muito mais sujeitas a sofrer acidentes, porque param de registrar qualquer aviso de dano aos tecidos e órgãos do corpo, como cortes ou queimaduras, além de não terem como saber quando alguma infecção está agredindo o corpo. Sem o aviso de perigo que a dor proporciona às pessoas comuns, a maioria dos doentes de Riley-Day morre ainda na adolescência, por causa de ferimentos. Será que essa triste realidade pode nos ensinar alguma lição?

A dor e o sofrimento amadurecem, ensinam, fazem crescer moralmente, espiritualmente: fato indiscutível. Mas será que o cristão católico não pode ser feliz já neste mundo? Temos que reconhecer que, muitas vezes, isso é o que parece. Nossa religião tem por sinal a Cruz, que traçamos sobre nós em sinal da nossa Fé em um Deus em Três Pessoas, e significa que aceitamos o sofrimento e as dificuldades que Deus quiser nos mandar em nossa vidas. São Luís de Montfort mostra que, no Calvário, haviam três cruzes: a de Cristo e as dos ladrões, para nos ensinar que todos os homens sofrem. Sofrem os inocentes, como Cristo. Sofrem os pecadores arrependidos, como o bom ladrão. Sofrem os pecadores inveterados e revoltados, como o mau ladrão.

É um fato inegável que todos sofrem. É impossível nesta vida não sofrer, porque se a nossa vida é um grande bem, sofremos já por sabermos que podemos perdê-la a qualquer momento, e que iremos perdê-la, sem dúvida, um dia. E perderemos nossos entes queridos também. A felicidade exige, para ser completa, absoluta segurança, que não existe neste mundo. Definindo a felicidade do Céu em versos sublimes, Dante Alighieri escreveu: "Oh júbilo! Oh inefável alegria! Oh vida íntegra de amor e paz! Oh, sem desejos, segura riqueza!"... Repare no último verso, que é de grande sabedoria.

A felicidade absoluta exige a posse do Bem absoluto, - o que nos tira todo desejo novo, - e a posse desse Bem absoluto deve ser com segurança perfeita e inabalável. Ora, nesta vida não podemos ter isso. Logo, uma felicidade sem cruz, ao menos a cruz de saber que somos mortais, nesta vida, é impossível. Consta que Santa Teresinha do Menino Jesus, no Carmelo, disse: "Um dia sem sofrimento no Carmelo é um dia inútil". Buscava ela o constante aperfeiçoamento da alma, por meio da penitência e da renúncia. Pela dor, buscava se aproximar do seu Bem-Amado, Jesus Cristo, e partilhar da imensa dor que Ele enfrentou por nossa salvação. Assim como ela, também muitos santos e santas.

E novamente ecoa a pergunta angustiada: será que o cristão católico não pode ser feliz neste mundo? Será que não pode nem mesmo sonhar com a felicidade, ou desejar a felicidade, para hoje, para agora? Deve resignar-se em sofrer e gemer por toda a sua vida, esperando ser feliz somente no Céu? Faz lembrar a frase que vemos facilmente nos vidros de carros que circulam pelas ruas do imenso Brasil, num certo adesivo que diz: "Sou feliz por ser católico". Será esta afirmação um contrassenso, uma utopia, uma ilusão?

Levantemos as nossas cabeças! Santo Agostinho, grande Doutor da Igreja, o mesmo que reconheceu que só em Deus havia perfeita felicidade, compartilhou da ideia grega de que a felicidade é o fim último do homem. E o primeiro Mandamento de Deus acompanhado de uma Promessa é este: "Honra teu pai e tua mãe, para que sejas feliz e tenhas longa vida sobre a terra (Dt 5,16). E o próprio Senhor Jesus Cristo nos deu o caminho da felicidade no Sermão da Montanha, na passagem das Bem-aventuranças. Bem-aventurado quer dizer feliz.

Mas o Senhor, ao mesmo tempo, nos revelou as exigências da verdadeira felicidade: humildade, mansidão, misericórdia, pureza de coração, perdão, oração... Eis aí, nas Palavras do Mestre dos mestres, o caminho de verdade para a felicidade autêntica. A Lei de Cristo poderá se revelar árdua em determinadas situações, mas não nos decepcionará. Podemos ver facilmente, ao nosso redor, muitos que choram amargamente por não terem vivido a lei de Deus, mas não veremos jamais alguém arrependido de a tê-la vivido.

Sem Deus, sem a esperança da vida eterna, o homem se atira de modo desenfreado às paixões, vaidades, riquezas e glórias deste mundo, e cai no vazio, criando um abismo em seu coração. Sofre e faz o próximo sofrer com ele.

A felicidade não está fora de nós, mas podemos encontrá-la em nosso interior. A felicidade não começa nos outros e vem até nós, ela começa em nós e vai até o próximo, por isso é mais feliz aquele que serve. Ser feliz é não deixar passar qualquer oportunidade de amar aqueles que passam pela sua vida. Ensine tudo isso aos seus filhos, e isso os fará felizes de verdade.


Para o católico, a única possibilidade de ser feliz vem de Deus


E para estar em Deus, é preciso ser santo (conf. Levítico 11, 44; 19, 2; 20, 7; I São Pedro 1,16). Há dois modos principais de ser santo: pode o ser humano ser sacrificialmente santo (via do temor) e pode ser jubilosamente santo (via do Amor). Somente este segundo tipo de santidade é que resolve, definitivamente, o problema central da felicidade humana. Enquanto ser santo ainda for difícil, amargo e exclusivamente sacrificial, estará o ser humano a caminho da felicidade, mas ainda não será plenamente feliz. Enquanto o ser humano na Terra não fizer a Vontade de Deus, assim como fazem os seres humanos nos Céus (os santos), isto é, espontânea e jubilosamente, não terão felicidade.

