O MOSTEIRO DA SANTA CRUZ disponibilizou, em documento para download (PDF), o texto traduzido de João de Santo Tomás sobre a deposição de um papa, com suas considerações bem fundamentadas sobre o que a causaria, como isso se daria e por qual autoridade se poderia fazê-lo. O texto completo (extraído de Le Sel de la terre 90, p. 112 a 134, 2014) pode ser acessado neste link.
Aqui, compartilho um resumo (tão resumido quanto possível) comentado desse documento, por três razões: 1) porque vejo que isso é coisa sumamente necessária nestes nossos tempos de confusão; o tema é complexo, espinhoso e amplo, razão pela qual se torna restrito à compreensão de poucos. Assim, resumir para chegar ao que realmente importa nessas considerações é mais do que útil; 2) porque é da minha vocação tentar simplificar as coisas difíceis e tentar torná-las palatáveis aos mais simples. É o que tento fazer com este apostolado há 15 anos; 3) porque o texto em questão já contém em si, de forma condensada, o principal que há para se saber a respeito. Um resumo do resumo é o que precisamos para realmente entender a coisa toda. Vamos lá…
Em primeiríssimo lugar, é preciso saber que o documento aqui resumido e comentado, por sua autoria e argumentações fundamentadas em Doutores da Igreja e grandes teólogos, ainda que tenha um peso considerável e deva influenciar o debate, é baseado na opinião do seu douto autor, que não é infalível nem definitiva. O próprio já começa com a seguinte expressão: “Suponho que…”.
Dito isso, ele inicia citando os 3 modos pelos quais o pontífice pode perder o pontificado, a saber: a) morte, b) renúncia e c) deposição.
Por motivos óbvios, só nos interessa agora o terceiro caso, o da deposição. Partimos já do princípio que se considera, então, possível e cabível, em caso(s) específico(s), a deposição. Resta saber em qual ou quais caso(s) isso pode ser feito e por qual poder se pode efetivamente fazê-lo.
Conclui-se que se pode depor um papa em 3 casos:
• heresia ou infidelidade (traição à Fé, ao Evangelho, à Sã Doutrina, ao Fidei Depositum);
• insanidade permanente;
• dúvida sobre a validade da eleição.
Da opção 2 não se ocupa o texto, e a opção 3 é de pouco interesse para nós, aqui, a não ser que viesse a se provar acima de dúvida algo de realmente concreto e indiscutível, além de meras teorias conspiratórias, alegações ou suspeitas que não podem ser provadas, como as trazidas pelo Arcebispo Viganò.
Pois bem: uma deposição pode ocorrer por causa do crime de heresia ou infidelidade?
De fato, há concórdia entre os Doutores e teólogos sobre o fato de o papa poder, sim, ser deposto em caso de heresia.
Para tanto é preciso que a) a heresia seja pública (não apenas oculta) e juridicamente notória e b) que o papa em questão seja incorrigível e pertinaz em sua heresia.
[Alguns consideram que mesmo por uma heresia oculta o pontífice perderia sua jurisdição pontifical, que é fundada sobre a Fé verdadeira e a reta confissão da mesma Fé, como é o caso de Torquemada, Paludanus, Castro, Simancas, Driedo e outros. Isso complica mais a coisa.]
Tendo admitido que o papa pode ser deposto em caso de heresia, resta saber qual poder poderia fazê-lo.
Conclui-se, em resposta, que a declaração do crime (sentença declaratória) não é da competência dos Cardeais, mas de um concílio geral, isso pelo costume da Igreja, como no caso do papa Marcelino (296-304), do papa Símaco (498-514) e do Grande Cisma, quanto a Igreja teve 3 papas e o Concílio de Constança (1414-1418) incumbiu-se de resolver o problema. Nos princípios do Direito Canônico, vê-se que os papas que quiseram se justificar das acusações de crimes contra a Fé o fizeram diante de um concílio.
Tratar a causa da deposição compete, então, à Igreja, cuja autoridade é representada por um concílio geral, que tem o poder de decretar tal sentença. Esse concílio pode ser reunido pelos bispos da Igreja: em situações de normalidade, isso deve ser feito pela maior parte deles.
A IGREJA TEM O DIREITO DIVINO DE SE SEPARAR DE UM PAPA HEREGE, e, por consequência, tem todos os meios necessários para tal separação.
* Aqui cabe uma observação essencial: a segunda parte da afirmativa acima se torna dificílima ou mesmo impraticável a partir do momento em que supõe, logo a seguir, que os citados “meios necessários” residem no poder de “constatar juridicamente um crime desse tipo, o que não pode ser feito sem um julgamento competente a não ser por um concílio geral”. – Sabemos todos que, humanamente falando, as chances de isso acontecer, hoje, são praticamente nulas. Que fazer, então, em nossa situação atual? Circunstâncias extraordinárias não exigem soluções igualmente extraordinárias?
