A VIDA ESPIRITUAL não é fácil, pelo contrário, nessa peregrinação rumo à Pátria Celeste caminhamos e caminharemos ainda por vias duras, tortuosas e acidentadas e não faltarão as noites frias e ameaçadoras e os dias de jornada por longos desertos escaldantes; enfrentaremos animais selvagens, verdadeiras bestas assassinas; lutaremos contra assaltantes de toda espécie; precisaremos cultivar a sabedoria e o discernimento para evitar as armadilhas dos nossos inimigos, tanto os visíveis quanto (principalmente) os invisíveis. E diariamente – mas especialmente quando o fim de tudo chegar –, teremos que enfrentar o pior de todos os nossos inimigos: nós mesmos.
Sim. Enfrentar o próprio eu, para muitos, se não para todos, é o maior dos obstáculos. E tanto mais duro, beirando o impossível, será para aqueles que não reconhecem a sua própria fragilidade, não conhecem o seu “ponto fraco”: o ponto que frequentemente será atacado pelos nossos inimigos. Voltamos a falar, neste artigo, do defeito dominante, o qual já havíamos mencionado em postagem anterior de O Fiel Católico (leia). Mencionamos aí que o grande teólogo e mestre Padre Garrigou-Lagrange definiu o defeito dominante nos termos seguintes:
Ele (O defeito dominante) é, em nós, aquele que tende a prevalecer sobre os outros e, assim, sobre nossa maneira de sentir, de julgar, de simpatizar, de querer e de agir. É um defeito que, em cada um de nós, tem uma relação íntima com o nosso temperamento individual. (…) é o nosso inimigo doméstico, no interior de nós mesmos, pois ele pode, caso se desenvolva, chegar a arruinar por completo a obra da graça ou a vida interior. Às vezes, ele é como a fissura de um muro que parece sólido, mas não o é, como uma trinca, às vezes imperceptível, mas profunda, na bela fachada de um edifício, que um forte abalo pode demolir.(As Três Idades da Vida Interior, São Paulo: Cultor de Livros, pp.383-384)
É imperativo, portanto, a todo aquele que busca a santidade, descobrir qual é esse “ponto fraco”, descobrir onde está essa “fissura” que pode arruinar todo o edifício da nossa vida espiritual e que pode, no mínimo, nos obrigar a maior purificação no purgatório. Para aqueles que ainda não se deram conta da importância de descobrir qual é a seu defeito (ou falha, ou paixão) dominante, talvez as palavras imortais do grande Padre Faber (acesse aqui uma biografia exclusiva), escritas na já distante década de 1930, possam servir de incentivo:
[A paixão dominante] causa pelo menos dois terços dos nossos pecados. (…) Descobrir a paixão dominante é um dos negócios mais importantes da vida; um negócio tão difícil quão importante, pelo segredo que invariavelmente envolve essa astuciosa paixão.(Progresso na Vida Espiritual, Petrópolis: Vozes, 1939, pp. 84-85)
Não é uma tarefa qualquer ou pequena, então, descobrir qual o nosso defeito dominante. Ao contrário, talvez seja o negócio mais importante desta vida!
Tracemos, pois, sem demora, um plano de combate: devemos primeiro conhecê-lo para depois buscar meios de o vencer. Existem alguns bons caminhos para encontrar esse “parasita” de nossa alma. Elencaremos sete meios que consideramos eficazes, mas o pressuposto evidente é a firme vontade de realmente descobri-lo[1]. Digo isso porque, se a alma realmente estiver empenhada, com certeza receberá os auxílios de Nosso Senhor nesta empreitada, já que Ele mesmo se compromete a nos atender se o que pedimos se enquadra dentro de certas condições (voltaremos a falar a respeito).
Para os iniciantes sinceros é fácil descobrir essa maior moléstia, mas, à medida em que vamos progredindo na vida espiritual, ela se tornará cada vez menos e menos aparente, até se ocultar e até assumir aparências de alguma virtude. Por exemplo, a covardia pode vestir a máscara da humildade, o orgulho, a máscara da magnanimidade, a ira a máscara do amor pela justiça, etc.
