
PORNOGRAFIA É COISA muito antiga na história humana. Arqueólogos descobriram centenas de afrescos e esculturas sexualmente explícitas nas ruínas do Monte Vesúvio em Pompeia, Itália, por exemplo, assim como em esculturas do século X na Índia, e a arte japonesa do shunga já retratava casais em cenas de sexo explícito no século XVII.
Ocorre, porém, que a produção pornográfica se transformou radicalmente, crescendo de modo assustador e adquirindo poderes e alcances nunca vistos a partir do surgimento das plataformas digitais. Desde o advento da Internet, o uso da pornografia simplesmente explodiu. Os grandes sites pornográficos gratuitos mundiais recebem, hoje, centenas de bilhões de acessos anuais.
As ciências estão apenas começando a revelar as repercussões neurológicas do consumo de pornografia. Mas já está bem claro que a saúde mental e a vida sexual de seu amplo público estão sofrendo efeitos catastróficos.
Da depressão à disfunção erétil, a pornografia parece estar sequestrando nossa fiação neural com consequências terríveis. As propriedades do vídeo pornô o tornam um gatilho particularmente poderoso para a plasticidade, a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar como resultado da experiência, afetando drasticamente a fiação neural subjacente aos processos de aprendizagem e memória.
Combinado com a acessibilidade e o anonimato do consumo de pornografia online, estamos mais vulneráveis do que nunca aos seus efeitos hiperestimulantes. A longo prazo, a pornografia também parece criar disfunções sexuais, especialmente a incapacidade de atingir uma ereção ou orgasmo com um parceiro na vida real. A qualidade conjugal e o compromisso com o parceiro romântico também parecem ficar comprometidos.
Para tentar explicar esses efeitos, alguns cientistas traçaram paralelos entre o consumo de pornografia e o abuso de substâncias. O cérebro humano é programado para responder à estimulação sexual com surtos de dopamina. Esse neurotransmissor, mais frequentemente associado à antecipação de recompensa, também atua para programar memórias e informações no cérebro. Essa adaptação significa que quando o corpo precisa de algo, como comida ou sexo, o cérebro se lembra do que fazer para sentir o mesmo prazer.
Em vez de recorrer a um parceiro, usuários habituados à pornografia instintivamente pegam seus telefones e laptops quando o desejo por satisfação sexual vem — e conforme o hábito vai se instalando, ele vem cada vez mais forte e mais frequentemente.
Além disso, explosões de recompensa e prazer fortes e fora do normal evocam níveis de habituação no cérebro igualmente fortes e fora do normal. Dr. Norman Doidge, psiquiatra, explica: "A pornografia satisfaz todos os pré-requisitos para a mudança neuroplástica. Quando os produtores de pornografia se gabam de criar novos conteúdos, o que eles não dizem é que têm que fazer isso, porque seus clientes estão desenvolvendo uma tolerância cada vez maior em relação a eles".
Isto é, o sujeito que começou a se masturbar vendo fotos de mulheres nuas logo avança para cenas de sexo explícito, primeiro envolvendo casais e sexo normal, depois as mais perversas variedades, humilhação brutal, cenas grupais envolvendo uma mulher e muitos homens (às vezes dezenas!) e assim por diante, numa escalada que parece não ter fim, chegando às piores formas do chamado sexo escatológico.
Cenas pornográficas, como substâncias viciantes, são gatilhos hiperestimulantes que levam a níveis anormalmente elevados de secreção de dopamina. Isso pode danificar o sistema de recompensa da dopamina e deixá-lo sem resposta às fontes naturais de prazer. É por isso que os usuários começam a ter dificuldade em alcançar a excitação com um parceiro físico e querem sempre mais.
A dessensibilização de nosso circuito de recompensa prepara o terreno para o desenvolvimento de disfunções sexuais, mas as repercussões não param por aí. Estudos mostram que mudanças na transmissão da dopamina podem facilitar a depressão e a ansiedade. Nesse sentido, os consumidores de pornografia relatam maiores sintomas depressivos, menor qualidade de vida e pior saúde mental em comparação com aqueles que não veem pornografia.
A outra descoberta convincente nos estudos é que os consumidores compulsivos de pornografia descobrem que querem e precisam, cada vez mais, de mais e mais pornografia, embora não necessariamente gostem disso. Essa desconexão entre querer e gostar é uma característica marcante da desregulação do circuito de recompensa.
Seguindo uma linha semelhante de pesquisa, cientistas do Instituto Max Planck em Berlim, Alemanha, descobriram que o maior consumo de pornografia está correlacionado com menos ativação do cérebro em resposta a imagens pornográficas convencionais. Isso explica por que os usuários tendem a passar a consumir formas pornográficas mais radicais e não convencionais.
As análises dos sites gratuitos revelam que o sexo convencional é cada vez menos interessante para os usuários e está sendo substituído por temas que antes causavam repulsa, como incesto e violência. A perpetuação da violência sexual online é particularmente preocupante, pois as taxas de incidentes na vida real tendem a aumentar como resultado. Alguns cientistas atribuem essa relação à ação dos "neurônios espelho". Essas células cerebrais são chamadas assim porque são ativadas quando o indivíduo realiza uma ação por observar a mesma ação realizada por outra pessoa.
As regiões do cérebro que ficam ativas quando alguém está vendo pornografia são as mesmas regiões do cérebro que se ativam enquanto a pessoa está realmente fazendo sexo. Marco Iacoboni, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles, especula que esses sistemas têm o potencial de espalhar comportamento violento: "O mecanismo de espelho no cérebro também sugere que somos automaticamente influenciados pelo que percebemos, propondo assim um mecanismo neurobiológico plausível para contágio de comportamento violento".
Embora ainda especulativa, essa associação sugerida entre pornografia, neurônios espelho e aumento das taxas de violência sexual serve como um alerta sinistro.
Desenvolvimento moral
O uso da pornografia está relacionado à erosão do córtex pré-frontal — região do cérebro que abriga funções executivas como moralidade, força de vontade e controle de impulsos.
Para entender melhor o papel dessa estrutura no comportamento, é importante saber que ela permanece subdesenvolvida durante a infância. É por isso que as crianças lutam para controlar suas emoções e impulsos. Danos ao córtex pré-frontal na idade adulta são chamados de hipofrontalidade, que predispõe um indivíduo a se comportar compulsivamente e tomar decisões erradas.
Nesse sentido, é um tanto paradoxal que o entretenimento adulto possa reverter as conexões cerebrais a um estado menos maduro e mais inconsequente.
A ironia muito maior, porém, está no fato de que, embora a pornografia prometa satisfazer e proporcionar gratificação sexual, ela oferece o exato oposto. Quanto mais o adicto se permite consumir a pornografia, tanto mais insatisfeito fica; consequentemente, mais procura, mais consome e ainda mais e mais insatisfeito, num círculo vicioso sem fim.
* BARR, Rachel Anne, doutoranda em Neurociência da Universidade de Laval, Bélgica, para o acadêmico "The Conversation". Leia a versão original (em inglês).
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