Maria Toda Santa


Por Lucas Henrique (Firmat Fides)

Vamos
tratar neste artigo um assunto muito importante pertinente à Maria: sua imaculada conceição.

A imaculada conceição da Virgem Maria está implícita nas próprias Escrituras, como podemos ver em Lucas 1,28, quando Maria é chamada de cheia de Graça. Para começar, vamos analisar etimologicamente esta expressão traduzida do grego.

O texto de Lucas 1 é este:

“28 καὶ εἰσελθὼν πρὸς αὐτὴν εἶπεν: χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ.”

Vamos analisar a palavra traduzida como “cheia de graça” ou especificadamente κεχαριτωμένη:

Ela é composta de um prefixo, o radical e um sufixo;

Prefixo κε = prefixo de particípio perfeito (tempo passado indefinido);

Radical χαριτοω = tornar gracioso;

Sufixo μένη = presente contínuo, ação que continua a ser completada (em outras palavras, significa que sempre será assim).[1]

Ou seja, o prefixo “ke” indica tempo passado indefinido de sua “charitoo”. E o sufixo “mene” indica que sempre será assim. Se o kecaritwmenh está no tempo passado indefinido, é porque em toda sua vida ela foi assim, desde a concepção. O modo de “particípio perfeito” indica que Deus a fez assim, ou seja, ela era e não estava. Se esse estado de santidade tivesse ocorrido após sua concepção deveria ser usada a palavra "caritúmenh", que é o particípio presente. Por isso, ela foi nomeada de kecaritwmenh, ao invés do anjo dizer “Chaire Maria” (Alegra-te Maria), disse "Chaire kecaritomenh".

Notemos a antonomásia que ocorre aí: Em vez de “Alegra-te, Maria, o Senhor é contigo”, Deus diz por meio do anjo (uma vez que o anjo é mensageiro do Senhor): “Alegra-te, cheia de graça…”. Em outras palavras, para Deus, Maria e graça em plenitude são a mesma coisa. Justamente por que Deus a fez assim desde um tempo indeterminado (κε), que denota ser desde a sua concepção, Maria foi ontologicamente dotada de graça, ou seja, sem o pecado original. Ela foi uma exceção ao pecado, ela não nasceu jazida no poder do maligno, concluindo que diferentemente dos demais homens nascem destituídos da glória de Deus, Maria já nasceu constituída de graça plena como a palavra κεχαριτωμένη o diz.

O que é graça? É um favor imerecido. Mas, daí vem outra pergunta, qual é o efeito da graça? Vejamos: “Manifestou-se, com efeito, a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. (Tito 2,11). A graça produz salvação, e o que é salvação? É ser participante da natureza divina (II Pedro 1,4). E quem é integralmente na graça, é desgraçado (pecador)?

O resto da humanidade, diferentemente de Maria, não nasceu constituída em graça, estava sob o poder da morte (reino da morte, pecado original), e só são salvos, justificados, quando recebem a graça: “Se pelo pecado de um só homem reinou a morte (por esse único homem), muito mais aqueles que receberam a abundância da graça e o dom da justiça reinarão na vida por um só, que é Jesus Cristo” (Romanos 5,17). Maria já possuía esta graça desde o momento em que foi concebida (por ser κεχαριτωμένη), e pelo que diz São Paulo aos romanos sobre o efeito da graça, vemos que a graça só é concedida tendo em vista os méritos de nosso Senhor Jesus Cristo. Isso então confirma o que é dito no dogma da imaculada conceição de Maria: “Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina que sustenta que a Santíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, foi por singular graça e privilégio de Deus onipotente em previsão dos méritos de Cristo Jesus, Salvador do gênero humano, preservada imune de toda mancha de culpa original, foi revelada por Deus, portanto, deve ser firme e constantemente crida por todos os fiéis.” ( Bula Ineffabilis Deus).

Temos também o apoio de especialistas em grego:

“Enquanto que kecharitomene, particípio perfeito passivo demonstra uma integralidade com um resultado permanente. Kecharitomene denota continuação de uma ação completa.” (H. W. Smyth, Greek Grammar [Cambridge: Harvard University Press, 1968], p. 108-109, sec 1852:b; também Blass and DeBrunner, p.175).