Naqueles em que o defeito dominante já adquiriu forma e se “fantasiou” de virtude será comum –, quando o nosso diretor espiritual ou alguém de nosso convívio nos acusar exatamente por esse defeito –, darmos “desculpas” e escusas do tipo: “Eu posso ter muitas falhas e erros, mas esse não…”.
1) O primeiro meio para descobrir o maldito defeito dominante é pedir por luz a Deus, Nosso Senhor. Peça com insistência pela graça de descobrir esse grande mal. Persevere nessas súplicas até ser atendido.
2) Depois, é preciso examinar-se: ao acordar pela manhã, ou quando os seus pensamentos se esvaem, para onde eles vão mais frequentemente ? Em geral, qual o direcionamento dos seus desejos e/ou dos seus interesses e preocupações? Geralmente, qual é a fonte geral da sua alegria e da sua tristeza?
[Esse segundo método consiste em notar a alegria ou a tristeza que aparece na alma de modo incomum, e em descobrir de onde emana essa emoção. Mesmo se existir causa aparente, a alegria ou tristeza pode ser tão desproporcionada que nos leve a suspeitar que nela haja uma razão adicional e oculta.]
3) Geralmente podemos encontrar nosso defeito dominante avaliando nossas próprias confissões sacramentais, se nelas costumam se repetir sempre alguns (dois ou três, ou mais) pecados, sejam veniais ou mortais, que são sempre os mesmos: se os confessamos e voltamos a cometê-los, atenção! Convém aí buscar com diligência a fonte desses pecados e a raiz comum que os gera a todos.
4) Podemos conhecer também o nosso defeito dominante pelas tentações que mais frequentemente nos assolam. Buscar a raiz dessas tentações é um ponto importante.
[Devemos ficar sempre muito atentos às inspirações com que somos agraciados pelo Espírito Santo, apontando-nos onde é que somos mais fracos, ou onde a tentação é mais forte e costuma nos vencer, e por qual sentido, pedindo insistentemente a Ele que mortifique em nós exatamente esse ponto.]
5) Devemos criar o hábito de fazer o exame de consciência regular, se possível diário, ao final do dia; fazendo isso, iremos aos poucos descobrindo onde devemos nos purificar e melhorar. Por consequência, aos poucos iremos adquirindo maior conhecimento de nós mesmos;
6) Obrigue-se a uma sanção a cada vez que fraquejar. Aconselha Lagrange: “Conviria, sobretudo aos iniciantes, escrever a cada semana quantas vezes cederam a esse defeito dominante, que quer reinar neles como um tirano” (op. cit., 389). E todas as vezes que você consentir com esse defeito, imponha-se a si mesmo uma penitência, mesmo que pequena.
7) Obtenha um bom diretor espiritual. Procure algum mestre da vida interior, alguém experiente e piedoso, para auxiliá-lo. Este poderá ser um aliado fortíssimo no combate contra si. Ter bons conselhos de um santo sacerdote á uma graça divina tão imensa e tão poderosa que sequer se pode avaliar.
[Muitos objetarão que em nossos dias é difícil encontrar um bom diretor, e quem o disser não estará distante da verdade. Reze, porém, com confiança. Suplique a Deus por esse mestre terreno, com plena confiança e entrega, e certamente será atendido.]
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[1] Os meios aqui descritos são baseados nas obras dos Revmo.s Padres R. Garrigou-Lagrange e F. W. Faber, a saber:
[1] Os meios aqui descritos são baseados nas obras dos Revmo.s Padres R. Garrigou-Lagrange e F. W. Faber, a saber:
– GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. As Três Idades da Vida Interior, São Paulo: Cultor de Livros, 2018.
– FABER, Frederick William, Progresso na Vida Espiritual, São Paulo: Cultor de Livros, 2016.
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Ref.: ‘O Defeito Dominante ou O Parasita da Alma – Conhecimento e Combate’, disp. em:
Ref.: ‘O Defeito Dominante ou O Parasita da Alma – Conhecimento e Combate’, disp. em:
https://cristoelivros.home.blog/2019/02/18/o-defeito-dominante-ou-o-parasita-da-alma-conhecimento-e-combate
Acesso em 28/8/2023.
Gostando MUITO MESMO dos conteúdos aqui postados. Parabéns a todos os envolvidos e contem com a minha assinaatura!
ResponderExcluirCastelli