Mas esse cumprimento da Vontade de Deus, assim na Terra como nos Céus, é impossível ao homem que não tenha vivido a Experiência íntima e direta de Deus. E essa experiência de Deus coincide com a experiência do verdadeiro ser do próprio homem. É nesse mais profundo íntimo que "o Espírito de Deus habita o homem", no dizer de São Paulo Apóstolo, ou "o Reino de Deus está dentro do homem" (Lc 17, 21). O homem que chega a essa experiência vital chegou ao conhecimento da Verdade; - da Verdade que liberta. - Finalmente livre para ser feliz, independente de todos os fatores externos. Só essa pessoa é sólida e irrevogavelmente feliz. Sem essa experiência, o ser humano é infeliz, mesmo em meio a todos os prazeres que este mundo possa oferecer. Com essa experiência e consciência, a felicidade se mantém, mesmo em meio às maiores provações e aparentes sofrimentos deste mundo. Estamos falando de fé inabalável, que é Dom de Deus e não vem de nós mesmos, mas pela qual podemos e devemos pedir, com entrega e confiança plena. "Jesus, eu confio em Vós"; eu confio em Vós, ó Deus Incompreensível!

Felicidade ou infelicidade são estados do nosso espírito; trata-se do que somos, e não de algo que temos ou não. Ninguém "tem" felicidade ou tristeza. Uma pessoa é feliz ou infeliz. A perfeita conformidade do espírito à Realidade Divina, em perfeita harmonia: eis a felicidade plena. Isto é moldar-se à Vontade de Deus, que, - embora raramente tenhamos consciência disso, - é o melhor para nós mesmos, em todas as situações. A Cabala judaica diz que cada homem/mulher é aquilo que deseja. O desejo é a energia que move e define os seres humanos. Pare e pense um pouco sobre essas duas questões: 1) Qual o seu maior desejo? 2) De que maneiras você poderia definir a sua existência neste mundo?

Esse experimento simples demonstra, de um jeito também simples e direto, que a verdadeira e plena felicidade só será possível a partir do momento em que você alinhar a sua vontade com a Vontade Perfeita da Suprema Consciência Universal, que é Deus. Este é o meio cristão de ser feliz. Quem deposita a sua felicidade em posses ou pessoas, não pode se considerar realmente feliz, mas alguém que vive momentos de alegria. Por felicidade não entendemos alguma sensação passageira, mas um estado de realização que é pleno, integral, e se reflete concretamente na vida do indivíduo.


Conclusão

Concluímos que o segredo da felicidade neste mundo, em última análise, é o Amor, pois Deus é Amor e desde sempre o seu maior e primeiro Mandamento foi o Amor. Foi isso o que todos os santos buscaram viver e afirmaram, e esta é a melhor maneira de resumir e simplificar a resposta. Vivendo no Amor Divino, seremos sempre felizes, desde agora, até mesmo em nossas dificuldades e misérias temporárias (pois o destino final é o Céu). Santa Teresinha do Menino Jesus, a mesma que falou da importância do sofrimento, também chegou, afinal, às mesmas conclusões:

"Ó Farol Luminoso do Amor, eu sei como chegar a Ti; encontrei o segredo de me apropriar da Tua Chama (...) Compreendi que o Amor engloba todas as vocações, que o Amor é tudo (...) "Como estou longe de ser conduzida pela via do temor, sei sempre encontrar o meio de ser feliz e aproveitar de minhas misérias."

Se aceitamos que a condição mínima de Jesus para quem deseja segui-Lo é renunciar a si mesmo e dedicar-se antes de tudo a segui-lo, sem medidas, e se compreendemos e assumimos que Deus é Amor, de fato, entendemos que o caminho para a felicidade é também o caminho do Amor, que leva a Deus. Sim, o ser humano nasceu para ser feliz, embora o mundo não entenda nada de felicidade, à medida que a confunda com riquezas, prazeres temporários e posses. Deus é a Fonte da Felicidade perene. Por isso dizemos também que o segredo da felicidade está em "deixar Deus ser Deus" em nossas vidas, não somente aceitando, mas modelando-nos e alinhando-nos, dia a dia, passo a passo, à sua Santa Vontade. Assim seja para cada um de nós.
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3 comentários:

  1. José Osivan Barbosa de Lima15 de março de 2013 às 16:57

    Gostei muito do post porque fala a verdade com clareza e profundidade bíblica. Devemos amar a Deus e ao próximo. Devemos fazer a vontade do Senhor e o resto que vier é lucro. Inclusive o sofrimento. Que Deus nos ajude

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  2. O grande segredo da Felicidade em nossas vidas é o Amor que Cristo nos ensinou, e so por acaso vier o sofrimento, tribulaçoes e dificuldade devemos aceitar porque encontraremos a verdadeira solução no AMOR de Jesus.

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  3. Só uma curiosidade.

    Às vezes acompanhava o Angelus dominical do Papa Bento XVI e via que ele dava benção final cantando. Só que ontem observei que o Papa Francisco concedeu a mesma benção, porém sem cantar (apenas falando).

    Porque essa diferença entre os dois Papas?

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