“É permissível no grego gramatical e no terreno linguístico parafrasear kecharitomene como completa, perfeita e permanentemente dotada com graça.” (Blass and DeBrunner, Greek Grammar of the New Testament).

“Contudo, Lucas 1,28 usa uma forma conjugada especial de “charitoo”. Ele usa “kecharitomene”, enquanto que em Efésios 1:6 usa “echaritosen”, que é uma forma diferente do verbo “charitoo.” Echaritosen significa “ele agraciou” (graça concedida). Echaritosen significa uma ação momentânea, uma ação que pode passar.” (Blass and DeBrunner, Greek Grammar of the New Testament, p.166). “A ação ‘perfeita’ do particípio é considerada por ter sido completada antes do momento da fala daquele(a) que anuncia. Quanto tempo antes não é considerado, mas a idéia do grego verbal é a de que a ação já fora completada. O tempo é ainda secundário, porém, a ação concluída deve implicar o passado no relacionamento relativamente àquele que fala, ou seja, no momento em que o anjo deu a notícia a Maria, ela, na verdade, já havia sido [agraciada] antes mesmo do anúncio.”

O tempo perfeito no grego denota um estado presente resultante de uma ação passada (J. Gresham Machen, New Testament Greek for Beginners, p. 187).

Vejamos agora também por exemplo, a tradução da “Christian Community Bible” de Lucas 1,28: "The angel came to her and said, “Rejoice, full of grace, the Lord is with you”. “Full” em português, significa completa ou seja completa em graça.

Observemos também, como que um testemunho primitivo, a tradução grega daquele que sabia muito do grego koiné, Jerônimo: “Et ingressus angelus ad eam dixit have gratia plena Dominus tecum benedicta tu in mulieribus”…

Gratia plena", plenitude da graça, onde se é graça em plenitude, existe lugar para desgraça? Existe lugar para a desgraça que é o pecado? Obviamente que não!

Vale ressaltar que a palavra “κεχαριτωμένη” é utilizada única e exclusivamente com Maria, em todo o Novo Testamento, ou melhor, em toda Bíblia.[2]


Fragmento contendo a antiquíssima oração “Sub Tuum Praesidium"

Partamos agora para outro testemunho primitivo, que está no manuscrito grego encontrado em Alexandria, datado do ano 250, conhecido como “Sub Tuum Praesidium“:

“Υπο την σην ευσπλαγχνιαν
καταφευγομεν Θεοτοκε.
τας ημων ικεσιας μη παριδης εν περιστασει,
αλλ’ εκ κινδυνων λυτρωσαι ημας,
μονη αγνη, μονη ευλογημενη.”

Tradução:

“Debaixo de tua misericórdia nós nos refugiamos ó mãe de Deus, nossas preces não desprezes nas necessidades, mas dos perigos livra-nos. Tu que és a única pura, tu que és a única abençoada.” [1]

Encontramos outros testemunhos dos primeiros cristãos:

“Ele (=Jesus) era a arca composta por madeira incorruptível. Com efeito, o seu tabernáculo (=Maria) era isento da podridão e corrupção” (Santo Hipólito de Roma, Orat. Inillud. 220 DC).

“Esta Virgem Mãe do Unigênito de Deus chama-se Maria, digna de Deus, imaculada das imaculadas, sem par” (Origines, Homilia 1. 280 DC).

“Somente Vós (=Cristo) e vossa Mãe sois mais belos do que qualquer outro ser. Em ti, Senhor, não há mancha alguma; na tua Mãe nada de feio existe” (Éfrem da Síria, Garmina Nisibena 27,8.).

“Que arquiteto, erguendo uma casa de moradia, consentiria que seu inimigo a possuísse inteiramente e habitasse?” (São Cirilo de Jerusalém, 208 DC).

