Semelhanças entre a crise ariana e a apostasia dos nossos tempos


“Não pode haver comunhão entre a Igreja Católica e uma heresia que se insurge contra Jesus Cristo. A guerra é, com efeito, preferível a uma paz momentânea e criminosa”
(Santo Atanásio, Apol. cont. arian., 60)[1]


ESSAS PALAVRAS, ESCRITAS pelo então jovem arcebispo Atanásio no começo da década de 330, quando Constantino tentava reconciliá-lo como o herege Ário, daria a tônica de todo o seu episcopado e seria a causa das grandes perseguições das quais o Santo seria vítima.


    Apesar de Santo Atanásio permanecer ainda presente em nossos altares, se ele vivesse em nosso tempo seria, por certo, ainda mais vilipendiado e perseguido por seus pares no episcopado do que já foi no século IV, e classificado, pela maioria dos homens que ocupam a hierarquia da Igreja atualmente, como “intolerante” e “fanático”. Isso porque os princípios sólidos aos quais Atanásio se agarrava e a sua intransigente defesa do Credo de Niceia — isto é, à fé católica pura e simples —, são o oposto do que, na expressão de Romano Amerio, define “a maior mudança de mentalidade da Igreja pós-conciliar”, o famigerado “diálogo”, expressão que,


Novíssima na Igreja Católica, converteu-se, como propagação fulminante e com enorme dilatação semântica, na palavra principal do pensamento pós-conciliar e na categoria universal da mentalidade inovadora. Fala-se não somente de diálogo ecumênico, de diálogo entre Igreja e mundo, de diálogo eclesial, mas, com inaudita catacrese, associa-se uma estrutura dialogal à Teologia, à catequese, à Trindade, à história da salvação, à escola, à família, ao sacerdócio, aos sacramentos, à redenção e a tudo quanto havia existido durante séculos na Igreja sem que esse conceito estivesse nas mentes, nem essa palavra na linguagem.[2]


    Ressalte-se, com Amerio, que nas últimas décadas se operou na Igreja a passagem do discurso dito “tético” ou afirmativo — próprio da Religião que ensina, prega, exorta — para o discurso “hipotético”, que tudo problematiza. O “evangelizar” foi colocado em pé de igualdade com o “dialogar” e até mesmo confundido com ele, mas, enfatize-se: não com o dialogar ao modo de confutação e de impugnação do erro, visando o convencimento e a conversão, mas sim com o diálogo irenista, em sentido bem moderno, um “diálogo de busca movido por um estado de ignorância confessada” de ambos os lados[3].


    Essa mudança tem raízes em uma inquestionável crise de fé. Caso contrário, os ditos dialogantes veriam óbices em dialogar em pé de igualdade com correntes de opinião que afrontam expressamente a verdade revelada — se nela cressem como os católicos de todos os séculos passados. Seja como for, comete-se grave pecado de negligência, tanto contra a religião quanto contra as almas, quando se propõe dialogar com o erro e assumir como válidos pressupostos filosóficos inconciliáveis com a religião católicas, como são os da antropolatria moderna.


    A consequência necessária é o esfriamento ou mesmo o desaparecimento da condenação do erro[4], necessária e inseparavelmente unida ao dever misericordioso da Igreja de pregar a verdade (Mt 28,19s) e de de confirmar a fé do rebanho (Lc22,32).


_____
Fonte:

LANCASTER, Lucas. Santo Atanásio e a crise ariana, Rio de Janeiro: CDB, 2022, pp. 530-532. Com excertos de Henrique Sebastião.


[1] STO. ATANÁSIO. Apologia contra arianos, trad. De Phipil Shaff et al. Nicene and Post-Nicene Fathers. Series II, vol. 4. New York: The Christian Literature Company, 1892, pp. 97-148.

[2] AMERIO, Romano. Iota Unum. Um estudo das mudanças na Igreja Católica no século XX, trad. de Fabiano Rollim. Rio de Janeiro: Permanência, 2020. Cap. XVI, item 151.

[3] Ibid, cap. XVI, item 151.

[4] Foi exatamente esse o tom do discurso inaugural do fatídico concílio do Vaticano II, feito por João XXIII aos 11 de outubro de 1962, o qual definiria a postura das autoridades da Igreja daí por diante: “A Igreja sempre se opôs a estes erros, muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações (…); a dignidade da pessoa humana, o seu aperfeiçoamento e o esforço que exige é coisa da máxima importância.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, identifique-se com seu nome ou um apelido (nickname) ao deixar sua mensagem. Na caixa "Comentar como", logo abaixo da caixa de comentários, você pode usar a opção "Nome/URL".

** Seu comentário poderá ser publicado em forma de post, a critério dos autores do blog Fiel Católico.

*** Comentários que contenham ataques e/ou ofensas pessoais não serão publicados.

Subir