INICIAMOS AQUI A NOSSA análise da Constituição Dogmática Pastor Aeternus, de SS. o Bem-Aventurado Papa Pio IX (acesse para ler na íntegra), por meio da qual foi decretada, definida e ordenada à adesão obrigatória de todos os católicos a doutrina da infalibilidade de todo legítimo Papa. Lendo-a atentamente, surpreende que provoque polêmica, porque, como veremos, aí estão apresentadas todas as respostas que buscamos, e com muita clareza.
Antes de tudo, é preciso entender o que significa uma Constituição Dogmática solenemente promulgada, como esta: trata-se de um documento dotado de duplo caráter: o da infalibilidade e o da imutabilidade, que precisamos irrestritamente aceitar e obedecer.
Passamos a reproduzir o conteúdo do Documento, parte a parte (sempre destacadas), acrescentando a estas as nossas observações e comentários. Iniciemos.
— Introdução —
O eterno Pastor e Bispo das nossas almas, querendo perpetuar a salutífera obra da redenção, resolveu fundar a Santa Igreja, na qual, como na Casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos, pelo vínculo da mesma fé e do mesmo amor. Por isso, antes de ser glorificado, rogou ao Pai não só pelos Apóstolos, mas também por aqueles que haviam de crer n’Ele através das palavras deles, para que todos fossem um, assim como o Filho e o Pai são um[Jo 17,20s]. Por isso, assim como enviou os Apóstolos que tinha escolhido do mundo, conforme tinha sido ele mesmo enviado pelo Pai [Jo 20,21], da mesma forma quis que até a consumação dos séculos, houvesse na sua Igreja pastores e doutores[Mt 28,20].Porque, para que o próprio episcopado fosse uno e indiviso, e assim toda a multidão dos crentes se conservasse na unidade da mesma fé e comunhão, através dos sacerdotes, antepondo S. Pedro aos demais Apóstolos, pôs nele o princípio perpétuo e o fundamento visível desta dupla unidade, sobre cuja solidez se construísse o Templo eterno e se levantasse sobre a firmeza desta fé a sublimidade da Igreja, que deve elevar-se até ao Céu (S. Leo M. serm. IV (al. III) cap. 2 in diem Natalis sui). E como as portas do Inferno se insurgem de todas as partes de dia para dia e com crescente ódio contra a Igreja divinamente estabelecida, a fim de fazê-la ruir, se pudessem, julgamos Nós necessário para a guarda, para a incolumidade e para o aumento da grei católica, após a aprovação do Concílio, propor à crença dos fiéis a doutrina sobre a instituição, a perpetuidade e a natureza do santo Primado Apostólico, no qual reside a força e a solidez de toda a Igreja, segundo a fé antiga e constante da Igreja universal, proscrevendo e condenando os erros contrários, tão perniciosos à grei do Senhor.
Com belo e agradável estilo, inicia o Santo Padre lembrando que Nosso Senhor desejou desde sempre a unidade de todos os cristãos – que são todos os católicos, pertencentes à mesma Igreja Universal. Logo prossegue ressaltando que, dentre os guardiães sagrados, divinamente designados para conservar pura e imaculada a Fé verdadeiramente cristã – os Apóstolos e seus descendentes –, colocou logo Pedro à frente dos demais. E prossegue para o Capítulo I, concluindo com o cânon dogmático:
— Capítulo I —
A instituição do Primado Apostólico em S. PedroEnsinamos, pois, e declaramos, segundo o testemunho do Evangelho, que Jesus Cristo prometeu e conferiu imediata e diretamente o Primado de jurisdição sobre toda a Igreja ao Apóstolo S. Pedro. Com efeito, só a Simão Pedro, a quem antes dissera: “Chamar-te-ás Pedra” [Tu vocaberis Cephas] [Jo 1,42.], depois de ter ele feito a sua profissão com as palavras: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”, foi que o Senhor se lhe dirigiu com estas solenes palavras: “Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque nem a carne nem o sangue t’o revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. E dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus. E tudo o que ligares sobre a Terra será ligado também nos Céus; e tudo o que desligares sobre a Terra será desligado também nos Céus [Mt 16,16ss]. E somente a Simão Pedro conferiu Jesus, após a sua Ressurreição, a jurisdição de pastor e chefe supremo de todo o seu rebanho, dizendo: “Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas” [Jo 21,15ss]. A esta doutrina tão clara das Sagradas Escrituras, tal como sempre foi entendida pela Igreja Católica, opõe-se abertamente as sentenças perversas daqueles que, desnaturando a forma de governo estabelecida na Igreja por Cristo Nosso Senhor, negam que só Pedro foi agraciado com o verdadeiro e próprio Primado de jurisdição, com exclusão dos demais Apóstolos, quer tomados singularmente, quer em conjunto. Igualmente se opõem a esta doutrina os que afirmam que o mesmo Primado não foi, imediata e diretamente, confiado a S. Pedro mesmo, mas à Igreja, e por meio desta a ele como ministro dela.Se, pois, alguém disser que o Apóstolo S. Pedro não foi constituído por Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja militante; ou disser que ele não recebeu direta e imediatamente do mesmo Senhor Nosso Jesus Cristo o Primado de verdadeira e própria jurisdição, mas apenas o Primado de honra, seja excomungado [anathema sit].
Nenhuma dificuldade, nada que o fiel católico já não saiba, hoje, com certeza e tranquilidade: a doutrina desde sempre ensinada a toda a Igreja, bíblica e conforme à Tradição. Não se trata de um Primado de honra aquilo que foi dado a São Pedro, mas sim de um Primado de verdadeira e própria jurisdição. Isto é, o Papa detém o poder real e concreto no que se refere às decisões práticas tomadas na Igreja: ele é de fato um monarca, o primeiro, quer dizer, o Príncipe entre os Apóstolos, e não apenas detém uma espécie de cargo simbólico ou um título meramente honroso. Parafraseando Santo Agostinho, “Roma locuta, causa finita est”[1]. Ponto.
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[1] “Roma falou, causa encerrada”. Dito condensado do sermão (nº 131,10) de Santo Agostinho, de 23 de setembro do ano 417, contra a heresia pelagiana, literalmente nesta forma: “…iam enim de hac causa duo concilia missa sunt ad sedem apostolicam; inde etiam rescripta venerunt; causa finita est” (…pois sobre este assunto dois concílios já foram enviados à Sé Apostólica, de onde retornaram rescritos; o caso está encerrado).
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