“Vem, então, e procure sua ovelha, não através de seus funcionários ou homens contratados, mas faze-o sozinho. Dai-me a vida corporal e na carne, que está caída em Adão. Levante-me não de Sara, mas de Maria, uma Virgem não só imaculada, mas uma Virgem que a graça fez inviolada, livre de toda mancha de pecado” (Ambrósio, Comentário sobre o Salmo 118)

“Devemos excluir a Santa Virgem Maria, a respeito da qual eu não gostaria de levantar qualquer questão quando o assunto é pecados, em honra ao Senhor, porque Dele sabemos qual abundância de graça para vencer o pecado em cada detalhe foi conferido a ela que teve o mérito de conceber e suportar aquele que, sem dúvida, não tinha pecado.” (Sobre a natureza ea graça, XXXVI)

“Não entregamos Maria ao diabo por condição original pois afirmamos que sua própria condição original se anula pela graça da redenção.” (Santo Agostinho, Contra Juliano 4. 325 DC).

Temos ainda os testemunhos de reformadores protestantes:

Lutero: : “A bem-aventurada Virgem via Deus em tudo; não se apegava a criatura alguma; tudo, Ela o referia a Deus… Por isto é puríssima adoradora de Deus, Ela que exaltou Deus acima de todas as coisas” ( Weimar, tomo 1, pg.60s ).

“Nenhuma mulher é como tu! És mais que Eva ou Sara, sobretudo, pela nobreza, bem-aventurança, sabedoria e santidade!”(Martinho Lutero, Sermão na Festa da Visitação em 1537.)”… de modo que enquanto a sua alma [a de Maria] estava sendo infundida, ela ao mesmo tempo foi purificada do pecado original… E assim, no momento em que ela começou a viver, ela estava sem todos os pecados.” (Obras de Martinho Lutero, vol. 4, pg 649)

Zwínglio: “firmemente creio, segundo as palavras do Evangelho, que Maria, como virgem pura, nos gerou o Filho de Deus e que no parto e após o parto permaneceu para sempre virgem pura e íntegra” (Corpus Reformatorum: Zwingli Opera 1 424)

“Estimo grandemente a Mãe de Deus, a Virgem Maria perpetuamente casta e imaculada” (ZO 2,189).
Heinrich Bullinger, sucessor de Zwínglio, testemunhou: “cremos que o corpo puríssimo da virgem Maria, Mãe de Deus e templo do Espírito Santo…foi levado pelos anjos do Céu”.

Mas, poderiam objetar:

Por que Maria ofereceu um sacrifício para sua purificação? E aqueles textos que dizem que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus? (Ec 7,20; Rm 3,23; Rm 3,10; Rm 5,12; etc.)

Vamos contextualizar:

A Lei Antiga continha dois preceitos relativos ao nascimento dos filhos primogênitos. O primeiro prescrevia que a mãe se considerasse impura, e ficasse retirada em casa por quarenta dias, terminados os quais devia ir ao templo “purificar-se” (Lv 12). Mandava o segundo que os pais do menino o levassem ao templo e ali o oferecessem a Deus (1). Era a lei de Moisés, a qual mandava que todo o filho primogênito fosse oferecido ao Senhor (Ex 13, 2) e depois resgatado por cinco siclos de prata (Nm 18, 16), que equivalia a 20 dias de trabalho de José.

Depois de Jesus ter nascido em Belém e de ter sido circuncidado oito dias após, Maria e José tiveram de cumprir esta dupla lei. Por quê toda família deveria cumprir estes ritos? Esta norma da Apresentação era para lembrar aos Hebreus o prodígio acontecido em favor de seus pais, quando o Anjo exterminador feriu de morte, em uma noite, todos os primogênitos dos egípcios sem ferir os dos judeus. Foi a última das dez pragas que Deus enviou, devido à dureza do coração do Faraó, ao permanecer na decisão de não permitir a saída do povo judeu. Deus manda ao mesmo tempo, exigindo por meio de Moisés, que a partir daquela data todos os primogênitos deveriam ser entregues a Ele e depois resgatados por algum preço.

Agora, vamos analisar quê purificação é esta. Será que essa “impureza” é um pecado mesmo?