Qual autoridade pode depor um papa herege?
Há muita controvérsia e disputas acirradas a respeito, pois é pressuposto que ninguém poderia exercer este ato de julgamento e jurisdição colocando-se acima do poder do papa, que é o maior na Igreja, abaixo somente de Cristo Senhor.
Discute-se então quanto à Igreja (reunida) ter poder superior ao do papa (que o recebeu diretamente de Cristo), mas a mesma Igreja pode e deve, em caso de heresia pertinaz e traição da Fé, evitar um papa herege, separar-se dele, recusar a comunhão com ele, e do mesmo modo ensinar a todos os fiéis que não se submetam a um ensino que os ponha em risco do Inferno.
** Observe-se que a questão de a Igreja ter ou não poder maior ou menor que o do Papa, assim, torna-se menor e secundária para todos os efeitos práticos, nas questões de doutrina, disciplina, fé e moral. Porque mesmo no caso de não haver a superioridade para a deposição (o que é discutível na medida em que a Igreja é o Corpo de Cristo e a continuidade histórica de Cristo no mundo, tendo recebido sua assistência diretamente do Céu assim como o papa, e o papa é, afinal, sempre um servidor da mesma Igreja, nunca seu dono e senhor), sempre é prescrito que se evite o herético, que se separe dele, que não haja comunicação com ele, o que indica, acima de dúvida razoável, certa superioridade, sim, da Igreja. Ora qual inferior poderia resistir, evitar, ignorar, desobedecer, cortar relações ou negar a comunicação com o seu superior??
Seja como for, a questão se resolve com a diferença considerada e assumida pelo autor entre o papado (Cátedra) e a pessoa do papa, sendo que a Igreja, ao declarar o crime contra a fé, tem o poder de separar a forma (o papado) da pessoa (aquele papa específico), que se desliga por heresia, mesmo se a Igreja lhe for inferior em poder e/ou autoridade. É o que vemos descrito no subtítulo Argumento teológico, a seguir:
…a Igreja pode declarar o crime do pontífice e proclamar aos fiéis que ele deve ser evitado segundo o direito divino, deliberando que um herege deve ser evitado. Ora, um pontífice que deve ser evitado por esta disposição torna-se necessariamente impedido de ser a cabeça da Igreja, pois é um membro que deve ser evitado, e consequentemente não pode influenciá-la; é por isto que, em virtude de tal poder, a Igreja dissolve de modo ministerial e dispositivo a ligação entre o pontificado e tal pessoa. A consequência é manifesta: um agente que pode induzir sobre um sujeito uma disposição que conduz necessariamente à separação da forma, uma disposição com a qual a forma não possa subsistir no sujeito, tem um poder sobre a dissolução da forma, e age de modo indireto sobre a forma para separá-la do sujeito, e não para destruí-la nela mesma[…].Assim, então, já que a Igreja pode declarar o pontífice como pessoa a ser evitada, ela pode induzir nesta pessoa uma disposição com a qual o pontificado não possa subsistir; o pontificado é assim dissolvido de modo ministerial e dispositivo pela Igreja, e com autoridade por Cristo, do mesmo modo que a Igreja, designando o pontífice por eleição, o dispõe, ao final, a receber a concessão do poder por Cristo Nosso Senhor.
Ao final de tudo, a grande questão que fica é o dilema maior dos nossos tempos: ocorre que a regra da Igreja para esses casos é que se defina tudo a partir de um concílio geral, mas…
...ao mesmo tempo, a regra igualmente define que a Igreja não pode, em tempo algum, ter comunhão com um papa herege.
Como, então, conciliar uma coisa e outra, num tempo em que a grande maioria dos bispos compactua com o papa em suas heresias, como o falso ecumenismo que põe todas as religiões em pé de igualdade, um valor praticamente absoluto dado ao respeito humano, a fraternidade universal posta acima da verdade do Evangelho, a concepção de que a comunhão dos santos inclui os hereges, blasfemadores e apóstatas (Francisco prega isso, literalmente), o combate ao “clericalismo” (o nome que ele dá à dignidade e à autoridade dos nossos pastores, dado diretamente por Cristo), etc, etc.?..
É nada menos que impossível acreditar que, nas circunstâncias atuais, um concílio geral se reúna para declarar que Francisco é herege e que a Igreja deve cortar relações com ele. Como diz o próprio anexo conclusivo ao texto em questão, “humanamente falando, a situação é inextrincável”. E isso simplesmente não pode continuar assim, sob pena de se perder as almas. Que fazer?
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