169 ακαθαρτος akathartos TDNT – 3:427,381; adj1) não purificado, sujo, imundo 1a) em um sentido cerimonial: aquilo do qual alguém deve privar-se de acordo com a lei levítica [1]

Para uma melhor compreensão, vejamos o antônimo da palavra akathartos:

2513 καθαρος

1) Aquilo que é puro como sendo limpo, livre de sujeira e de mancha. 1b) num sentido levítico 1b1) limpar, o uso do que não é proibido, que não torna impuro. [1]

Vemos que o sentido de impureza possui o sentido cerimonial, indicando a fragilidade que a mulher se encontra após o parto, como que representativo. “quando uma mulher der à luz um menino será impura durante sete dias, como nos dias de sua menstruação.” (Levítico 12,2). Em outras palavras, isso absolutamente não serve para dizer que Maria é impura por algum pecado.

Respondendo à segunda objeção:

Estas expressões como por exemplo a de Rm 3,23 são expressões gerais, falando de pecado pessoal (leia o contexto: “Porquanto pela observância da lei nenhum homem será justificado diante dele, porque a lei se limita a dar o conhecimento do pecado.(Rm 3,20) e este pecado tratado é pessoal: Todo aquele que peca transgride a lei, porque o pecado é transgressão da lei. (I São João 3,4)). E, sendo uma expressão geral não serve para estritamente todos os homens, uma vez que se o fosse incluiria a Jesus também.

Vejamos a palavra “todos” no grego:

3956 πας pas

Que inclui todas as formas de declinação; TDNT – 5:886,795; adj

1) individualmente

1a) cada, todo, algum, tudo, o todo, qualquer um, todas as coisas, qualquer coisa

2) coletivamente

2a) algo de todos os tipos… “todos o seguiam” Todos seguiam a Cristo? “Então, saíam a ter com ele Jerusalém e toda a Judéia”. Foi toda a Judeia ou toda a Jerusalém batizada no Jordão? “Filhinhos,vós sois de Deus”. “O mundo inteiro jaz no Maligno”. O mundo inteiro aqui significa todos? As palavras “mundo” e “todo” são usadas em vários sentidos na Escritura, e raramente a palavra “todos” significa todas as pessoas, tomadas individualmente. As palavras são geralmente usadas para significar que Cristo redimiu alguns de todas as classes — alguns judeus, alguns gentis, alguns ricos, alguns pobres, e não restringiu sua redenção a judeus ou gentios … (C.H. Spurgeon de um sermão sobre a Redenção Particular) [1]

Notemos que “pas” é usado raramente para falar de todos, sem exceções. Portanto, expressões que contenham a ideia de de Rm 3,23 não servem para dizer que Maria tinha o pecado.

Já, nas vezes que não se referem a pecados pessoais, mas ao pecado original, já são refutadas pelo fato de Maria não ter nascido sob o poder do maligno, como disse acima. Por fim, nas expressões que dizem que não há quem seja justo, não significam que Maria era pecadora por causa disso, pois nem Maria sendo imaculada é merecedora da salvação, uma vez que a salvação é graça de Deus. Maria não era justa por si mesma, Maria era justa tendo em vista os méritos de nosso Senhor Jesus Cristo.

Ad maiorem Dei gloriam,
Lucas Henrique

______
Referências:
[1] Nova Concordância Strong, Exaustiva Concordância da Bíblia
[2] http://www.newadvent.org/bible/index.html
vozdaigreja.blogspot.com

4 comentários:

  1. José Osivan Barbosa de Lima19 de abril de 2013 às 23:03

    Nossa Senhora realmente é pura e cheia de graça. Que ela no Céu peça a Jesus por nós.

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  2. No início do texto, o articulista coloca o tílulo de Maria - Imaculada Conceição - em letras minúsculas.

    Poderia-se realizar esta pequena correção sempre que houver referência à Imaculada Conceição?

    Que a paz de Jesus e o amor de Maria estejam sempre conosco!!

    Grata,
    Cristiane

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  3. Visitem também a resposta ao comentário de um leitor que tentou objetar contra este texto:

    http://firmatfides.wordpress.com/2013/05/24/resposta-a-um-leitor-sobre-a-imaculada-conceicao/

    Pax Domini!
    Lucas Henrique.

    ResponderExcluir
  4. Caro Henrique,

    Há um segundo post envolvendo comentários deste meu texto, onde o comentador te cita. O link é este:

    http://firmatfides.wordpress.com/2013/06/04/nova-resposta-um-leitor-sobre-maria-santissima/

    Pax Domini!
    Lucas Henrique.

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